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Enfrentamento da doença e do tratamento

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.3. Enfrentamento da doença e do tratamento

Dentre as categorias identificadas na análise estrutural da narração, emergem representações referentes ao enfrentamento da aids e do tratamento, tendo, como centro, a

idéia de que a aids exige e propicia mudanças no cotidiano, idéia circundada por outros elementos periféricos, conforme apresentado na. FIG. 3.

A LIBIDO MUDA, DEVIDO À DOENÇA E AO TRATAMENTO, MESMO QUE NÃO SE SAIBA DIREITO O MOTIVO.

ABSTINÊNCIA

A IMPORTÂNCIA DO SEXO NA VIDA DA PESSOA INFECTADA É OUTRA

SEXO É SINAL DE SAÚDE E DE MASCULINIDADE O NORMAL É A GENTE TER DESEJO SEXUAL DEUS É QUE DÁ FORÇAS PARA CONTINUAR VIVO

PENSAR POSITIVO PARA ESPANTAR O MAL: rir é o melhor remédio para a saúde, pensar só em viver para viver bem

A RELIGIÃO AJUDA A MELHORAR A SAÚDE A GENTE TEM SEMPRE QUE AGRADECER A DEUS

A ORAÇÃO É UM CONFORTO PARA SUPORTAR A DOENÇA E O TRATAMENTO

SEM A FÉ NINGUÉM PODE NADA, NÃO SOBREVIVE. TER AIDS É TER MEDO CONSTANTE DO FUTURO TER AIDS É UMA CHANCE DE REFAZER A VIDA

FAZ APROVEITAR MAIS A VIDA, PORQUE A GENTE NÃO SABE O DIA DE AMANHÃ, NÃO É?

A GENTE MUDA PORQUE TEM MAIS SOFRIMENTO VOCÊ DÁ MAIS VALOR À SAÚDE QUANDO VOCÊ PERDE

SER INFECTADO MUDA SUA DISPONIBILIDADE PARA OS OUTROS A GENTE FICA MAIS HUMANO, MENOS EGOCÊNTRICO, MAIS LIGADO NOS OUTROS

PARA PRORROGAR A VIDA, TEM QUE SE CUIDAR E NÃO ABUSAR TRATAR HIV COMO AMIGO, POIS INIMIGO MACHUCA

DE QUALQUER MANEIRA NINGUÉM MORRE ANTES DA HORA, A GENTE TEM QUE IR LEVANDO

A AIDS EXIGE E PROPICIA

MUDANÇAS NO COTIDIANO

TODO MUNDO QUE TEM UMA PATOLOGIA POTENCIALMENTE GRAVE DEVE SER ASSIM, PROCURA MELHORAR A VIDA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DOS MEDICAMENTOS É UMA SORTE E MOTIVO DE GRATIDÃO AO ESTADO

SER INFECTADO PELO HIV É MINHA CULPA – O TRATAMENTO RECEBIDO É MAIS DO QUE MEREÇO

TRATAMENTO

ATENDIMENTO DOS PROFISSIONAIS - SE SOU BEM TRATADO, TENHO OBRIGAÇÃO DE RETRIBUIR – NORMAS

A CURA DA DOENÇA VEM DE DEUS A CURA VIRÁ POR MEIO DE UMA VACINA

A CURA DEPENDE DE INTERESSES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

ENFRENTAMENTO DA DOENÇA E DO TRATAMENTO

CURA

OS CIENTISTAS ENCONTRARÃO A CURA PELAS MÃOS DE DEUS

FIGURA 3 – Núcleo central e elementos periféricos das representações em torno do enfrentamento da aids e do tratamento.

Na categoria de representação em torno do enfrentamento da doença, emergiram representações periféricas que se referem à vida após a confirmação do HIV, aos sentimentos

e posturas de homens vivendo com o HIV, à angústia da culpa da própria infecção e do risco de disseminação do vírus, além de representações contidas nas reflexões sobre o futuro frente à aids e ao tratamento.

