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2 ONDE VIVEM AS ATRIZES – FRONTEIRAS ENTRE VIDA PESSOAL E

2.4 JULIA VARLEY – CORRELAÇÕES ENTRE VOZ E PALAVRAS, CORPO E

2.4.2 Encontros entre os discursos e a prática

Conheci Julia Varley pela primeira vez em 2007, em decorrência de um seminário que o grupo de pesquisa do qual participo, ÀQIS – Núcleo de pesquisa sobre procedimentos cênicos - promoveu, para o qual vieram Julia Varley e Eugenio Barba.

Foi nesse momento que busquei, na página on-line do projeto encabeçado por Varley, informações que pudessem me ajudar a escrever na época meu trabalho de conclusão de curso, que tinha como foco aspectos feministas em produções brasileiras. O site do Magdalena Project, como eu já havia dito anteriormente, não possui nenhuma referência ao movimento feminista.

Outra coisa que também me pareceu estranha aconteceu durante a palestra de Barba, na antiga biblioteca desativada do centro de Artes, durante a qual Julia estava sentada ao lado esquerdo do diretor. Nesta posição a atriz ouvia o diretor falar das práticas do grupo em silêncio, até que eventualmente Barba a “convidava” a demonstrar alguma prática para exemplificar o que ele havia falado até então, sem que ela pronunciasse nenhum comentário. Como feminista, preocupada com o lugar da mulher, essa imagem me deixou confusa, sobretudo depois de ler um texto onde Julia comenta sobre uma cena que ela assistiu de video demonstração do Odin Teatret, onde Iben Nagel Rasmussen, vai se sentar silenciosamente aos pés do diretor Eugenio Barba logo após demonstrar uma série de exercícios70:

Do filme, mais que os exercícios, fiquei com a imagem final gravada na memória. Iben, depois de ter improvisado bastante com os exercícios, foi se agachar aos pés de Eugenio, enquanto ele falava e explicava. Aquele silêncio submisso me desconcertou tanto quanto a força misteriosa de Iben em seus exercícios, que me haviam fascinado. (VARLEY, 2010 p 41)

Por mais que se trate de uma menção rápida, a descrição é carregada de crítica, principalmente ao se utilizar de uma palavra tão forte como submissão em se tratando de uma relação de poder e gênero. Certamente me senti confusa quando li a crítica de Julia à cena com Iben, principalmente quando a cena que assisti naquela tarde na antiga biblioteca havia me deixado com a mesma sensação que a atriz descrevia em seu livro, um desconcerto que marca tanto quanto a desenvoltura da atriz. Porque ela não fala? Se é ela quem está fazendo, quero saber dela o que se passa, quero ouvir as explicações dela. Eram estes pensamentos que me seguiam.

Onde haveria de estar realmente a atriz e mulher Julia Varley? Seria apenas uma contradição? Ou se trataria de um amadurecimento, já que o texto havia sido escrito a partir da percepção de uma atriz que ainda não fazia parte do Odin Teatret e, assim, não estava dentro da cultura do grupo? É fato que Julia tem um diálogo de igual para igual com Eugenio Barba nos ensaios e no cotidiano do grupo em Holstebro, mas porque a manutenção do poder de fala de Barba quando fora do círculo do grupo? Estas questões existem desde aquele momento na biblioteca antiga, mas foram se intensificando com minha aproximação das publicações do grupo, tendo seu ápice na residência com eles e persistindo sem muitas respostas.

                                                                                                                         

Quando questionei Julia sobre a falta de referência, ou sequer a menção da palavra feminismo no site do Magdalena, ela respondeu que, apesar de se considerar feminista, acreditava que a menção direta ao movimento como algo que pudesse representar uma ligação oficial poderia “fechar portas” ou desestimular o envolvimento das mulheres com o grupo.

Esse argumento me pareceu estranho. Uma estratégia para estimular a participação no Projeto, dado que o mesmo, por sua forma e conteúdo, se materializa claramente como uma iniciativa feminista.

Foi com estas questões que cheguei ao grupo, e foi também com elas que entrei no camarim da atriz para entrevistá-la em Holstebro, um pequeno espaço com uma decoração composta por diferentes lembranças e objetos de países que visitou. É certo que a influência indiana é muito evidente e se destaca nas outras dezenas de objetos coloridos.

