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2.2 Reparo do DNA

2.2.2 Via de reparo por excisão de nucleotídeo

A via NER é o mecanismo que pode corrigir uma lesão causada por praticamente qualquer alteração volumosa na estrutura da dupla-hélice de DNA. Essa via costuma reparar o DNA danificado por ligação covalente de bases do DNA aos hidrocarbonetos (como o carcinógeno benzopireno, encontrado na fumaça do tabaco, alcatrão e exaustão do diesel), dímeros de pirimidina (T-T, T-C e C-C), que são as principais lesões induzidas por radiação UV e numerosos aditivos químicos; ligações cruzadas de DNA causados por drogas como cisplatina; e ciclopurinas geradas por ERO (MARTEIJN et al., 2014; MANANDHAR; BOULWARE; WOOD, 2015; ALBERTS et al., 2017).

Um ponto crucial para qualquer processo de reparo é o reconhecimento do dano. Na via NER, um complexo multienzimático verifica o DNA a procura de distorções na dupla- hélice (isto é, emparelhamentos de bases alteradas), responsáveis pelo reparo do genoma global (no inglês, global genome repair ou GGR), e pelo reparo de interrupções no alongamento transcricional, relacionado ao reparo acoplado à transcrição (no inglês, transcription-coupled NER ou TCR) (MARTEIJN et al., 2014; ALBERTS et al., 2017).

O conhecimento em torno da via NER teve impulso com o estabelecimento de modelos de estudo a partir do Xeroderma pigmentoso (XP) e da Síndrome de Cockayne (SC; no inglês CS), cujo genótipo carrega deficiências no sistema de reparo por excisão de nucleotídeo. As proteínas XP, que correspondem a sete unidades de proteínas (XPA-XPG), foram nomeadas de acordo com o XP, enquanto as proteínas CS, que correspondem a duas unidades de proteínas (CSA e CSB), foram nomeadas de acordo com a SC (CURTIN, 2012; MARTEIJN et al., 2014; CLEAVER; LAM; REVET, 2009).

Os passos básicos da reparação pela via NER envolvem as seguinte etapas: (i) reconhecimento do dano; (ii) incisões duplas envolvendo a lesão, em geral um oligômero de 26-27-nucleotídeos; (iii) liberação do oligômero excisado; (iv) síntese da sequência para preencher a lacuna; e (v) ligadura da sequência na fita de DNA (HU et al., 2017). No GGR, o processo de iniciação da via NER envolve as proteínas XP, que se ligam a lacuna de DNA de fita simples (ssDNA) causado por pareamento de base interrompido. Mais especificamente, a proteína XPC, em conjunto com as proteínas RAD23 homólogo B (RAD23B) e centrina 2 (CETN2), sonda constantemente o DNA em busca de distorções na dupla-hélice. O

reconhecimento do ssDNA anormal é auxiliado pela proteína de ligação ao DNA (DDB) e, após o reconhecimento, a proteína RAD23B se dissocia do complexo. Já na TCR, o processo de iniciação se dá indiretamente pelo reconhecimento do dano durante o alongamento do transcrito pelo bloqueio da RNA polimerase II (RNA Pol II) em uma lesão (FIGURA 4) (MARTEIJN et al., 2014).

Após o reconhecimento do dano, o complexo do fator de iniciação da transcrição IIH (TFIIH) é recrutado para a lesão tanto no GGR como no TCR. A atividade da helicase do TFIIH abre e desenrola a dupla hélice em torno da lesão, por meio da atividade da subunidade helicase XPD com a ajuda da atividade ATPase das subunidades XPB e XPA, que se ligam aos nucleotídeos de cadeia simples quimicamente alterados. A atividade do heterodímero XPF-ERCC1 cliva a porção 5’ do filamento danificado, enquanto a XPG cliva a porção 3’, removendo a porção lesionada com 22 a 30 nucleotídeos (MARTEIJN et al., 2014). Finalmente, o antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) recruta a DNA polimerase δ, κ ou ε para síntese de DNA, que é introduzido na cadeia pela atividade da DNA-ligase (FIGURA 2) (MARTEIJN et al., 2014; ALBERTS et al., 2017).

