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“outras Arqueologias”

4.1. Enquadramento e justificação da área de estudo

«Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e

haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. E quem namora ninhos cá de baixo, se realmente é rapaz e não tem medo das alturas, depois de trepar e atingir a crista do sonho, contempla a própria bem-aventurança.»

Miguel Torga, “Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)”, 1941

A nossa área de estudo circunscreve-se à zona do Alto Tâmega e Cávado (Figura 12). O Alto Tâmega integra-se dentro da bacia hidrográfica do Douro, enquanto o Alto Cávado se integra dentro da bacia hidrográfica homónima (Figura 13). Trata-se de uma região interior do Norte de Portugal, delimitada naturalmente por uma série de cadeias montanhosas, a saber: a Ocidente as serras do Gerês e da Cabreira, a Norte a serra do Larouco, a Sul a serra do Alvão e a Oriente a serra da Padrela. Abrange, genericamente, os concelhos portugueses de Chaves, Boticas, Montalegre, Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar e Valpaços, que integram a região do Alto Tâmega e Barroso. Linda a Norte com a região autonómica da Galiza, Espanha.

O Norte de Portugal é normalmente dividido em duas grandes áreas geográficas: o Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes. A primeira é uma unidade geográfica relativamente homogénea, formando um vasto anfiteatro natural voltado ao Oceano Atlântico. Embora o relevo seja fragmentado, a orientação dos vales é paralela e o escalonamento dos patamares quase similar, da costa para o interior. Tem por limites a Sul o rio Douro, a Norte o vale do Minho, a Leste uma cadeia de montanhas que forma o patamar que fecha o referido anfiteatro natural, nomeadamente as serras da Peneda, Amarela, Gerês, Cabreira, Alvão e Marão, e a Oeste o Oceano Atlântico. Tanto do ponto de vista climático, como da fitogeografia, o Entre Douro e Minho é uma área relativamente uniforme.

Quanto ao clima, enquadra-se no domínio Atlântico, sendo que a relação entre a pluviosidade e a evotranspiração é positiva, ou seja, não existe défice hídrico, ao contrário de grande parte da Península Ibérica (Ferreira, 2005). Quanto à vegetação, constitui o extremo ocidental da estreita faixa peninsular setentrional por onde se prolonga a Região Euro-Siberiana, especificamente a Província Cântabro-Atlântica (Moreira & Neto, 2005). A segunda área, Trás-os-Montes, pelo contrário, trata-se de espaço geográfico bastante mais complexo. Por este motivo, o geólogo António Ribeiro (1974) introduziu uma diferenciação entre Trás-os-Montes Oriental e Ocidental. A nossa zona de estudo integra-se dentro desta última região.

Trás-os-Montes Ocidental é um território bastante acidentado, onde se destacam várias serras e planaltos, com uma altitude máxima variável entre os 1000 e os 1500 metros, dos quais se destacam: os planaltos da Mourela e de Salto, a serra do Larouco, a serra do Leiranco, a serra do Barroso, a serra da Cabreira, a serra do Alvão e a serra do Marão. Esta série de relevos forma uma primeira muralha, onde a precipitação é elevada, devido às chuvas convectivas, induzidas pelos cimos montanhosos com que se confrontam as massas de ar húmido provenientes do Oceano Atlântico (Ferreira, 2005). O amplo conjunto de relevos acima mencionados é drenado pelas bacias dos rios Cávado e Tâmega, este último afluente do Douro. Na complexa rede hidrográfica, destacam-se também, pela sua influência na orografia, o rio Rabagão (afluente do Cávado) e os rios Beça e Terva (afluentes do Tâmega). Todo este imponente conjunto geomorfológico é cortado a Leste por um profundo eixo tectónico, orientado Sul-Norte: a falha de Régua-Chaves-Verín, descrita como uma “imponente escadaria tectónica” constituída por várias subunidades morfológicas, como a própria Veiga de Chaves que se caracteriza pelo grande desenvolvimento da planície aluvial do rio Tâmega (Feio, 1951). Este eixo é mais aberto em alguns pontos, como na zona de Vila Real, ou na Veiga de Chaves, enquanto noutros sectores é mais estreito, com poderosas escarpas laterais, como, por exemplo, a Sul de

Vila Pouca de Aguiar. Para Leste do corredor natural aberto pela falha tectónica, levanta- se uma segunda e contínua muralha montanhosa, disposta no sentido Norte-Sul: Serra do Brunheiro e da Padrela, Serra da Falperra e Serra da Preta. A Sul esta corda montanhosa desce até ao Douro no Planalto de Alijó. Para Nascente adiantam-se os planaltos de Monforte-Fiães-Vilarandelo, Carrazedo de Montenegro, Jales e Jou. No extremo Leste destes planaltos termina a Terra Fria e principiam as depressões da Terra Quente, de clima mediterrânico, pois as chuvas nem sempre conseguem vencer as duas cadeias montanhosas.

Devido à precipitação convectiva e a uma altitude média elevada, do ponto de vista climático-fitológico, Trás-os-Montes Ocidental tem algumas semelhanças com o Entre Douro e Minho, como indicam os índices anuais de pluviosidade. No entanto, é mais frio e agreste, pois o Oceano Atlântico já não modera as temperaturas. O afastamento em relação ao mar não é, porém, gradual. Há, de facto, uma marcada diferença climatológica para Leste da primeira barreira acima citada. Trás-os-Montes Ocidental é, pois, do ponto de vista ecológico, uma zona de transição entre a fachada litoral, marcadamente atlântica, e o interior, de ambiente continental. Corresponde, actualmente, ao distrito de Vila Real, prolongando-se para Norte, já na Província de Ourense (Galiza).

Como vimos, a nossa zona de estudo encontra-se na transição entre o litoral Atlântico, onde existe um maior volume de informação arqueológica disponível fruto dos diversos estudos regionais que foram realizados sobre a “Proto-História e Romanização” (Almeida, 2003b; Carvalho, 2008; Dinis, 1993; Martins, 1990; Moreira, 2009; Silva, 2007), e a zona de Trás-os-Montes Oriental, para a qual dispomos de um completo trabalho de síntese (Lemos, 1993). Para a região do Alto Tâmega dispomos de alguns trabalhos de síntese, um mais centrado no período Romano (Amaral, 1993) e outro em época Medieval (Teixeira, 1996), embora também tenham em conta o povoamento fortificado da Idade do Ferro, bem como um outro que analisa, ainda que de forma muito genérica, “as mudanças do I milénio a.C. e a resistência do substrato indígena” (Silva, 2010). Existe também uma monografia que aborda a problemática da mineração romana e sua inter-relação com a rede viária e o povoamento romano (Martins, 2010c). A zona do Alto Cávado está menos estudada, sendo de destacar apenas alguns estudos parcelares mais recentes (Carvalho, Lemos, & Meireles, 2006; Carvalho, 2006b).

Figura 13: Localização da área de estudo em relação às bacias hidrográficas do Douro e Cávado (©

Atlas Digital do Ambiente, Agência Portuguesa do Ambiente).