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Encontros, desencontros e reencontros com a escola

No documento Luzes na escuridão: Narrativas no cárcere (páginas 118-122)

6.2 Vozes por detrás das grades: percepções das alunas

6.2.1 Encontros, desencontros e reencontros com a escola

Explorando as narrativas das alunas, a categorização das falas permitiu a tessitura das reflexões aqui propostas orientadas pelos objetivos e pelos aspectos temáticos anteriormente apresentados. E no desígnio de compreender o percurso educacional das alunas, foi identificado que elas tiveram encontros com os espaços formais de escolarização ainda na infância, que posteriormente se desdobraram em experiências escolares distintas.

Para Almeida (2016) a escola se configura como um importante espaço de interações, transformação e um lócus propiciador de condições que favorecem muitos encontros, não só com o conhecimento. Encontros que devem fortalecer os vínculos constituídos ao longo da vida entre a escola e seus alunos, no intuito de assegurar e garantir não só o acesso à escola, mas também a permanência e o sucesso em sala de aula. O que, por diversos fatores, nem sempre acontece, como é caso das interlocutoras desta pesquisa que, precocemente, abandonaram os bancos da escola.

As análises permitiram identificar que todas as alunas tiveram experiências escolares anteriores à prisão e que o abandono desta foi desencadeado por diversos fatores; entre eles, motivos financeiros, familiares, envolvimento com amigos ou com drogas ilícitas e, principalmente, a gravidez precoce. Tais determinantes foram encontrados nos depoimentos de todas as alunas, a exemplo, de Viana (2018) que foi enfática ao usar uma única palavra, “gravidez”, para esclarecer o fator decisivo que a fez deixar os estudos ainda na adolescência. Sendo este o mesmo motivo que causou a desistência de Farias (2018): “Minha filha. Eu engravidei e não teve como mais eu ir pra escola com ela” e de Salgado (2018):

Me casei muito cedo e depois eu fiquei viúva com filho pequeno. Fiquei viúva tinha 18 ano, aí com filho pequeno, aí aos 21 ano, eu já solteira, arrumei, fui mãe solteira, tenho uma filha que hoje tá com 16 ano, aí depois, eu não quis mais saber de filho, então eu comecei trabaiá, aprendi o ofício de padeiro. Aí comecei trabaiá, mas estudar não tinha como, por que eu tinha que trabaiá e cuidar dos meus filho, no caso, eu tinha um, aí o mais velho, quando eu fiquei viúva eu fiquei grávida né? Aí o mais velho a minha mãe cuidou dele, mas devido eu ter uma filha pequena, a Tamires, não tinha como eu trabalhar e estudar, aí eu morava em Goiânia, meus pais moravam no Tocantins. Aí eu tinha que só trabalhar, não tinha como estudar não. (SALGADO, 2018).

Salgado (2018) relata que um casamento precoce e uma gravidez não programada a afastou da escola, enquanto que a busca pelo sustento de sua filha a impediu de retomar os estudos. Já Santana (2018), afirma que os motivos que a fizeram abandonar o ambiente escolar foram “Má influência, farra, bebida, na época quando eu era nova eu bebia. E hoje eu sou arrependida de eu não ter estudado, que eu sei ler, mas não sei escrever. Eu leio tudo, mas na hora de escrever...(silêncio)”. Enquanto que as vozes de Melo (2018) e Silva (2018) lembram que a falta de interesse pelos estudos foi o principal motivo pela ruptura com a escola,

respectivamente: “É....eu desisti né? não quis estudar mais” e “Não pensava. Hummm...não pensava. Parei, saí do colégio e aí não voltei mais”.

Ao considerar que a maioria das mulheres em situação de prisão são oriundas de famílias de baixa renda, muitas vezes desestruturadas, infere-se dos relatos que os diversos causadores do abandono escolar estão relacionados direta ou indiretamente ao fator financeiro das alunas. Este é o mesmo entendimento encontrado por Ramos (2013), ao concluir que tanto o abandono como o descaso com o ambiente escolar estão intimamente ligados a uma concepção engessada de que as classes mais pobres “não têm direito” à escolarização nem à ascensão social.

Após esclarecer os fatos que causaram a ruptura com a escola do passado, vislumbrou- se conhecer os aspectos que levaram as alunas a se reencontrarem com os estudos na prisão. Onofre (2012, p. 53) afirma que a escola traz “a possibilidade de poder sair da cela, distrair a mente e ocupar seu tempo com coisas úteis”. Tal colocação confirma o que é narrado por Melo (2018) e Salgado (2018), respectivamente: “[...] quando eu venho pra aula, falo pra professora: Professora, não dá nem vontade de ir pra dentro, dá vontade de ficar aqui” e “É bom.... a aula é... menos um tempo lá dentro (Apontou em direção à carceragem com a cabeça). Nesse sentido, Oliveira (2017, p. 231) relata que “Ao serem atingidas pela saudade da família, dos filhos, ociosidade, depressão etc., as mulheres do cárcere têm na escola um meio, a priori, de ‘fuga da realidade’”.

