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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 ENGENHARIA NATURAL

A Engenharia Natural, também conhecida como Bioengenharia de Solos, é um campo da Engenharia Civil na qual são utilizadas plantas, associadas a materiais inertes, como elemento estrutural para a proteção e estabilização de encostas, de taludes e de margens de corpos hídricos (SCHIECHTL; STERN, 1992). Com obras de grande simplicidade, em geral, as biotécnicas proporcionam ganhos econômicos, ecológicos e estéticos em contrapartida aos métodos convencionais (DURLO; SUTILI, 2014). Salienta-se o menor impacto gerado durante a fase construtiva, por se fazer menos necessário o uso de equipamentos de grande porte, sendo também uma alternativa para locais em que não se viabiliza a utilização deste tipo de maquinário (LEWIS, 2000).

Segundo a Federação Europeia de Engenharia Natural (EFIB, 2015, p. 74), esses métodos são aplicáveis à proteção e estabilização de “[...] taludes, encostas, margens de linhas e planos de água, faixas marginais de infraestruturas, diques, represas, aterros, zonas degradadas por explorações mineiras assim como zonas enquadrantes de infraestruturas”, bem como, dentre outros itens, à revitalização de rios degradados, foco deste trabalho. Nesse contexto, notabiliza-se o trabalho de Durlo e Sutili (2014), que trata especificamente sobre o manejo de cursos de água sob a ótica da Bioengenharia de Solos, abrangendo conceitos de Hidráulica, Hidrologia, Geotecnia e Botânica. Quanto aos possíveis usos das técnicas, ainda, Sousa (2015) destaca que a natureza do problema a ser tratado pode ser classificada como distúrbio decorrente de erosão superficial, de instabilidade hidráulica ou de instabilidade geotécnica, independentemente do campo de aplicação.

Prioriza-se, na Engenharia Natural, a adoção de técnicas com nível mínimo de energia, suficiente para a remediação necessária, considerando-se ainda a não intervenção, de modo a evitar erros técnicos ou deontológicos – por falta ou por excesso de ação, respectivamente – e a minorar os impactos gerados (SAULI; CORNELINI; PRETI, 2006). Complementando essa ideia, Sutili e Gavassoni (2013) definem os seguintes princípios orientadores à disciplina:

1) uso de vegetação como elementos estruturais vivos; 2) uso de materiais de construção locais;

3) sinergia entre materiais vivos e inertes; 4) mínima modificação e impacto.

O maior atendimento dessas orientações, segundo os autores, favorece com que as intervenções proporcionem uma configuração de equilíbrio dinâmico ao sistema em que são aplicadas. Junto a isso, a capacidade de autorregeneração das plantas contribui para que estas se adaptem às alterações do meio (MORGAN; RICKSON, 1995). Tal estabilização dinâmica é um dos requisitos mais importantes na revitalização de um curso de água, que é um sistema eminentemente dinâmico.

Ressalta-se, entretanto, que há fatores limitantes em relação ao uso da Engenharia Natural, principalmente pelo seu caráter ainda excessivamente artesanal e descritivo, com poucos métodos analíticos de dimensionamento (SUTILI; GAVASSONI, 2013). Além disso, o estabelecimento e desenvolvimento da vegetação estão diretamente relacionados às condições ambientais específicas de cada local de

estudo e às espécies utilizadas (MORGAN; RICKSON, 1995; EFIB, 2015). Ademais, a complexidade do material vivo traz incertezas quanto à resposta das plantas ao meio, dificultando que se compreenda a dimensão do desempenho estrutural exercido por elas e, portanto, limitando sua adoção por engenheiros nas metodologias de projeto (SUTILI; GAVASSONI, 2013).

Diante desse contexto, a otimização de um projeto de Engenharia Natural demanda que se considerem os diversos requisitos envolvidos, desde as características do ambiente e do problema de estudo, até o papel da vegetação e suas propriedades de interesse, além das particularidades das técnicas recomendadas pela literatura. Desse modo, deve-se avaliar os fatores edafoclimáticos1 (SOUSA, 2015),

como temperatura, umidade, quantidade de radiação solar e aspectos físico-químicos do solo, que podem inviabilizar o uso de determinadas espécies (DURLO; SUTILI, 2014), junto às demais especificidades do local, incluindo a declividade do terreno (FISRWG, 2001).

