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VALORES SEMÂNTICOS DE AQUI, AÍ, ALI (ACOLÁ), CÁ E LÁ

3. A expressão do tempo

3.2. Empregos anafóricos com valor temporal

A chamada deixis endofórica ou deixis textual, quando apresenta um valor temporal, envolve dícticos textuais que identificam intervalos de tempo calculados em função de um ponto de referência, interno ao texto, alternativo ao momento de enunciação e, por vezes, expresso através de uma data. Vejamos alguns exemplos:

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(141) Este treinador esteve no F.C.Porto até 2007i, uma vez que terminou aquii o

seu contrato com o clube.

(142) O João terminou o curso em Julho de 1980i e foi precisamente aquii que

iniciou a sua carreira profissional.

(143) Acabei de tomar o medicamento no fim do mês passadoi e desde aíi nunca

mais senti nada.

(144) O Zé ficou desempregado em 2007i. De aíi para cá/de aíi em diante/ já teve

várias ofertas de emprego.

(145) O Zé ficou desempregado em 2007i. Até aíi nunca lhe tinha faltado

trabalho.

(146) O Zé ficou desempregado em 2007i. Foi aíi que pela primeira vez pensou

emigrar.

(147) O rapaz apercebeu-se de alguémi. Aíi ele parou.

(148) O Zé ficou desempregado em 2007i. Começou aíi o seu calvário.

(149) O campo foi invadido aos trinta minutos da segunda partei e o jogo acabou

logo alii.

(150) O F.C.Porto sofreu o primeiro golo aos dez minutos da primeira partei e

daliiem diante/a partir dalii/teve boas oportunidades de marcar.

(151) O F.C.Porto sofreu o segundo golo aos quarenta minutos da segunda partei, embora tenha tido até alii boas oportunidades de marcar.

(152) O João vai casar-se em Agostoi. Daqui até lái vai fazer os preparativos.

(153) O Zé casou-se em Janeiroi. De lái para cá nunca mais o vi.

Nas frases (141) e (142), o díctico textual aqui referencia um intervalo de tempo no passado que se sobrepõe ao tempo que serve de antecedente e que é identificado através das datas 2007 e Julho de 1980, respectivamente.

Em (143) e (144), o díctico textual aí referencia um intervalo de tempo no passado, cujo início coincide com o tempo que serve de antecedente e que é expresso pelas datas no fim do mês e 2007, e que se pode prolongar até ao presente.

Em (145), o díctico textual aí referencia um intervalo de tempo no passado e que termina no passado, sendo a sua fronteira final coincidente com o tempo que serve de antecedente e que é expresso pela data 2007.

Em (146) e (147), o díctico textual aí referencia um intervalo de tempo no passado que se sobrepõe ao tempo que serve de antecedente e que é determinado pela data 2007 e pelo momento designado pela situação ”apercebeu-se de alguém”, respectivamente.

Em (148), o díctico textual aí referencia um intervalo de tempo no passado, cujo início coincide com o tempo definido pelo antecedente e expresso na data 2007, podendo estender-se ao presente ou ao futuro. Saliente-se ainda que os verbos aspectuais como “começar”denotam o início do intervalo de tempo.

Em (149), o díctico textual ali referencia um intervalo de tempo no passado que se sobrepõe ao tempo que serve de antecedente e que é identificado pelo período de jogo decorrido: 30 minutos da segunda parte.

Em (150), o díctico textual ali (contraído aqui com a preposição de) referencia um intervalo de tempo no passado, cuja fronteira inicial coincide com o tempo que serve de antecedente e que é expresso pelo período de jogo decorrido: dez minutos da

primeira parte.

Em (151), o díctico textual ali referencia um intervalo de tempo no passado, cuja fronteira final se situa no passado e se sobrepõe ao tempo que serve de antecedente, aqui expresso pela hora de jogo decorrido: quarenta minutos da segunda parte.

Em (152), o díctico textual lá referencia um intervalo de tempo no futuro que se inicia no presente e cujo termo se sobrepõe ao tempo que serve de antecedente e que é expresso pela data Agosto.

Em (153), o díctico textual lá referencia um intervalo de tempo no passado que se pode estender até ao presente, cuja fronteira inicial coincide com o tempo que serve de antecedente e que aqui é expresso pela data Janeiro.

