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DISTRIBUIÇÃODOS EMPREENDIMENTOS POR “ANO DE INÍCIO” COMO EMPREENDIMENTO SOLIDÁRIO (BRASIL)

1) Cooperativa agrícola: pode ser caracterizada pelo uso coletivo da terra para produção (cooperativa de produção agrícola), como pela

4.4.1 Os diferentes ciclos das cooperativas no Brasil

Em função dos objetivos desse trabalho, nesta seção busca-se analisar o novo ciclo de desenvolvimento das cooperativas no Brasil, enfatizando o debate acerca das cooperativas urbanas. Para tanto, faremos uma breve caracterização da origem do cooperativismo visando melhor compreender seus desdobramentos e perspectivas no cenário brasileiro.

4.4.1.1. Breve caracterização da origem do cooperativismo

Como vimos anteriormente, os últimos anos do século XX registraram um aumento expressivo do número de cooperativas no Brasil. Vários fatores contribuíram para isto, dentre os quais se destacam: a) a desregulamentação do mercado de trabalho a partir da crise do fordismo e a transição para um modelo de acumulação flexível; b) o desemprego estrutural; c) as novas (e precárias) formas de contração da mão-de-obra. É neste contexto que assistimos ao ressurgimento do debate da utopia cooperativista, especialmente no cenário urbano, tal como aborda Ferraz (2005, p. 2): “não se trata de um renascer defensivo em pequenas comunidades excluídas. Mas um ressurgimento, socialmente articulado, que une atores coletivos e individuais em um movimento que perpassa o Estado e a sociedade civil”.

137 O cooperativismo surgiu na Europa como uma forma de reação da classe trabalhadora às condições de super-exploração da força de trabalho (SANTOS, 2002). O ano de 1844 é visto como marco do cooperativismo com a formação da Cooperativa de Rochdale, na Inglaterra. Trata-se de uma cooperativa de consumo de operários têxteis que se expandiu com a criação, em 1850, de uma cooperativa de produção industrial (LIMA, 2004).

A cooperativa de Rochdale passou a ser considerada como paradigma do cooperativismo em todo o mundo. Tal fato se deve ao elevado grau de organização dos trabalhadores e da sistematização dos seguintes princípios cooperativistas: gestão democrática, adesão voluntária, limite de juros sobre o capital, venda à vista, investimento na educação dos associados e neutralidade político-partidária e religiosa (Lima, 2004).

O crescimento do movimento cooperativista na Europa resultou na formação da Aliança Cooperativa internacional (ACI), em 1895, em Genebra, que ratificou os princípios de Rochdale mencionados acima. Lima (2004, p. 4) afirma que o debate em torno do cooperativismo marcou o pensamento social da época. Desse modo, o autor argumenta que o cooperativismo ora era visto como alternativa ao capitalismo e ora era concebido com uma possibilidade dentro do próprio sistema capitalista. É no bojo deste debate que a contradição, inicialmente apontada por Luxemburgo, deu origem a tese da degeneração das cooperativas formulada por Webb e Webb (1914). Essa tese preconizava que os empreendimentos cooperativos acabariam sucumbindo diante das necessidades de sobrevivência no mercado capitalista, fato que levaria, com o passar do tempo, a transformação de tais empreendimentos em associações capitalistas com a incorporação do lucro e a contratação de trabalhadores assalariados (LIMA, 2004).

4.4.1.2 Os ciclos das cooperativas no Brasil: números e significados

Conforme Gediel (2006) pode-se identificar três ciclos do cooperativismo no Brasil. O primeiro ciclo diz respeito ao aparecimento do cooperativismo agrícola e de crédito, no final do século XIX, e se restringiu as regiões onde a colonização europeia foi mais acentuada. Sobre o cooperativismo nesta época, Neves (2002) afirma que boa parte das primeiras experiências de cooperativas no Brasil surgiu no contexto do movimento de abolição da escravatura. Contudo, conforme o autor, antes

138 deste período já é possível identificar iniciativas pontuais de criação de cooperativas. Tais iniciativas foram influenciadas pela experiência internacional.