Em 2010, durante o festival Vértice Brasil71 (evento teatral feito por mulheres, que aconteceu em Florianópolis), vi uma Julia muito calma, sempre trajando batas, lenços coloridos e tecidos orientais. Costumava vê-la sentada em posição de lótus e imaginava um Buda mulher, uma mentora para todas aquelas quase cem mulheres que se apertavam nas diferentes atividades do festival.

Certamente a conversa que tive com a atriz na Dinamarca, em uma tarde depois dos ensaios do grupo, no pequeno quarto que é seu camarim, e tendo como paisagem a neve caindo lá fora, me fez mudar pensamentos, concepções. Mais do que isto, me impulsionou a fazer um esforço para compreender um momento bastante específico de uma atriz.

Foi assim que fui descobrindo outras facetas e formulando outros entendimentos, que me permitiram refletir sobre a perspectiva dessa atriz de teatro de grupo que aos cinquenta e oito anos tem uma experiência de força e determinação.

Interessante é que, ao conversar com Else Marie, que é uma atriz mais velha, não pude perceber esse deslocamento cronológico: a necessidade de considerar a diferença de idade. A sabedoria das palavras de Julia Varley proporcionaram um gosto diferente, mais duro, racional, compreensivo, diferente da intensidade de Else Marie. Na conversa com Julia a nostalgia era mais evidente, o gosto do tempo se fazia mais forte através das palavras da atriz. Mesmo que esta

                                                                                                                          71

 Evento bienal, que acontece em Florianópolis – Santa Catarina. Mais informações em: http://www.verticebrasil.net/  

nostalgia não fosse evidente, a clareza com que Julia falava explicando um tempo, uma vida passada, a compreensão do presente e suas configurações, evocavam naturalmente a nostalgia.

Essa rede de relações, desde a militância política, o “abandono” da vida na Itália pelo Teatro em Holstebro, a tomada de iniciativa em um grupo onde não era desejada, o encontro de si mesma na organização de um evento de mulheres, a necessidade de dosar certas posições e, porque não dizer, adaptar-se a um mundo que lhe exige mais discernimento. Estes são aspectos a serem analisados para se poder visualizar a atriz e como ela se constitui enquanto sujeito nesta organização hoje.

Durante a entrevista pude deslocar nossa conversa para estes questionamentos. Foi importante poder lhe questionar sobre o que exatamente ela acredita que tenha sido sua contribuição pessoal ao grupo. Interessante que Julia se refira ao aspecto vocal72 como sintoma de uma feminilidade abandonada no grupo, cujo resgate Julia considera parte importante de sua chegada,

Porque quando eu cheguei ao Odin, o grupo estava no período do trabalho de rua. Muito extrovertido, com muita força nas vozes e as mulheres eram muito masculinas. Iben, com essa voz, agora menos, mas quando eu cheguei, no Odin Teatret, Iben e Roberta tinham vozes muito extrovertidas, muito fortes, e a tendência era muito isso, que a mulher tinha de ser como homem, mas não tinha essas sutilezas, suavidade. E quando eu comecei a trabalhar para Talabot, todo esse processo com a voz, isso que a minha voz podia ser, suave, delicada, não ser forte. (não publicado).

É possível que neste comentário ela pareça desconsiderar femininas as vozes fortes das outras atrizes, mas esta claro que a atriz acredita que faltava uma dosagem entre vozes fortes e suaves. A respeito disto Iben fala em As mudas do passado,

Hoje quando trabalho com uma moça, ela começa sempre usando a voz o mais agudo possível. A mulher sempre aceita este estereótipo, que sua voz deve ser pequena, graciosa, fina. Mas detrás dessa doce jaula feminina está a força, outro universo de sons                                                                                                                          

