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4 – TRAJETÓRIA INSTITUCIONAL

7. Encurtando as fronteiras

As observações participantes foram realizadas em dois períodos distintos da pesquisa: um no final de 2013 e o outro de Novembro à Dezembro de 2014. A primeira intervenção realizada em 2013 resumiu-se num trabalho de campo que durou uma semana com o objetivo de informar à algumas pessoas da escola o caráter da pesquisa além de sondar algumas informações sobre o histórico da instituição e dinâmica de funcionamento. Esta etapa caracterizou-se por uma intervenção experimental.

A segunda intervenção realizou-se em 2014 nos meses de Novembro e Dezembro. Ao todo foram 10 visitas in loco totalizando cerca de 54 horas de observação. Além destas foram realizadas 8 entrevistas e 1 grupo focal.

As observações visaram principalmente transpor o olhar do pesquisador para um viés mais experiencial. Tentou-se no diário de campo captar o clima escolar e suas implicações nos processos pedagógicos de convivência, aprendizagem e interiorização de discursos. As observações foram realizadas dentro das próprias salas de aulas, laboratórios, reuniões de conselho de classe, reuniões de formação de professores, sala dos professores, direção, refeitório e espaços de sociabilidade (ver fotos em anexo II).

O estranhamento inicial entre pesquisador e os sujeitos foi reciproco. Com o passar do tempo meu acesso e convivência na instituição aproximaram-se cada vez mais da rotina diária da escola. No início minha presença era visivelmente mais estranhada pelos professores do que pelos alunos.

Um fato interessante que pude perceber é que quando se fala em avaliação de programas muitos profissionais da educação recebem esta informação com receio e incredulidade. É muito provável que ainda façam uma articulação entre a ideia de avaliação com o monitoramento. Alguns profissionais chegaram a me perguntar se eu estava representando a Secretaria de Educação.

Desfeito tais equívocos a relação com os demais tendeu a se aproximar da rotina banal, exceto pelo fato de que a maioria sabia que eu estava alí como observador e professor pesquisador.

Não há naturalidade total nos gestos e nem nos discursos por mais que enquanto pesquisador nos esforcemos para ser imperceptíveis. Não há neutralidade em se fazer pesquisa. Por vezes em campo me vi falando sutilmente através dos meus gestos, maneiras de falar e mesmo de se vestir. Notei que para “não ser percebido” tinha que procurar neutralizar meu sistema de crenças e símbolos. Algumas vezes essa tentativa não tinha êxito, outras sim.

Nas primeiras observações em sala, ou seja junto do corpo de alunos percebi que existe uma questão central a ser considerada em qualquer trabalho de avaliação no âmbito de uma escola: os jovens são bastante ansiosos e na maioria das vezes agitados. Em quase todas as aulas que entrei os professores levavam tempo considerável para “acalmar” o ânimo dos estudantes.

O jovem é espontâneo, pensa e se comunica com uma linguagem própria, sustenta signos e valores os mais diversificados possíveis. Talvez seja impossível compreender com êxito a origem e a natureza destes comportamentos analisando um caso particular situado numa realidade particular. Contudo é possível fazer entre estas categorizações analogias e comparações, na medida em que se levam em considerações categorias mais amplas que repercutem na vida destes sujeitos tais como a família, o trabalho, a formação e a educação.

A construção da identidade destes jovens passa pela apropriação de símbolos de seus grupos sociais, sendo que a esfera do consumo se caracteriza como eixo definidor de seus projetos de vida tendo em mente que o trabalho na contemporaneidade assume feição de atividade ocupacional estranha a vida, de onde o tempo gasto é transformado em mercadorias com valor de troca e não mais como valor de uso. (ARAÚJO, 2005).

Muitos estudantes mostraram-se cansados devido à rotina da escola ou dispersos em relação aos conteúdos trabalhados, nos dois casos a impressão para quem observa é de certa indiferença em relação à aula. Porém esta atitude precisa ser posta no contexto da instituição escolar em seu modelo atual.

