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Enquadramento conceptual do tema e da problemática da investigação

2. Quadro geral da investigação

2.1 Enquadramento conceptual do tema e da problemática da investigação

Nas últimas décadas tem vindo a assistir-se a mudanças significativas, com os Governos a desinvestirem no ensino superior (muitas vezes pelas dificuldades orçamentais em que se encontravam, ou mesmo por opção ideológica quanto à intervenção do Estado na Educação) e com os estudantes e as suas famílias a serem forçados a participar cada vez

mais nos custos educativos, através do aumento ou da fixação de propinas. Como Bruce Johnstone (2005, p.1) afirma:

“However, in spite of this universally recognized importance, higher education at the

start of the 21st century seems everywhere beset with some variation or variations on

the theme of financial austerity. This austerity is caused principally by flat or declining governmental budgets in support of higher education and is manifested by overcrowded institutions, deteriorating physical plants, declining faculty-student ratios, increasingly demoralized and distracted faculty, and in many countries higher fees, greater student debt loads, and a restive student body.”

Perante a austeridade governamental, as instituições tiveram que aumentar e diversificar as receitas oriundas de outras fontes, ou recorrer àquilo a que alguns autores (Johnstone, 1986, 1991, 1992, 2002, 2003; Woodhall, 2002; Vossensteyn, 2002, 2005; Ziderman e Albrecht, 1995) chamam o “cost-sharing” – “partilha de custos”, definido como:

“[…] shift of the higher educational cost burden from exclusive or near exclusive reliance on government, or taxpayers, to some financial reliance upon parents and/or students, either in the form of tuition fees or of “user charges” to cover the costs of formerly governmentally – or institutionally – provided room and board.” (Johnstone, 2004a, p.1).

Segundo Woodhall (2007), o principal desafio que os Governos têm actualmente de enfrentar em todo o mundo é o de reformar as políticas de financiamento do ensino superior, dando resposta a dois principais factores de pressão: a crescente procura privada do ensino superior e os fortes condicionamentos dos orçamentos públicos.

No contexto europeu, o processo de Bolonha pode ser também perspectivado, em muitos dos seus aspectos, como fazendo parte desse movimento mais geral de sobreposição dos interesses da economia sobre os da educação, conforme nos descrevem Amaral e Magalhães (2004, p. 2):

“The Bologna Process may be interpreted as another step in the neo-liberal movement to decrease the social responsibility of the state by shortening the length of pre- graduate studies and transferring responsibility for supporting employability to individuals through graduate studies: in essence converting education into a private good”.

Nóvoa (2002, p. 136) coloca a questão de “legitimidade” em relação à forma como os processos de reforma das instituições europeias se desenvolvem, afirmando:

“This new approach to European affairs is, in fact, a strategy to move the discussion away from matters of government (habited by citizens, elections, representation, etc.) and place it in the more diffused level of governance (habited by networks, peer review, agreements, etc.).”

O Conselho da Europa, ciente destes riscos, endereçou um conjunto de recomendações às autoridades nacionais e ao grupo “Bologna Follow-up Group” (Council of Europe, 2004, p. 2) considerando:

“[…] to respond to increased pressure for cost-sharing in higher education, where students and families may be expected to bear a greater share of the direct cost, public authorities stimulated further research and debate on the impact of different instruments such as tuition fees, student grants, bursaries and loans, etc., on aspects such as equality of opportunity, system efficiency, social cohesion, long-term impact on public funding etc., as a basis for future action.”

Na maioria dos países europeus foi adoptado um sistema de três ciclos (bachelor, master, doctor), em que o primeiro ciclo, na maior parte das áreas científicas, assume uma duração de apenas três anos. Esta mudança leva à diminuição da frequência global dos cursos de pré-graduação (bachelor) e, consequentemente, pode constituir um primeiro passo para a redução das responsabilidades financeiras dos Governos, transferindo para os estudantes e suas famílias o encargo de assumir o financiamento da frequência e obtenção de graus do 2.º e do 3.º ciclos (Cerdeira, 2007). A própria política de fixação de propinas

poderá igualmente variar consoante o curso seja de 1.º ou de 2.º ciclo, com a aplicação de propinas mais elevadas neste último tipo de cursos.

Esta tendência é já assinalada no relatório Bologna with student eyes (ESIB, The National Unions of Students in Europe, 2005, p. 16) quando se concluía que:

“There is noticeably also a bad tendency that parallel to the reform of the degree structure, tuition fees for second cycle studies were introduced even if they did not exist in the previous system (for example partially in Slovenia according to new legislation) or they are higher than for the first cycle (like in Estonia, Latvia, Italy or France for example). In Malta master degree students do not receive any study grants, which is also an obstacle for students. In Germany fees are often charged for so-called non consecutive second cycle programmes.”

Pelo menos do ponto de vista factual, há que reconhecer, como o faz Johnstone (2003), que a tendência mundial para uma maior partilha de custos (cost sharing) parece inevitável, com o aumento das propinas e a diminuição dos níveis de subsídios públicos. Na realidade, a passagem do que Trow (1974) chamou um ensino superior de elite (menos que 15% da população no grupo etário dos estudantes do ensino superior) para um ensino superior de massas (15-50%), ou mesmo universal (mais do que 50%), colocou novos desafios aos modelos de financiamento e levou a um incremento da importância da política de cost-sharing e de diversificação das fontes de financiamento das instituições de ensino superior.