Assertiva que vai ao encontro do que é posto por Melo (2018) e Salgado (2018), que veem nas aulas um meio de fuga da realidade em que estão inseridas, além de poderem construir novos conhecimentos, recuperar o tempo perdido e, de alguma forma, ter contato com o mundo exterior. A esse respeito, Leme (2007) destaca que a “cela de aula” pode ser tanto um lugar de aprendizagem, para uns, como um refúgio, para outros. Ou seja, as horas passadas dentro da escola podem ter significados diferentes para cada um de seus alunos, o que é confirmado nas falas das entrevistadas desta pesquisa.

A aluna Santana (2018), por outro lado, revela serem as professoras as responsáveis por seu retorno às aulas, conforme o excerto abaixo:

Incentivou foi as meninas também, aqui é muito bom, tô gostando dos estudos, as professoras e a direção são tudo muito bom, pessoal bom, a diretora. Eu não tenho que dizer dessa Unidade Prisional, né? Não pra mim ficar, porque quero ter minha liberdade. Mas eu tô desenvolvendo, tô lendo mais, tô dando conta já de escrever, já. As professora são muito boa, ensina a gente bem, têm paciência. (SANTANA, 2018). Ao eleger o trabalho das professoras como sendo o diferencial no seu aprendizado, a fala de Santana retoma o que foi discutido na seção desta dissertação, que deixa claro a necessidade de uma educação diferenciada, na qual professoras e alunas interajam numa relação

dialética de construção do conhecimento. Esta reflexão estabelece uma ponte tanto com as falas das professoras, anteriormente discutidas, quanto com as observações realizadas. Pois estas desvelam que as educadoras buscam desenvolver um trabalho mais próximo da realidade em que estão inseridas suas alunas, bem como das expectativas das estudantes no tocante à relação educação-prisão, somadas às perspectivas do futuro pós-prisão.

Em contrapartida, Silva (2018), Viana (2018) e Salgado (2018) afirmam, respectivamente, que a possibilidade de diminuição da pena é a principal incentivadora do retorno às aulas: “E por causa de remição. O colégio dá remição e com a remição a gente sai mais rápido” e “Ah...a gente dentro do presídio a gente faz curso mais pra remição, pra diminuir a pena, pra ir embora mais rápido” e

O que me voltou a estudar, não foi minha vontade de estudar. Porque... não tinha mais a vontade de voltar pra estudar. Aqui eu quis eu voltar pra estudar porque...tanto a diretora quanto as... moça que trabaiá aqui falava pra mim: “é bom, tem a remição, com a remição você vai embora mais rápido, é 3 por 1”. Então, esse foi o motivo de eu retornar a querer estudar. (SALGADO, 2018).

Sobre o processo de remição da pena, retoma-se a Lei nº. 12.433/2011, anteriormente discutida na terceira seção deste estudo, que menciona, em seu artigo nº 126, que parte do tempo de execução da sentença pode ser remida por meio do estudo. A referida lei preconiza que a cada doze horas de frequência escolar, divididas em no mínimo três dias, torna-se possível remir um dia de pena. Nesse contexto, é possível compreender por que a remição é indicada como o principal motivo para que três das seis alunas entrevistadas a coloquem como justificativa para o retorno às aulas.

Mesmo que muitos presos e presas tenham a remição da pena como incentivadora para regressar à escola, boa parte busca uma ocupação que torne o tempo na prisão menos ocioso, conforme elucida Scariot (2013), ao afirmar que o regresso à escola no ambiente prisional, para algumas alunas, representa a possibilidade de preencher o tempo vago. E respectivamente “melhorar de vida”, como é o caso da interlocutora Melo (2018), que vê a escola, no espaço prisional, como um lugar de distração da realidade em que está inserida: “A gente é... descansa mais a mente, a gente aprende, como eu não aprendia nada, agora tô aprendendo graças a Deus. Quando eu sair, vê se vou estudar de novo”. Somado ao desejo de concluir os estudos, mencionado por Farias (2018): “Eu sempre quis terminar meus estudos para... sair dessa vida. Vê se eu arrumo um emprego melhor pra mim continuar minha vida honesta”.

Nessa perspectiva, Oliveira (2017) enfatiza que, na tentativa de ocupar o tempo ocioso, amenizar a saudade da família, “fugir” do cárcere, ter contato com outras pessoas e, ainda, remir a pena, estes se tornam estímulos para que a interna volte a estudar na prisão. Nesse sentido, ao

retomarem os estudos, as alunas buscam superar os desafios propostos pelo ambiente carcerário, preencher a ociosidade e elevar seus níveis de escolaridade. Assertiva confirmada por Julião (2007), ao colocar que as políticas educativas desenvolvidas no ambiente prisional ostentam diferentes sentidos: ora ela representa um meio para a ressocialização do presidiário, ora trabalha na ocupação do tempo ocioso.

Ao refletirem sobre a construção de sentidos para as vivências em diferentes ambientes escolares, as mulheres estudantes desta pesquisa ponderaram sobre os encontros, os desencontros e os reencontros com a escola durante suas trajetórias escolares. As reflexões realizadas sobre seus percursos educacionais não se tratam de simples relatos de experiências, mas de lembranças vividas, momentos, decisões e experiências vivenciadas intramuros e fora deles.

No documento Luzes na escuridão: Narrativas no cárcere (páginas 118-122)