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 Julia ainda cita que não só a voz, mas a presença e o corpo mais suave na criação de personagens leves e femininos foram importante participação sua. Ela liga estas mudanças ao fato de ter se encontrado com mulheres e optado por olhar para as mulheres de maneira mais intensa através do Magdalena project. Segundo ela isso foi determinante para esta transformação do grupo. Julia cita que “E acho que isso foi como fazer entrar outra força, que estranhamente tinha mais Torgeir no grupo, porque ele não era um homem com força, mas era mais suave, vulnerável. Então foi como resgatar uma força feminina suave no grupo.” (não publicado) no entanto, me interessa discutir especificamente o aspecto vocal nesta relação, principalmente quando estou falando de Julia Varley.

e de cores, profundo, mas congelado e submerso na escurdão. Descobrir a própria voz significa descobrir o próprio mundo interior, a própria alma. (não publicado)

É interessante o quanto a voz, enquanto sonoridade, pode representar simbolicamente em uma discussão como esta, já que a voz de Julia se tornou poderosa não só como técnica, mas simbolicamente se tornou fala e escrita posteriormente, mesmo sendo suave para os padrões do Odin e estereotípica de uma voz feminina. Seria a retomada de uma voz feminina por Julia o aspecto vocal de uma mulher que o grupo precisava? Seria esta postura menos forte e mais suave, mais “feminina”, que fez com que Julia se tornasse tão forte e “falante” quanto Barba? Seria este espaço para fala uma concessão de Barba ou uma tomada de poder de Julia? Poder de fala que antes não era evidente, não publicava livros com suas opiniões, não fazia parte da história.

Ao mesmo tempo que ambas sugerem a descoberta da voz de cada uma particularmente, fazem também uma relação com outros aspectos. Julia diz que não havia esta voz nas atrizes do Odin, não havia este registo, e Iben propõe que cair no estereótipo da voz aguda é mais recorrente do que encontrar sua voz quando é grave.

Novamente a provocação de Julia, e a resposta de Iben com o texto As mudas do passado, nos faz perceber tensões dentro do grupo. No entanto são tensões positivas, onde percebemos um cuidado por parte destas atrizes em rever, analisar e compartilhar visões sobre seu lugar dentro do grupo.

Tecnicamente Julia tem uma história de sofrimento e descoberta com sua voz. Já chegou a ficar rouca, afônica,

Era incapaz de conversar ao telefone ou com qualquer um sentado ao meu lado, no carro. Não conseguia ter volume a curta distância. Minha voz tremia, era introvertida e desafinada. Estava cheia de machucados e de limites: entre teatral e pessoal, nasal e gutural, cantada e falada. (2010 p 56)

Nestas condições Julia buscou ajuda em diferentes especialistas, mas “Não aceitei nenhuma dessas indicações e segui minha intuição” e empreendeu uma busca pessoal, foi neste período de tentativa que Julia desenvolveu seus próprios exercícios.

Alternava vibrações e pontos de apoio com M, N, Ñ, V, B, Z, e depois com R, BL, e BR. Pronunciava palavras inteiras, passando lentamente do ar ao som e à fala; variava o

máximo possível as tonalidade e cores, dizia frases comuns com o único objetivo de reconhecer minha voz anterior àquela que desenvolvi treinando para o palco.73 (2010 p 57)

Foram estes exercícios que trouxeram conhecimento de seu próprio aparato vocal e, segundo a atriz, capacidade de aceitar sua voz como era em sua particularidade. E foi durante uma viagem à Índia, cantando uma canção, que ela redescobriu sua própria voz “ Tremia ainda, mas isso não era importante. Era doce, não tinha necessidade de ser forte. Daquele momento em diante, começou a crescer.” (2010 p 57).

Hoje Julia tem três demonstrações de trabalho muito localizadas na voz: O tapete voador, O eco do Silêncio e O irmão morto. Elas trazem elementos de criação dos personagens e descobertas vocais.

Julia canta muitas vezes no novo espetáculo. Em dado momento Eugenio pediu que ela fizesse um vocalize para preencher o silêncio da cena, e o agudo que a atriz conseguia era quebrado, meio rouco, e mesmo assim trazia ao palco uma atmosfera calma, uma referência sonora que me lembrava um choro longínquo.

