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2.2 Reparo do DNA

2.2.1 Via de reparo por excisão de base

2.2.1.1 Endonuclease apúrica ou apirimídica (AP)

O DNA está sendo continuamente danificado pela ação de metabólitos internos e externos. Os sítios AP estão entre os mais abundantes danos ao DNA; eles podem emergir devido à hidrólise espontânea da ligação N-glicosídica e durante a remoção das bases danificadas do DNA pelas glicosilases de DNA, que clivam a ligação entre a base alvo e a desoxirribose. Em processos normais, cerca de 10.000 locais AP emergem diariamente nas células de mamíferos, principalmente devido à apurinização do DNA (DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016; WHITAKER et al., 2017).

Como visto anteriormente, a ausência de base de codificação no molde de DNA pode resultar no bloqueio das DNA e RNA polimerases, bem como em substituição, deleção e/ou inserção de nucleotídeo único, se o mecanismo de síntese de DNA estiver envolvido (DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016). Em última instância, os sítios AP sofrem reatividade química, levando a ligações cruzadas DNA-proteína e DNA-DNA, e a quebras na molécula de DNA. Todos esses fatores tornam esse tipo de dano altamente mutagênico, citotóxico e indutor de apoptose (DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016). O reparo de sítios AP é, dessa forma, um dos mecanismos globais para manter a estabilidade do genoma, e as endonucleases AP são as enzimas mais importantes envolvidas no reparo desse DNA (DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016).

A proteína AP é uma proteína multifuncional, pertencente a duas classes principais de endonucleases AP: aquelas que clivam o resíduo abásico 3’ (classe I) e aquelas que clivam o resíduo 5’ (classe II) (LI; WILSON, 2014). Originalmente, APE1 humana, também conhecida como fator efetor redox 1 (do inglês, redox effector factor 1 [REF-1]), compartilha homologia de sequências com a exonuclease III (xth) da Escherichia coli, embora abrigue uma região N- terminal única. A APE1 exerce função de exonuclease, atividade enzimática, endonuclease, fosfodiesterase, fosfatase, reguladora transcricional, além de ser constituinte do fator efetor da oxirredução (LI; WILSON, 2014; DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016). A outra classe das endonucleases AP, a APE2, têm atividade de excisão do dano 3’ fraca e sua função como uma enzima de reparo do DNA permanece em questão (LI; WILSON, 2014). Suscita- se, dessa forma, que mais de 95% da clivagem dos sítios AP seja realizada pela APE1, que gera uma ruptura simples nas porções 3’-hidroxil do DNA, deixando para trás os terminais 3'– hidroxilo e 5’-desoxirribose livres (LI; WILSON, 2014; DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016).

O gene humano APE1 é composto por cinco éxons, com aproximadamente 2,5 a 3 quilobases (kb) de DNA, localizado no cromossomo 14q11.2, que codifica uma proteína de 318 aminoácidos. A APE1 é expressa ubiquamente em todos os tipos de célula e tecidos humanos. Diz-se que os componentes pertencentes a família da exonuclease III foram conservados ao longo da evolução e estão presentes em muitos organismos, o que permite suscitar um papel biológico crítico exercido por essas proteínas (LI; WILSON, 2014). A atividade da APE1 reside em seus domínios constituintes; no domínio C terminal, é onde reside a atividade de endonuclease de reparo de DNA, enquanto no domínio N terminal reside a porção de controle redox dessa proteína (EVANS; LIMP-FOSTER; KELLEY, 2000).

Figura 2 - Representação dos domínios estruturais e funcionais da APE1.

Fonte: Tell et al. (2009).