As ocorrências que acabámos de analisar envolvem advérbios demonstrativos que assumem, como vimos, uma significação temporal. Através das abordagens exofórica e endofórica realizadas, somos levados a concluir que estes marcadores denotam, em contextos enunciativos específicos, intervalos de tempo, sejam eles pontuais ou com duração, que se situam quer no passado, quer no futuro.

4. Conclusão

Considerados à luz de um quadro de referência topológica, que se baseia nas coordenadas do ego, hic et nunc e que subjaz ao acto de enunciação, estes advérbios apresentam um comportamento que se rege pela presença/ausência de determinados traços semânticos que os distinguem entre si e que ajudam a perceber o modo como são utilizados pelos falantes. Através do quadro que se segue, procuraremos resumir algumas das considerações que fizemos ao longo deste capítulo, esquematizando a distribuição dos principais traços distintivos, essencialmente em termos de relações de acessibilidade, visibilidade, abrangência e delimitação, tendo como ponto de referência o “eu” enunciador:

A leitura deste quadro permite-nos obter um conhecimento geral dos comportamentos típicos destes localizadores espaciais. Assim, poderá concluir-se com Costa (2008: 48) que “a localização espacial pode ser definida ou indefinida, consoante o advérbio utilizado”, o mesmo acontecendo com todos os outros traços semânticos que

Localizadores espaciais

Tipo de Comportamento

Aqui

Acessível Visível Apontável Abrangente Definido Coincide com um ponto

+ + + - + + + + + - + + Ali + + + - + + Acolá + + + - + + Cá - - - + - - Lá - - - + - -

concorrem para a precisão ou imprecisão espacial. Nesse sentido, verificamos que aqui,

aí, ali e acolá denotam uma localização mais definida ou precisa, ao passo que cá e lá

indicam uma localização indefinida ou não precisa. Porém, as propriedades aqui registadas não correspondem a valores fixos, uma vez que estes advérbios exibem por vezes comportamentos atípicos que podem modificá-los. Recordemos alguns desses comportamentos, observados ao longo da nossa descrição:

Aqui: pode referir-se a espaços de variadas dimensões, o que implica, como

vimos, alterações no tipo de comportamento deste díctico.

Aí: é sobretudo acessível relativamente à segunda pessoa. Além disso, em

determinados contextos, pode indicar um espaço acessível mas abrangente.

Ali: há contextos onde alguns dos traços acima mencionados se alteram, como

por exemplo o da visibilidade.

Acolá: sendo o localizador que apresenta valores mais próximos de ali, tem, por

isso, o mesmo tipo de comportamento, embora possa apresentar um menor grau de acessibilidade.

Cá: tal como aqui, pode referir espaços de variadas dimensões, estando os

valores que definem o seu comportamento dependentes deste factor. O espaço determinado por este localizador pode, em certas circunstâncias, ser apontável, visível e até definido, tornando-se próximo do aqui, o que justifica que ambos sejam acessíveis relativamente à primeira pessoa.

Lá: comparativamente a ali, o localizador espacial lá implica maior distância e

maior abrangência. No entanto, em determinados contextos, pode apresentar um maior grau de acessibilidade.

Além destes aspectos, analisámos o emprego anafórico – em que os dícticos retomam um segmento discursivo anterior (o antecedente) no espaço textual – e catafórico – em que há uma correlação do díctico com uma expressão que surge depois na linearidade discursiva. A relação anafórica pode estabelecer-se relativamente a um sintagma nominal designativo de um local (um espaço físico) ou então a um sintagma que assinala uma situação, o mesmo se passando com o emprego catafórico.

Finalmente, analisámos algumas ocorrências em que os advérbios localizadores espaciais apresentam valores temporais, tanto na sua função díctica como na relação anafórica que estabelecem na frase. São processos que delimitam intervalos de tempo no passado ou no futuro, com ou sem duração.

Com a descrição semântica que aqui realizamos do valor espacial e do valor temporal que os denominados advérbios demonstrativos de lugar revelam, procurámos abarcar uma parte significativa das ocorrências que com maior frequência encontramos no uso que fazemos da língua portuguesa quer no plano da oralidade, quer no domínio da escrita. Fica-nos, contudo, a convicção de que outros casos ficam por abordar, dada a complexidade que envolve a análise destas questões linguísticas.

Capítulo III