Já o segundo ciclo do cooperativismo no Brasil é marcado pela sua adoção do modelo agroexportador com acentuada intervenção estatal em meio ao regime militar, tal como aborda Gediel (2006). Desta forma, os princípios do cooperativismo foram assimilados de forma precária e as práticas das cooperativas não expressavam os valores do trabalho coletivo/associado. Em outros termos, nessa época, as cooperativas no Brasil não conseguiam questionar a estrutura latifundiária e acabavam reproduzindo no seu cotidiano as relações de classe existentes no meio rural. É neste sentido que nos aponta Lima (2004) quando afirma que o aparecimento do cooperativismo foi impulsionado pelas elites agrárias.

Na década de 1980, surge o “novo ciclo do cooperativismo no Brasil” vinculado a teoria da economia solidária (NEVES, 2002). E a partir dos anos 1990, assistimos a uma proliferação e disseminação do cooperativismo articulado aos movimentos sociais, como por exemplo, o movimento sindical, MST, ONGS, etc. Ainda conforme Neves (2002), na década de 1990, o número de novas cooperativas foi cerca de cinco vezes maior do que na década anterior, passando no período de 1980/89, de 1.986 cooperativas para 5.652, no período de 1990/99. Este crescimento das cooperativas deve ser compreendido no contexto do processo de reestruturação produtiva.

Com efeito, a expansão das cooperativas no Brasil, sobretudo das cooperativas de trabalho, está diretamente relacionada ao aumento das formas de contratação flexíveis e ao crescimento do desemprego estrutural. É neste sentido que nos aponta Lima (2006, p. 102) quando afirma:

O crescimento das cooperativas de trabalho e produção industrial no Brasil pós-90, [...], resultou dos processos de adequação da economia brasileira a um mercado globalizado e suas implicações em termos do crescimento do desemprego e da informalização do mercado de trabalho. Na década de 90, diversas empresas passaram a demitir trabalhadores, sugerindo que se organizassem em cooperativas para prestar serviços como subcontratados por essas mesmas empresas.

Lima (2006) afirma que em dezembro de 2003, estavam registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras53 (OCB) 7.355 cooperativas com mais 5

53

Lima (2006, p. 103) observa que os dados da OCB não conseguem dar com exatidão o número de cooperativas no Brasil. “Isto porque as cooperativas não são obrigadas a se registrar na OCB e em

suas representações estaduais, as Organizações das Cooperativas Estaduais”. Mas, de todo o modo,

139 milhões de cooperados e 182.026 empregados diretos. O ramo das cooperativas de trabalho representa 27,51 % deste universo, respondendo pelo maior número de cooperativas em 2003.

Vieira (2005) apresenta os dados da OCB sobre a distribuição de cooperativas por região do país no ano de 2004. A região sudeste concentra 42,91 do total de cooperativas no Brasil, seguidas pelas regiões Nordeste (com 22,18%) e Sul (17,24%). Quanto ao número de cooperados, a região sudeste agrega 55% do total de cooperados, seguida da região sul com 29% e da região nordeste com 8%.

Em relação ao número de cooperativas no estado da Bahia, os dados coletados na pesquisa de campo revelam que, em 2009, estavam registradas na OCEB (Organização das Cooperativas do Estado da Bahia) 824 cooperativas, organizadas em 10 ramos de atuação: agropecuária, consumo, crédito, educação, habitação, mineração, saúde, trabalho, transporte e turismo. Verificamos que as cooperativas de trabalho representam 32% das cooperativas do estado da Bahia, conforme tabela a seguir:

Tabela 10

Distribuição das Cooperativas por Ramo de Atividade no Estado da Bahia (31.12.2009)

Ramos

N. de cooperativas N. de cooperados N. de funcionários

V.A. % V.A. % V.A. %

Agropecuário 179 21,7 5980 8,6 460 18,2 Consumo 4 0,5 80 0,1 22 0,9 Crédito 64 7,8 25453 36,5 287 11,4 Educacional 36 4,4 2151 3,1 847 33,6 Habitacional 6 0,7 120 0,2 0 0,0 Mineração 12 1,5 333 0,5 1 0,0 Saúde 94 11,4 9319 13,4 298 11,8 Trabalho 264 32,0 21577 30,9 238 9,4 Transporte 154 18,7 4562 6,5 368 14,6 Turismo 11 1,3 220 0,3 0 0,0 Total 824 100,0 69795 100,0 2521 100,0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da OCEB