A vida após a confirmação do HIV, para os homens, gira em torno das mudanças cotidianas impostas pelo tratamento e pela necessidade de voltar à “normalidade” anterior ao diagnóstico. As mudanças no cotidiano, ressentidas como obrigatórias ou como conseqüência ‘natural’, estão em torno da sexualidade, da religião, como um amparo e apoio para o enfrentamento da situação, e de mudanças na forma de encarar a realidade cotidiana no convívio com os outros.

A inclusão do tratamento na vida cotidiana é uma fase difícil para os entrevistados. Esse momento é marcado pela ansiedade e pelas dificuldades em adaptar-se à medicação, principalmente pelos efeitos colaterais dos ARV, que levam à ocorrência de insônia, dor de cabeça e enjôos. Além disso, a idéia de proximidade da morte pode ser um fator para a não-adesão ao tratamento, para alguns entrevistados, visto que, para os mesmos, a morte é inevitável e o uso do medicamento não significa a cura, sendo que iniciar o tratamento pode representar uma confirmação da condenação à morte. Para outros, o tratamento é tido como uma segunda chance e uma garantia de melhoria na qualidade de vida.

Para Cardoso e Arruda (2004), o início do tratamento equivale a um segundo diagnóstico de morte anunciada, devido às dificuldades enfrentadas no cotidiano com o uso dos medicamentos. Após o primeiro impacto, a maioria, no entanto, passa a reconstruir a sua realidade para conviver com a situação de infectado pelo HIV, como já identificado por Saldanha (2003). Esse autor afirma que afirma que o recebimento do diagnóstico acarreta, no primeiro momento, uma destruição de todos os aspectos da vida do indivíduo, modificando sua estrutura psicológica, os contatos com o mundo, e os valores, mas, em seguida, num período de tempo que varia individualmente, há a busca de adaptação.

A reconstrução do cotidiano é representada como necessária e é percebida nos homens, pois, em geral, esses consideram a possibilidade da própria morte, elaboram a experiência e acabam deixando de lado tal pensamento, passando a encarar a nova situação de forma a despertar para a necessidade de lutar pela própria vida. Essa luta pela vida é representada pela adesão ao tratamento, às normas ligadas ao uso do medicamento e ao apego religioso como uma chance real para obter o aumento do prazo de vida até que seja descoberta a cura da doença.

Alguns discursam sobre uma nova conduta de vida e, na maioria das vezes, defendem a idéia de que, vivendo feliz, se vive melhor. Apesar de o sentimento de condenação persistir, a preocupação inicial de morte imediata diminui e, como existe vontade de viver, há uma busca por uma maior qualidade de vida.

Esses são sentimentos contraditórios, mas presentes de forma intercalada e constante em cada entrevistado, sentimentos que servem para não se sentirem abatidos diante dos revezes da vida.

Alguns discursam sobre uma nova conduta de vida e, na maioria das vezes, defendem a idéia de que vivendo feliz, se vive melhor. Apesar do sentimento de condenação persistir, essa preocupação diminui e como existe vontade de viver, há uma busca por uma maior qualidade de vida, através da mudança de conduta frente ao tratamento, ao convívio com os familiares e outros e ao resgate da religiosidade e da fé no poder curativo de Deus.

A crença na cura da aids é também discutida por Cardoso e Arruda (2004), que constataram que, mesmo sabendo-se que, no presente, a cura não existe, as pessoas infectadas vislumbram sempre a cura no futuro. No mesmo grupo, estudado por Cardoso e Arruda (2004), acredita-se que, enquanto a cura não chega, existiria uma “cura paliativa”, devido ao uso do medicamento associado a uma vida regrada e saudável. Tunala et al (2001) ressaltam que, após o primeiro impacto, há a tendência a se adotar um estilo de vida mais saudável,

tendência que vem acompanhada da esperança e do esquecimento da condição de soropositivo para o HIV.