A ação das plantas sobre o solo se dá por efeitos hidrológicos e mecânicos (COPPIN; RICHARDS, 1990; DURLO; SUTILI, 2014; SOUSA, 2015). O primeiro caso abrange a interceptação de águas pluviais, a redução do escoamento superficial, o aumento da permeabilidade e da infiltração e a proteção contra o impacto direto das gotas de chuva. Já as ações mecânicas, por sua vez, incluem a geração de sobrepeso, a tendência de arrancamento pelo momento fletor decorrente da ação do vento, o incremento da competência e da ancoragem do solo e a diminuição do desgaste causado pelo trânsito de pessoas, animais e máquinas. Tais efeitos podem ser tanto benéficos como prejudiciais, dependendo de cada circunstância (DURLO; SUTILI, 2014), sendo necessária sua avaliação com critério no projeto de intervenções de Engenharia Natural.

Nesse sentido, o potencial de uso da vegetação e sua interação com o solo são mais bem compreendidos pelo estudo das propriedades biotécnicas das plantas, que correspondem às suas características morfomecânicas que podem influir beneficamente sobre os requisitos da intervenção (SUTILI; GAVASSONI, 2013). Sousa (2015) indica que esse efeito positivo se dá por processos mecânicos e

1 Conforme Ormond (2006), o termo edafoclimático é utilizado para descrever características ou estados de solos relacionados às condições climáticas ou meteorológicas.

hidrológicos, e que estes proporcionam o aumento da resistência do sistema ou a diminuição das solicitações atuantes. Há, também, conforme a autora, outras propriedades que ocorrem simultaneamente e que exercem funções adicionais de relevância para a Bioengenharia de Solos, referentes a aspectos socioeconômicos, estéticos e ecológicos. A correlação existente entre as propriedades das plantas e suas funções dentro da Engenharia Natural está esquematizada na Figura 3.

FIGURA 3 – CORRELAÇÃO ENTRE AS PROPRIEDADES DAS PLANTAS E AS FUNÇÕES DA ENGENHARIA NATURAL

FONTE: SOUSA (2015).

Quanto às técnicas de Engenharia Natural, Schiechtl2 (1973 apud

SCHIECHTL; STERN, 1992) estabelece a seguinte classificação:

a) técnicas de proteção do solo, em que se efetua o seu revestimento, minimizando a ação da erosão superficial, como, por exemplo, o plantio de gramas em placa e o uso de esteiras vivas;

b) técnicas de estabilização do terreno, que buscam estabilizar encostas e taludes com a ação de raízes, da diminuição da poropressão e da melhoria da drenagem, como banquetas vegetadas e feixes vivos;

c) técnicas de construção combinada, nas quais se utilizam plantas associadas a materiais inertes, aumentando a eficiência da intervenção e seu tempo de

vida esperado, como paredes Krainer, grades vivas e enrocamentos vegetados;

d) técnicas de construção suplementares, que envolvem procedimentos de plantio de modo geral, favorecendo a transição entre a fase de construção e a conclusão do projeto.

De forma semelhante, Sousa (2019) considera a ação em profundidade para a categorização, definindo três grupos: técnicas de revestimento, de estabilização e de consolidação. Destaca-se, por fim, a classificação apresentada por Durlo e Sutili (2014) para obras de estabilização de cursos de água, em que as técnicas são divididas em obras transversais e longitudinais. Segundo os autores, as primeiras são dispostas perpendicularmente ao fluxo, como a disposição de soleiras, por exemplo, tendo como objetivo a diminuição da velocidade da água pela modificação da inclinação do leito. No segundo caso, visa-se proteger, estabilizar ou ainda recompor as margens, incluindo ações como o revestimento dos taludes ou a construção de espigões, sem a alteração da declividade do leito.