2.2.2.1 Fator de complementação f do xeroderma pigmentoso (XPF)

A proteína do xeroderma pigmentoso fator de complementação F (ou simplesmente XPF) é produto do gene ERCC4, que é defeituoso no grupo de complementação F no xeroderma pigmentoso – por isso, o nome XPF. Sabe-se que a atividade da XPF é executada em conjunto com a proteína ERCC1, cujo complexo heterodímero tem atividade de 5’- endonuclease de fita de DNA (MANANDHAR; BOULWARE; WOOD, 2015; DEHÉ; GAILLARD, 2017; FARIDOUNNIA; FOLKERS; BOELENS, 2018). O XPF contém a atividade catalítica, enquanto o ERCC1 é necessário para a ligação ao DNA (FERRI; ORIOLI; BOTTA, 2020).

A proteína XPF é codificada pelo gene ERCC4, localizado no cromossomo humano 16p13.12 e consiste em 11 éxons com cerca de 28,2 kb (BROOKMAN et al., 1996; FISHER et al., 2011; MANANDHAR; BOULWARE; WOOD, 2015). A proteína XPF codificada compreende de 916 aminoácidos, com uma massa molecular de 104.000 Da (MANANDHAR; BOULWARE; WOOD, 2015). Durante o reparo pela via NER, o complexo ERCC1-XPF atua em cooperação com a 3’-endonuclease XPG para realizar uma incisão dupla do DNA contendo a lesão. Essa remoção faz com que o complexo ERCC1-XPF forneça uma extremidade livre de 3'-OH para que a polimerase inicie a síntese e substitua o fragmento

de DNA excisado, contribuindo com a manutenção da integridade do DNA (McNEIL; MELTON, 2012; FERRI; ORIOLI; BOTTA, 2019). Além da função de endonuclease, o complexo ERCC1-XPF participa do reparo do dano oxidativo pela via BER, do reparo de quebra de fita dupla e da regulação do comprimento dos telômeros (FERRI; ORIOLI; BOTTA, 2020).

A proteína XPF é constitutivamente expressa no núcleo celular de tecidos normais e se organiza com outras proteínas no núcleo após a ocorrência de danos no DNA (AHMAD et al., 2010; XXX). AHMAD et al. (2010) identificaram que a expressão de XPF exclusivamente no núcleo de fibroblastos normais e no citoplasma e/ou no núcleo/citoplasma de células mutadas para XPF, sugerindo, portanto, que a localização incorreta de XPF no citoplasma é uma consequência comum da mutação no gene ERCC4 (AHMAD et al., 2010).

O polimorfismo no gene da XPF (rs316028) já foi visto em associação ao aumento do risco de câncer de pulmão (LAWANIA et al., 2018). Similarmente, a alta expressão de XPF foi associada à falha clínico, ou seja, a recorrência (VAEZI et al., 2011), e a menor resposta à quimioterapia (SEIWERT et al., 2014), em carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. Adicionalmente, Qiu et al. (2014) verificaram, por meio de reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR), que a expressão do RNAm do gene ERCC4 era significativamente mais baixa nos tecidos de câncer de bexiga com recorrência e com menor tempo livre de doença em comparação com aqueles sem recorrência e com maior tempo livre de doença.

Contrariamente, a alta expressão de XPF (ERCC4) indicou impacto favorável à sobrevida global dos pacientes do sexo masculino em câncer colorretal (LIU et al., 2018), bem como na sobrevida livre de doença em paciente com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço (PROCHNOW et al., 2019). Curiosamente, a deficiência na via NER confere sensibilidade à terapia com agente de platina, o que reflete uma capacidade reduzida de reparar as ligações cruzadas intra e intercadeia de DNA (CURTIN, 2012). Atualmente, não há inibidores de pequenas moléculas de NER, embora a ciclosporina e o cetuximabe possam regular negativamente a expressão de XPG e ERCC1-XPF, respectivamente (CURTIN, 2012).

Figura 4 - Modelo molecular geral do mecanismo da via NER em humanos. Reparo no genoma global (GG-NER) e reparo acoplado à transcrição (TC-NER).

3 PROPOSIÇÃO

Este trabalho teve como objetivo analisar a imunoexpressão das proteínas APE1, XRCC1 e XPF em quatro tipos de TMGS (CCA, AcP, CAC e CME), assim como investigar possíveis associações entre os resultados obtidos e os parâmetros clinico-patológicos dos tumores, incluindo estadiamento clínico TNM, taxa de recidiva e sobrevida dos pacientes.

4 MATERIAIS E MÉTODOS

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