                                                                                                                          73

  E segue na descrição: “Bocejava, respirava sem pressa, suspirava, dava baforadas e bufava como um cavalo. Esforçava-me para sorrir, abrir os olhos e as narinas, para entender que minha voz é forçada quando decido gritar, mas não quando chamo alguém. Encontrei imagens e tarefas que me estimulavam a reagir, a fazer aflorar minhas possibilidades vocais, lutando contra a tentação de querer conseguir um determinado efeito, de querer fazer tipos particulares de voz, de querer atingir certo tom ou volume.” (2010 p 57)

2.5 ROBERTA CARRERI - DA TÉCNICA À PEDAGOGIA: TEATRO E MATERNIDADE COMO ESCOLHA PESSOAL

Em setembro de 2011, já de volta ao Brasil e à prática do teatro, eu e uma colega de cena esperávamos pelo ensaio de uma peça da qual participamos. Conversávamos sobre as diferentes percepções da necessidade da existência do feminismo na atualidade. Minha colega havia voltado recentemente de um encontro do Magdalena Project no México e, segundo ela, lá havia se dado conta do quanto o feminismo, mesmo aquele da primeira onda, que buscava os direitos básicos das mulheres, era necessário e fazia sentido no contexto das mulheres mexicanas.

Isso me causava estranheza, principalmente porque no Vértice Brasil - Festival de Teatro feito por mulheres -, realizado em Florianópolis em 2010 (uma ramificação do Magdalena Project), o teor feminista e político das discussões e performances parecia um pouco excessivo. No Vértice a política feminista parecia excessiva, tomando o lugar das discussões sobre o fazer teatral e suas implicações estéticas. Mas no México minha amiga havia se sentido extremamente oprimida pelos olhares masculinos ao andar nas ruas da capital mexicana, de uma maneira que já não sentia em Florianópolis. Ela percebeu o quanto as mulheres mexicanas ainda necessitavam falar de um ponto de vista político, feminista, e contextualmente sua idéia e sua prática se encontravam.

Este exemplo é típico na aplicação das teorias feministas, ou seja, o feminismo e suas “ondas” e variantes estão condicionadas à aplicação em determinado contexto. 74 Por essa tendência, de adaptar-se ao contexto e às variantes de determinada sociedade, é que os discursos muitas vezes perdem sentido em determinado lugar, mas estão totalmente ativos em outro. Mary Hawkesworth complementa que, seguindo a visão do feminismo enquanto práxis, segundo a visão de Patrícia Misciagno,

Contrariamente à noção de mobilização feminista concebida como movimento social, que postula a existência de líderes formadores de consciência e motivadores de indivíduos à ação, a noção de práxis sugere que o feminismo surge autonomamente dentro dos indivíduos na medida em que estes lutam com as contradições em suas vidas. (1999 p 751)

                                                                                                                         

74 É fato que o feminismo sempre esteve se adaptando às necessidades, e por isso tem evoluído tanto enquanto teoria.

É isso que faz com que muito teóricos se debrucem somente em analisar as diferentes vertentes que compõem não só a história do feminismo, mas seu pensamento hoje.

Segundo este pensamento, o movimento não estaria ligado somente ao conjunto das manifestações, mas se localizaria em cada indivíduo que busca conhecimento sobre este tema,

A concepção do feminismo como práxis, também enfatiza que se tornar uma feminista é um processo complexo que se desenvolve com o tempo e envolve mudanças de autoconhecimento, comportamento, modos de vestir e de postura, relações com os amigos e amantes, assim, como mudanças em mundos materiais e sociais. O modelo de práxis do feminismo insiste em que o feminismo nunca é fixo ou estático. Neste sentido o feminismo nunca é um projeto terminado; cresce e muda com as condições mutantes da opressão das mulheres. (1999 p 751)

A prática teatral não deixa de se adaptar a estes contextos. Certamente o teor político que minha colega detectou nas performances das atrizes mexicanas, em uma performance brasileira estaria deslocado, principalmente em uma capital do sul do Brasil, onde provavelmente as reivindicações das mulheres estão diferentes do contexto mexicano.

O olhar feminista destes últimos sessenta anos consequentemente atingiu também as mulheres do teatro. Talvez este espaço crítico, proporcionado pelo fazer teatral paralelamente ao avanço do pensamento sobre a mulher, tenha possibilitado a estas mulheres articularem suas vidas de acordo com as escolhas de cada uma delas.

