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Como acabámos de observar, as expressões dícticas são expressões referenciais que funcionam num determinado contexto de enunciação e que prevêem necessariamente uma situação espácio-temporal. Em todo o caso, e na sequência do exposto por Eguren (1999: 936), “Esto no quiere decir, sin embargo, que las expressiones deícticas se usem solo deícticamente; también pueden emplearse de manera no deíctica.” Quanto ao primeiro aspecto, e seguindo a linha de pensamento de Fonseca (1996: 440) deveremos “ (...) tomar em conta, por um lado, qual o tipo de contexto compartilhado que viabiliza a mostração e, por outro, qual a componente do contexto que é activada semanticamente pela utilização dos deícticos.” Nesta ordem de ideias, e considerando o tipo de contexto, seguimos a proposta de Bühler ao reconhecer a deixis indicial ou “ad oculos”, sempre que o objecto designado, apontado ou referenciado se revele na presença do locutor, no contexto da situação de enunciação. Estamos perante um tipo de deixis que alguns autores designam por deixis exofórica25, justamente por se tratar de uma referência situacional que remete para a realidade extra- discursiva26, mas também para um campo perceptivo imediato, compartilhado pelos interlocutores, já que com a ajuda do contexto e da memória, a par de uma presença explícita pode haver uma presença implícita complementar que contribui necessariamente para a construção da significação.

Um outro tipo de uso da expressão díctica é a chamada deixis textual ou

discursiva, também designada por endofórica por se tratar de uma referenciação

contextual, isto é, que remete para um objecto da realidade intra-discursiva (o texto).27 A este propósito, Fonseca adianta (1996: 441): “Os deícticos podem desempenhar também uma função de referenciação endofórica ao apontar para os segmentos

25 Segundo T. Fraser & A. Joly (1979: 107), os termos exofórico e endofórico são utilizados por Halliday

e Hasan (1976: 33) e “ (…) designam de maneira muito económica a operação pela qual se reenvia (- phore) um signo para um referente extra-discursivo (exo-) ou intra-discursivo (endo-). (tradução nossa)

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Fonseca (1996) não considera esta designação totalmente corrcecta, “já que o contexto situacional, sendo constituído a partir de um acto verbal, não é exterior à linguagem.” (cf. Fonseca, 1996: 440-441)

discursivos que precedem ou seguem o signo deíctico no todo textual em que está integrado.” Estamos, neste caso, em presença de expressões dícticas que têm “(…) un uso deíctico “textual o discursivo” esto es, se usan dentro de un enunciado para referirse a uma expresión linguística o a alguna porción del discurso en el que se inserta dicho enunciado.” (Eguren, 1999: 937). Tomamos, assim, em consideração o nível da dimensão espacial do texto, na sua linearidade e temporalidade, onde a função mostrativa das expressões dícticas se concretiza enquanto anáfora (quando remete para um elemento informativo textual anteriormente enunciado) ou catáfora (se remete, por antecipação, para uma informação textual que ainda vai ser referida). A esta relação de anterioridade e de posterioridade chamam alguns autores, respectivamente, referência

anafórica regressiva e referência anafórica progressiva ou antecipadora,28 sendo esta última menos usual que a primeira.

Fraser & Joly (1979) consideram que estas noções de anterioridade e de posterioridade se associam à referência exofórica, sendo que o que se situa antes faz parte do âmbito da memória, em virtude de funcionar “in absentia”, ao fazer referência a um objecto extra-discursivo não presente, ou seja, presente apenas na memória imediata dos interlocutores (que faz parte do passado), o que pressupõe uma vivência comum. E neste sentido, estabelecem um paralelismo entre a referência exofórica memorial e a referência endofórica anafórica: na primeira, o objecto referencial situa-se no passado do espírito e, na segunda, o objecto presente no discurso situa-se no passado do texto.29 Daí, entenderem estes autores que “Não é legítimo, de um ponto de vista teórico, reduzir a deixis à única referência exofórica a-memorial, a que supões a presença efectiva (física) do objecto designado e mostrável, tal como não é legítimo opor um demonstrativo anafórico, revelando referência endofórica, a um demonstrativo deíctico, revelando referência exofórica. Há uma identidade dos mecanismos em causa (…), sendo as diferenças apenas de ordem topológica (intra-discursivo vs extra-discursivo, intra-memorial vs extra-memorial)30 (cf. Fraser e Joly (1979: 109)). Ora, partindo destes

28 Cf., p. ex., Lyons (1977: 592)

29 Marie-José Béguelin aborda este assunto nos seguintes termos: “Dans la perspective de l‟allocutaire, les

emplois dits déictiques situationnels et anaphoriques sont sans doute a priori les plus « normaux » car les plus faciles à trater, dans la mesure où le référent à identifier se trouve déjà validé dans l‟image de la mémoire discursive.»

Entende-se aqui por memória discursiva o conjunto dos conhecimentos oficialmente partilhados pelos interlocutores.

pressupostos, poder-se-á concluir que deixis exofórica e deixis endofórica são da mesma natureza, partilham a mesma “mecânica fundamental”, embora se distingam por apresentarem uma diferente topologia.

As expressões dícticas podem ainda ser usadas com a finalidade de referir indicadores do domínio do ausente ou da fantasia. Trata-se de uma terceira modalidade de deixis, que Bühler designa por “Deixis am Phantasma” e que Fonseca denomina “deixis transposta” (ou “projectada”). Este modo de referência assenta em dados presentes numa memória comum, em que o locutor (narrador) imagina uma determinada situação ou recorda determinados indicadores e transmite-os ao seu interlocutor (leitor ou ouvinte), possibilitando-lhe uma “transposição” para essa situação criada, com base numa memória compartilhada. Ou seja, o narrador convida o leitor a partilhar o seu universo. Estamos, neste caso, em presença de um campo mostrativo imaginado ou construído mentalmente pelo locutor31 e que é compartilhado pelo interlocutor, na medida em que este reconstrói também mentalmente o espaço, reorganizando-o na sua memória. Kleiber (1998: 86) lembra, a este propósito, que « narrateur et lecteur sont en quelque sorte les contemporains des personnages de l‟univers fictif, de même ils peuvent partager leur localisation spatiale. » Com efeito, este tipo de mostração fictiva tem lugar « (...) cuando un narrador lleva al oyente al reino de lo ausente recordable o al reino de la fantasia constructiva (...) para que vea y oiga lo que hay allí que ver y oír (...). No con los ojos, oídos, etc, exteriores, síno con (...) ojos y oídos “interiores” o espirituales.” (Bühler (1965) 1985: 143).