Assim, ainda que as políticas tenham assumido modelos e motivações diferentes, foi visível no cenário internacional uma tendência para ser imposta uma austeridade ao ensino superior, consequência da conjugação de uma multiplicidade de factores:

- pressão resultante do incremento do número de inscritos, especialmente nos países em que ensino superior público não teve capacidade para absorver o crescimento verificado;

- maior crescimento dos custos unitários no ensino superior do que no conjunto da economia, facto esse agravado pelas mudanças tecnológicas e pela mudança rápida nas tendências da procura dos cursos pelos estudantes, o que obriga a investimentos e a novas despesas no sistema;

- aumento na escassez das receitas públicas e pressão crescente da opinião pública para o financiamento prioritário para outros sectores (ensinos básico e secundário, saúde, justiça, etc.);

- e, finalmente, uma tendência para a liberalização e para a acentuação do mercado como forma de regulação da economia, emergindo de forma clara políticas de privatização do ensino superior.

Em Portugal, também se registaram algumas das tendências atrás sublinhadas, fruto da pressão orçamental resultante da expansão massiva do acesso ao ensino superior. Desde meados dos anos de 2000 que se começou a evidenciar uma tendência divergente na cobertura orçamental por parte do Estado, transferindo-se uma parte cada vez menor da cobertura prevista no modelo teórico adoptado (fórmula de financiamento), com as instituições a terem que recorrer a outras fontes de receita (propinas, venda de bens e serviços, subsídios, etc.) para poderem fazer face aos encargos crescentes.

Estamos perante uma contradição evidente entre o modelo teórico que os Governos tinham aprovado e com o qual pretendiam regular o sistema, quer no que respeita à gestão financeira, quer na gestão de recursos humanos, e a não assunção dessa responsabilidade orçamental, perspectivando-se uma menor participação do orçamento público e um maior apelo ao esforço financeiro do aluno e das famílias. Nem sempre as razões apresentadas pelos diferentes Governos, para que o financiamento dos custos do ensino superior recaia em maior peso nos estudantes e nas famílias, são explicitadas, mas na definição dessas políticas está implícita a noção de que os benefícios da frequência do ensino superior são maioritariamente de índole privada, e que os poderes públicos podem ser libertados, total ou parcialmente, do esforço de financiar o ensino superior.

Em consequência, as instituições de ensino superior são constrangidas a complementar as receitas recebidas por via governamental, não apenas com as receitas cobradas das propinas, mas também recorrendo a outras actividades ditas empreendedoras, como sejam a venda e prestação de serviços, a venda ou aluguer das suas infra-estruturas, a captação de subsídios e de contratos, e de apoios e ofertas de antigos alunos, cuja existência e dimensão foi ganhando um peso considerável e muitas vezes vital para a própria sobrevivência das instituições.

No desenvolvimento do estudo sobre o financiamento do ensino superior português considerámos que seria necessário problematizar em torno de um conjunto de questões que podem ser assim aglutinadas,2 seguindo a abordagem do cost-sharing, designadamente, os seguintes aspectos:

- Quem deve financiar o ensino superior? Os estudantes e as suas famílias, os futuros empregadores e patrões, outras entidades filantrópicas, o Estado e a comunidade, as instituições financeiras?

- Porque se financia o ensino superior? Pelo retorno económico do ensino superior: com os consequentes benefícios privados e benefícios públicos?

- Quem efectivamente o financia? Quem financia as instituições? Os fundos públicos, fundos privados, subsídios, propinas, taxas, rendimentos de patentes ou direitos de autor, venda de serviços, doações?

Os conceitos-chave em presença, a desenvolver ao longo do presente trabalho, são: educação, desenvolvimento, ensino superior, modelos de financiamento, fórmula de financiamento, partilha de custos, custos do ensino superior, custos de educação, custos de vida dos estudantes, apoios financeiros, bolsas, subsídios e empréstimos, acessibilidade e capacidade para pagar a frequência (affordability) do ensino superior.

A nossa questão de investigação, pergunta de partida e condutora do nosso trabalho, é a seguinte:

Como se distribuem os custos de frequência do ensino superior em Portugal entre o Estado/Contribuintes e os estudantes/famílias e como variam esses custos no caso da frequência de instituições universitárias, politécnicas, públicas, privadas, por tipo de curso, área científica, zonas do litoral, zonas do interior e regiões autónomas?

Desta questão central, resultam outras questões subsidiárias:

- Quais as políticas de financiamento do ensino superior seguidas em Portugal nas últimas duas décadas?

- Quais os resultados das políticas de aplicação de propinas na acessibilidade ao ensino superior?

2 Inspirámo-nos no relatório no âmbito da Carnegie Comission on Higher Education (1973) – Higher

- Quais as modalidades de apoio disponíveis para os estudantes mais desfavorecidos e sua eficácia?

- Qual a política de financiamento mais fomentadora da acessibilidade? - Quais os instrumentos da política social mais apropriados para Portugal?

- Qual a percepção dos estudantes do ensino superior em relação a quem deve financiar o ensino superior?

- Quais as condições socioeconómicas determinantes para a frequência do ensino superior em Portugal?

- Qual o peso dos custos privados (estudantes e famílias) no conjunto dos custos totais do ensino superior?

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