Em algumas turmas presenciei apresentações de trabalhos em grupo onde apesar do improviso de alguns a maioria se saiu bem. Em todas as aulas que observei o professor atua como mediador principal dos conflitos e dialoga constantemente com os estudantes. A impressão que se passa é que alunos e professores se conhecem muito bem e que certos aspectos da vida pessoal de ambos acabam se misturando no espaço da escola.

Em uma aula específica uma questão chamou-me atenção. Uma professora ressaltava a importância dos alunos tirarem boas notas no SPAECE (avaliação externa), utilizando o argumento de que boas notas nessa avaliação trariam mais recursos para a escola além da premiação individual. Nesse momento um aluno comenta de forma espontânea que a escola não devia preparar somente um grupo específico de alunos para a avaliação externa. Esse fato me fez indagar mais sobre a dinâmica do SPAECE na escola.

A hora do intervalo de almoço é destacadamente a hora mais apreciada por todos. Após as refeições muitos estudantes utilizam os espaços do prédio para um descanso precário. Os poucos lugares à sombra e com boa ventilação são muito disputados. Formam-se filas nos banheiros para se tomar banho. Alguns dirigem-se à quadra de esportes, outros aproveitam o tempo para namorar e parcela considerável adere aos estudos nesse horário. Outro fato de destaque é que esse tempo é frequentemente utilizado para a conclusão de projetos desenvolvidos por alunos e professores: ensaios e pesquisas são os mais comuns.

Ao visitar o laboratório de modelagem percebi a ausência de uma ventilação apropriada. Nesse momento apenas parte da turma estava na aula prática. O espaço não era apropriado para receber toda a turma e o calor potencializava isto. Alguns alunos demonstravam conhecimento em costura outros apenas assistiam ao trabalho, e outros cortavam tecidos auxiliando a professora. Não haviam materiais suficientes para a classe. Ao indagar os alunos sobre essa situação alguns responderam que escola não recebe o recurso suficiente e que os materiais só vêm a partir dos resultados no SPAECE.

Presenciei também uma reunião de professores da área de linguagens e códigos onde se discutiam as finalidades do currículo escolar e suas possíveis adequações. O grupo mostrou-se bastante participativo na discussão e foi possível perceber que cada profissional defendia seus pressupostos sobre o assunto baseados na experiência cotidiana. A reunião fazia parte da formação do Pacto Nacional Pelo Ensino Médio e era coordenada por um professor da própria escola.

Ao fim das observações realizei um grupo focal com estudantes das turmas observadas. Ao elencar alguns nomes pedi que os próprios professores me indicassem possíveis pessoas para participar deste experimento. Ao todo foram dez estudantes. Cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Metade cursava o terceiro ano e era da turma de informática, a outra metade cursava o primeiro ano na turma de modelagem. O objetivo do grupo focal era captar as impressões e sentidos que eles haviam construído acerca do mundo profissional além de outros significados construídos na rotina da escola. Dessa forma o grupo de alunos do terceiro ano demonstraram opiniões mais amadurecidas em relação aos temas propostos. A seguir tem-se a transcrição do grupo focal, com algumas pequenas omissões, os nomes de todos os participantes foram alterados. O experimento ocorreu em um dos laboratórios de informática com as portas fechadas.

O grupo focal mostrou-se apropriado para captar macrovisões e sentidos construídos coletivamente e individualmente acerca da escola. Ele foi pensado na forma de trazer as principais ideias dos sujeitos sobre algumas temáticas relevantes. Nele cada individuo, não obrigatoriamente falou o que pensava sobre cada macro temática. As temáticas foram: Bairro, Professores, Estrutura da escola, Futuro profissional, Empreendedorismo, Universidade, SPAECE, Laboratórios, Almoço, Disciplina Autonomia e Gestão. Os alunos mostraram-se bastante participativos e empolgados com a possibilidade de expressar suas visões. Apesar do clima descontraído todos levaram a serio os questionamentos e mostraram preocupação em não serem injustos em algum julgamento ou juízo de valor.

As a falas a seguir em negrito são do pesquisador ou documentador, as em itálico representam partes que foram destacadas para análise posterior:

GRUPO FOCAL – TRANSCRIÇÃO

D: bom dia pessoal gostaria de agradecer a disposição de todos vocês e explicar que isto