A APE1 está localizada no núcleo, citoplasma ou mitocôndria, exercendo funções distintas nessas localidades. A regulação pós-traducional parece influenciar a estabilidade, a interação e a distribuição intracelular da APE1 (THAKUR et al., 2014). A APE1 é predominantemente expressa no núcleo, onde exerce, em última instância, a função de reparo do DNA, sendo um agente central e coordenador da atividade de outras proteínas de reparo da via BER (THAKUR et al., 2014; DYRKHEEVA; LEBEDEVA; LAVRIK, 2016). A atividade de reparo da APE1 é dependente de cátions divalente (Mg2+ e Mn2+) e da presença de aminoácidos, mais especificamente aspartato, histidina e glutamato, para reação hidrolítica e catalítica com os sítios AP (LI; WILSON, 2014). No citoplasma, a APE1 funciona como mediadora de reparo do DNA mitocondrial (DNAmt) e como fator de oxidorredução, favorecendo o estado ativo reduzido de fatores transcricionais (TELL et al., 2005; FISHEL; KELLEY, 2007; LAEV; SALAKHUTDINOV; LAVRIK, 2017). Curiosamente, a expressão citoplasmática é comumente vista em células com potencial proliferativo e metabólico alto (TELL et al., 2005; THAKUR et al., 2014). Demonstrou-se que a APE1 participa da regulação de genes humanos relacionados ou não ao estresse oxidativo, como o NF-ĸB, Hif- 1α, Nrf1, p53, c-MYC, Pax5 e 8, que já foram relacionados à resposta oncogênica, proto- oncogênica, genotóxica e a progressão inflamatória e metastática (JAYARAMAN et al., 1997; EVANS; LIMP-FOSTER; KELLEY, 2000; ANTONIALI; MALFATTI; TELL, 2017). Além disso, mais recentemente, a APE1 foi implicada na quimiorresistência pela sua

capacidade de estimular genes de resistência a múltiplas drogas (do inglês, multidrug resistance gene [MDR]) (SENGUPTA et al., 2011).

Existe uma associação conhecida entre as mutações, o reparo do dano ao DNA e o câncer, que é comumente demonstrada em algumas síndromes humanas que carregam defeitos em vias de reparo do DNA e são mais propensas ao desenvolvimento de neoplasias, como o XP, a ataxia-telangiectasia (AT) e a anemia de Fanconi (FA) (MORAES; CABRAL NETO; MENCK, 2012). Whitaker et al. (2017) destacam que a manutenção do reparo por excisão altamente funcional depende da abundância de proteínas funcionais e do equilíbrio entre essas proteínas. Em uma metanálise de estudos observacionais, o polimorfismo de genes da via BER demonstrou efeito protetor e de risco ao desenvolvimento de câncer de mama, em especial relacionado ao gene XRCC1 (RS25487) e APE1 (rs1760944), respectivamente (QIAO et al., 2018). Um aumento da suscetibilidade à adenocarcinoma já foi demonstrada em função do polimorfismo no gene da APE1, destacando-se o câncer gastrointestinal (DAI et al., 2015) e o carcinoma hepatocelular (YANG; ZHAO, 2015).

A regulação positiva da APE1 parece ter relevância biológica tanto para o reparo do DNA quanto para as funções de oxidorredução. Quanto a isso, diz-se que o estímulo indutor da APE1 é capaz de promover o seu movimento intracelular e, consequentemente, a sua função (TELL et al., 2005). Investigações sugerem que a superexpressão da APE1 se relaciona com o prognóstico de neoplasias, como com a tumores de alto grau (AL-ATTAR et al., 2010; BOBOLA et al., 2001), redução do tempo de sobrevida (WANG; LUO; KELLEY, 2004; WOO et al., 2014), estágio clínico avançado (KUMAR et al., 2018), metástase regional (KUMAR et al., 2018), recorrência (JUHNKE et al., 2017) e resistência a medicamentos (LOU et al., 2014), enquanto que a sua redução melhora a sensibilidade à quimioterapia e à radiação (WANG; LUO; KELLEY, 2004). No contexto das neoplasias de glândula salivar, a atividade da APE1 também já foi verificada em adenomas pleomórficos e CaexAP, demonstrando positividade em todos os casos analisados, com alta expressão nuclear no CaexAP (SILVA et al., 2017).

O interesse me torno da multifuncionalidade da APE1 suscitou a emergência de mecanismos modulatórios de suas funções. Como a APE1 tem domínios funcionais aparentemente independentes, diferentes inibidores são direcionados para os seus sítios ativos, como a metoxiamina, inibidora da atividade da endonuclease AP localizada no domínio C terminal, e o APX3330 (também denominado E3330) e resveratrol, direcionado à porção N terminal e, consequentemente, a inibição da atividade redox dessa proteína (THAKUR et al., 2014; LAEV; SALAKHUTDINOV; LAVRIK, 2017). A utilização de APX3330, por

exemplo, atenuou a proliferação das células neoplásicas, em culturas tridimensionais e in vivo, de câncer de bexiga (FISHEL et al., 2019), de próstata (McILWAIN et al., 2018) e pancreático (CARDOSO et al., 2012).

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