Desse modo, o ramo das cooperativas de trabalho se destaca em relação aos demais. Neste sentido, os dados confirmam os dados de estudos no campo do direito que vêm demonstrando que o crescimento expressivo das cooperativas de trabalho responde aos anseios do mercado de trabalho pela desregulamentação das relações trabalhistas. Isto porque o vínculo empregatício com a mão-de-obra não se estabelece, tendo em vista que o contrato entre a empresa tomadora de serviço e a

140 cooperativa é comercial, portanto, é regulado pelo direito civil (OLIVEIRA, 2003 MISI, 2000; NEVES, 2002). É o que demonstra Carelli (2003) sobre as empresas que se utilizam da figura jurídica de cooperativa para fazer intermediação de mão-de- obra, que é ilegal.

Outro dado que chama atenção é o número de trabalhadores cooperados. Em 2009, constatamos a existência de quase 70 mil trabalhadores cooperados, distribuídos da nos seguintes ramos de atuação: 36,5% crédito; 30,9% trabalho; 13,9% saúde; 8,6% agropecuário; 6,5% transporte; 3,1% educacional; 0,5% mineração; 0,3% turismo; 0,2% habitacional; e 0,1% consumo. Por fim, destacamos que embora o ramo de trabalho agregue o maior numero de cooperativas, o setor que contem o maior contingente de trabalhadores cooperados é o de crédito (25.453).

A seguir, apresentaremos os principais resultados da pesquisa de campo realizada nas cooperativas e associações apoiadas pela ADS-CUT na Bahia. Vale destacar que conforme demonstramos ao longo do capitulo, há uma multiplicidade de experiências que se inscrevem no campo da economia solidária, desse modo, as cooperativas e associações pesquisadas representam um tipo de específico de iniciativa: trata-se de um conjunto de empreendimentos apoiados, de algum modo, pelo movimento sindical (no caso, o “Sindicalismo-CUT”). Ademais, conforme mencionamos, os resultados da pesquisa realizada nos 15 empreendimentos solidários não podem ser generalizados, portanto, não dizem respeito à totalidade do trabalho desempenhado pela ADS no estado da Bahia, muito menos no território nacional.

141 CAPÍTULO 5: DA “CIDADANIA REGULADA” À CIDADANIA REGRESSIVA: O PROJETO DE COOPERATIVISMO URBANO DA CUT.

Este capítulo tem por finalidade construir alguns parâmetros para responder o problema de pesquisa proposto, qual seja: Quais os principais elementos explicativos para a incorporação da economia solidária e a criação da ADS pela CUT? A resposta a esta questão, exige preliminarmente, um debate em torno do conceito de cidadania, uma vez que as ações da CUT no campo da economia solidária após a adoção do sindicalismo propositivo e cidadão. Em outros termos, a discussão sobre a relação entre trabalhadores e o desenvolvimento da cidadania no contexto brasileiro é imprescindível para a compreensão da natureza e significado do modelo de sindicalismo propositivo e cidadão da CUT e a emergência da Agência de Desenvolvimento Solidário da CUT.

A reflexão sobre cidadania apresentada nesta seção será estruturada em torno de duas matrizes do pensamento social que centralizaram, em certa medida, as construções sobre o sentido da cidadania, quais sejam: i) a matriz liberal burguesa; ii) as formulações de T. Marshall e o debate contemporâneo sobre cidadania.

A análise dos diferentes sentidos atribuídos à cidadania no pensamento social permite compreender melhor como se processa a construção da cidadania no contexto brasileiro. Sendo assim, na terceira seção deste capítulo, demonstraremos como a discussão teórica mais geral sobre o conceito de cidadania aparece nos escritos de autores brasileiros quando estes analisam a relação entre trabalhadores e o desenvolvimento da cidadania no Brasil. Em função do nosso objeto de estudo, julgamos importante a análise dos seguintes períodos históricos: os anos de 1930; a passagem da década de 1970 para 1980 e os anos 1990.