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Pertinência científica e social do estudo e motivações pessoais

Esta é uma investigação no âmbito das Ciências da Educação, especialidade Políticas e Organização do Sistema Educativo, com uma abordagem centrada na Economia da Educação e que visa aprofundar o conhecimento dos modelos de financiamento do ensino superior, recorrendo a um estudo comparativo das políticas adoptadas nas últimas décadas em diversos países com o caso português, no qual se pretende conhecer e identificar o tipo e o nível de custos partilhados entre o Estado e os contribuintes, e os que são directamente assumidos pelas famílias e estudantes.

Em Portugal, a questão do financiamento do ensino superior ganhou progressivamente um relevo importante, sobretudo a partir dos anos de 1980, fruto da pressão orçamental resultante da expansão massiva do acesso e do aumento significativo da frequência do ensino superior, o que originou exigências financeiras crescentes por parte das instituições universitárias e politécnicas públicas.

A resposta governamental passou por diversas etapas, desde logo com a afectação de vultuosos recursos ao sector do ensino superior e com a definição de políticas de fixação de vagas que, além de responderem insuficientemente ao forte crescimento da procura, incentivaram e criaram as condições objectivas para o aparecimento e consolidação do ensino privado, o qual se financia sobretudo com as receitas que cobra directamente aos seus estudantes.

Posteriormente, nos primeiros anos da década de 1990, os Governos procuraram introduzir novos mecanismos de financiamento que, para além de operacionalizarem a distribuição do “bolo orçamental” pelas diversas instituições, promovessem a racionalização dos recursos humanos, travando as contratações “sem controlo” dos efectivos docentes e não docentes. Em 1993, foi aprovado o mecanismo da fórmula de financiamento e a aplicação de “rationes” e tectos limite de pessoal docente e não docente por universidade e instituto politécnico, ao mesmo tempo que se procurava equacionar a

celebração de “contratos-programa” de expressão tendencialmente plurianual (sempre contrariada pelo Ministério das Finanças).

Em simultâneo, são implementadas políticas que apontam para a participação dos estudantes nos custos da educação, com a defesa e aprovação desde 1992 de políticas de propinas no ensino superior público e que, embora interrompidas num curto período em 1996, vão ter continuidade até à actualidade.

Assim, o esforço de financiamento do desenvolvimento do ensino superior foi suportado pela afectação dos recursos públicos, sempre crescentes até aos anos mais recentes, e pela contribuição das receitas arrecadadas através das propinas cobradas aos estudantes, as quais de início tinham pouca importância no conjunto dos recursos das instituições, mas que acabaram por assumir um papel significativo, sendo actualmente uma parte importante e imprescindível do orçamento das universidades e dos institutos politécnicos públicos, não só pelo seu próprio valor, mas sobretudo pelo abrandamento ou diminuição do esforço público.

Neste clima de austeridade e tensão entre os agentes financiadores – Estado, Contribuintes, Estudantes, Famílias – assume grande relevância o estudo económico das questões relacionadas com o financiamento do ensino superior em Portugal, as quais merecem ser objecto de um aprofundamento e questionamento, para além das meras descrições ou opiniões que são vulgares encontrar neste âmbito, dando assim oportunidade ao aparecimento de melhor e mais sustentado conhecimento na área da Economia da Educação e das Políticas de Financiamento do Ensino Superior. A pertinência desta análise é tanto mais relevante quanto são ainda poucos os estudos sobre as questões do financiamento e dos custos do ensino superior em Portugal, dificultando o apoio e a sustentação da definição de políticas de financiamento relativas a este sector.

Na verdade, não só há poucos estudos científicos nesta área, como os dados estatísticos e a informação financeira relativa às instituições de ensino superior e acção social em Portugal não estão disponíveis nem acessíveis, nem sujeitos a divulgação e validação oficial, pelo que a sua apresentação, uniformização e análise constitui, só por si, um contributo significativo para o aprofundamento do conhecimento nesta área.

A recolha e sistematização dos dados financeiros do ensino superior (orçamento inscrito, despesas efectuadas, estrutura das despesas e fontes de financiamento) –

universidades, institutos politécnicos, escolas não integradas e serviços de acção social – constituem de facto um trabalho não só útil, como inovador no contexto português, podendo finalmente disponibilizar séries de dados financeiros a preços correntes e a preços constantes desde 1980 até à actualidade.

Há que referir que a realização de um trabalho empírico, com a aplicação de um inquérito para obtenção de conhecimento sobre os custos dos estudantes do ensino superior, representa também um contributo relevante, porquanto em Portugal escasseiam dados estatísticos sobre estes aspectos. A definição de políticas de financiamento ajustadas à nossa realidade e perspectivando a correcção de alguns dos problemas estruturais deste subsector pressupõe, como noutros países, a elaboração de estudos aprofundados e sustentados sobre a realidade em que se pretende actuar. Neste contexto, a realização deste estudo procura colmatar esta lacuna existente no país e assim contribuir para a criação de um conhecimento sobre as condições de financiamento do ensino superior com dados obtidos directamente dos estudantes e não apenas a partir de dados estatísticos (eles próprios limitados no seu alcance e raramente existentes).