A aplicação do feminismo em diferentes contextos flexibiliza a maneira de olhar para determinados assuntos. O contexto europeu, por exemplo, é provavelmente diferente do contexto brasileiro ainda hoje quando se trata das conquistas feministas. Foi no contexto europeu que cresceu a atriz do Odin Teatret Roberta Carreri, nascida em Milão, cidade em que viveu até decidir mudar para o Odin Teatret em 1974. Segundo ela, nasceu em um país já bastante diferente da imagem de uma Itália católica patriarcal e opressora,

The Italy that I come from is not the one of women isolated at home. It is not the Catolic Italy that rejects premarital relationships or abortion. In my Italy women studied, worked outside of the home, and stood side by side with their men in the political struggles. We could live alone and be respected. With that Italy I still feel in synchrony.

75 (2007 p 154).

                                                                                                                         

75 A Itália de onde eu venho não é a das mulheres isoladas em casa. Não é a Itália Católica que rejeita as relações

pré-matrimoniais ou o aborto. As mulheres da minha Itália estudaram, trabalharam fora de casa, e ficaram lado a lado com os seus homens nas lutas políticas. Podíamos viver sozinhas e ser respeitadas. Com esta Itália eu ainda me sinto em sincronia. (tradução nossa).

Este ambiente proporcionou uma infância longe dos estereótipos de gênero. Roberta conta que era confundida com os meninos na rua quando brincava, cabelos curtos e traquinagens marcaram sua formação, onde ser menina não implicava em se comportar de determinada maneira previamente estabelecida. Seu pai projetava na menina Roberta um futuro de aprendizagem de diversas línguas e viagens pelo mundo.

Mais tarde se tornou estudante de história da arte em Milão. Mudou-se para o Odin Teatret depois de ver uma apresentação do grupo que lhe fascinou, “Piangevo per l’emozione che mi aveva provocato la vista di tanta forza, di tanta bellezza, di tanta vita in quei sette corpi splendenti.”76 (2007 p 21). Esta força recordava sua infância, onde não haviam diferenças entre meninos e meninas, onde ela se sentia livre e igual a todos que a cercavam,

[...] scorrazzavo sul marciapiede con una banda di bambini della mia età, e dove le regole dell'onore e della lealtà erano fisiche. Tu eri quello che facevi. Le sassaiole, le corse a perdifiato, le pisciate in piedi contro i muri, tutti insieme (anch'io che ero l'unica femmina, ma che con i miei pantaloncini e i cappelli corti non mi sentivo affato diversa dagli altri)77.(2007 p 21)

Havia uma relação entre o que viveu na infância e o que o grupo representava. Aparentemente um espaço de liberdade, democrático e aberto. Ao mesmo tempo que lhe fascinava a transformação dos corpos nos espetáculos, o que lhe fez comentar com Eugenio Barba o desejo de escrever sobre este corpo um texto intitulado “Dal corpo come statua al corpo come musica”78 (2007 p 20), mas Eugenio Barba lhe disse que, para conhecer o trabalho do grupo, era necessário participar da criação de um espetáculo. Depois de combinar com Iben sobre o melhor momento de ir à Dinamarca, viajou para Holstebro pagando as despesas com um dinheiro que reservava para a necessidade de pagar um aborto, o que, segundo ela, naquela época só era possível na Inglaterra, “Usai invece i soldi che avevo messo da parte per un eventuale aborto che, a quei tempi, si faceva in Inghilterra.”79 (2007 p 24).

                                                                                                                         

76 Eu chorei com a emoção que me havia causado a visão de tanta força, tanta beleza, tanta vida nesses sete corpos

brilhantes. (tradução nossa).

77

Corria na calçada com um grupo de garotos da minha idade, e onde as regras de honra e lealdade eram físicos. Você era o que estava fazendo. O arremesso de pedras, correr em velocidade vertiginosa, o xixi de pé contra as paredes, todos juntos (eu era a única mulher, mas com meus shorts curtos e chapéus eu não me sentia diferente dos