Por outro lado, a falta de estudos e de dados sobre a evolução dos custos do ensino superior em Portugal torna difícil situar a realidade portuguesa no contexto internacional. Desde o primeiro momento da elaboração desta dissertação que se tomou consciência de que não existia em Portugal capacidade e massa crítica na área da Economia da Educação e do Financiamento do Ensino Superior (com a excepção do CIPES – Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior – para alguns tópicos, mas não sobre os custos dos estudantes do ensino superior), pelo que se tornou imperioso encontrar e estabelecer contactos com centros de investigação de referência neste domínio.

A aceitação por parte do International Comparative Higher Education Finance and Accessibility Project (ICHEFAP), projecto desenvolvido no âmbito do Centre for Comparative and Global Studies in Education, na University of New York at Buffalo, em acolher esta dissertação permitiu ter acesso a uma das mais ricas e sistemáticas bases de dados sobre os modelos e políticas de financiamento do ensino superior em todo o mundo, beneficiando de numerosos estudos e dados sobre as políticas de propinas, programas de empréstimos e de apoio social, bolsas e subsídios, o que permitiu obter enquadramento e

sólida orientação científica, completando desta forma o suporte e a orientação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

Neste âmbito, queremos evidenciar a crucial importância de contar com o apoio e autorização para poder usar, numa parte muito significativa do seu conteúdo, o questionário sobre os custos dos estudantes desenhado pelo ICHEFAP e aplicado em muitos outros países. Essa oportunidade constituiu um salto qualitativo importante na preparação da dissertação e permitiu criar as condições para a autora se inserir numa rede prestigiada em termos internacionais, que teve não só impacte durante a realização do trabalho, como poderá continuar no futuro a ser significativa, apoiando a internacionalização dos trabalhos e a divulgação de dados sobre Portugal.

Ao justificar a pertinência social e científica do projecto de investigação, julgo ser importante também uma nota de explicação em relação ao título da dissertação – O Financiamento do Ensino Superior Português. A Partilha de Custos. Na escolha do título, quisemos assinalar de forma inequívoca, e desde o momento inicial da dissertação, a inclusão do estudo na linha de investigação conhecida internacionalmente como de Cost- Sharing, ou Partilha de Custos. Trata-se de uma linha de investigação desenvolvida pelo ICHEFAP1, dirigido pelo Professor Bruce Johnstone e reconhecido internacionalmente.

Este programa de investigação teve o apoio da Ford Foundation e recebeu financiamento entre 2000 até ao final de 2007. O ICHEFAP envolveu, sob a direcção do Professor Bruce Johnstone, estudantes de doutoramento e investigadores visitantes de todo o mundo, e contou com a participação de um significativo número de centros de investigação associados. Tal tornou possível a criação de um alargado e substancial campo teórico, com produção de numerosa literatura sobre o financiamento do ensino superior, o cost-sharing e a diversificação de fontes de financiamento, o que é bem visível em muitas das obras de referência a nível mundial e base inspiradora de políticas actualmente preconizadas por organizações internacionais como a OCDE.

Do ponto de vista pessoal, tendo ao longo de mais de mais de duas décadas tido obrigações e responsabilidades no âmbito da gestão dos recursos financeiros do ensino superior (Gabinete de Gestão Financeira, Direcção-Geral do Ensino Superior, Coordenação Executiva do PRODEP II), considero que o aprofundamento e questionamento desta

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temática me possibilitaria uma maior capacidade de compreensão e de intervenção no sistema e consequentemente uma maior realização pessoal por se tratar de um assunto pelo qual sempre me interessei.

Com efeito, tendo tido sempre de intervir e agir do lado de quem define as políticas (Governos e serviços de coordenação e acompanhamento de apoio governamental), ou do lado da gestão e administração das instituições de ensino superior públicas, entendi que deveria prosseguir um estudo assente sobretudo na perspectiva dos custos vistos e suportados pelos estudantes, podendo assim obter uma visão integradora e alargada da partilha de custos do ensino superior e não apenas a que é mais usual no nosso país, ou seja, a da percepção do esforço público do financiamento do ensino superior.

Esta dissertação surge na sequência de algumas das questões levantadas na minha dissertação de mestrado realizada também na área das políticas e organização do sistema de ensino superior (Cerdeira, 1999), na qual se prestava atenção à relação entre Economia e Educação e Educação e Desenvolvimento, centrando a abordagem na visão dos diplomados e no contributo da instituição e dos diplomados do ensino superior para a economia da região onde se inserem.

Em síntese, este trabalho corresponde, não só à pertinência e necessidade de se avançar no conhecimento das políticas do financiamento do ensino superior e em particular dos custos dos estudantes, matéria que se encontra muito pouco desenvolvida em Portugal, como à motivação pessoal, interesse e curiosidade de compreender e aprofundar os fenómenos que determinam as condições de financiamento do ensino superior.

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