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Capítulo 1 Enquadramento da actividade do treinador de judô

1.3. A formação e a certificação do treinador de judô no Brasil

1.3.1 Enquadramento legal da profissão de treinador de Judô

Quando falamos em formação de treinadores temos

obrigatoriamente que abordar as questões de quem pode exercer esta profissão. A esta propósito, Becker (2000) sustenta que um treinador deve ter as qualificações de um professor. Neste ponto encontramos as leis que regulamentam a profissão e a realidade do mercado de trabalho. Segundo a legislação atualmente em vigor, somente pode atuar no mercado quem for registrado no Conselho Regional de Educação Física que, por sua vez, está subordinado ao Conselho Regional de Educação Física. A Lei n° 9.696, de 1° de setembro de 1998, que regulamentou a atuação do profissional de Educação Física, em seus dois primeiros artigos apresenta o seguinte texto:

Art. 1° o exercício das atividades de Educação Física e a designação de Profissional de Educação Física é prerrogativa dos profissionais regularmente registrados nos Conselhos de Educação Física.

Art. 2° Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os seguintes profissionais:

I – os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido;

II – os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;

III – os que, até a data de início da vigência desta lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais da Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física. (Lei 9696/98).

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treinadores que se enquadravam no Artigo 2, parágrafo III, ou seja, aqueles que não possuíam formação acadêmica, mas que comprovassem ter desempenhado funções equivalentes antes da promulgação da lei. Porém, desde o ano da publicação da lei até o início desta pesquisa, ocorre uma discussão jurídica movida pelos treinadores que não se sujeitam à regulamentação. Esta discussão nos tribunais tem apresentado vitórias de ambos os lados e não nos parece ter o fim próximo. Além dos profissionais da área das lutas e artes marciais, os profissionais da dança estão interessados em conseguir autonomia para regular os seus respectivos mercados de trabalho. Além das questões legais de certificação do mercado, o judô apresenta uma área específica de ordenamento. A formação de um treinador de judô tem características distintas pertinentes a sua criação e segue uma hierarquia própria, de acordo com a cor de faixa que o praticante usa na cintura do seu quimono. O tempo necessário para a formação é de, no mínimo, oito anos, passando por uma seqüência de nove faixas diferentes: branca, cinza, azul, amarela, laranja, verde, roxa, marrom e, ao final, a faixa preta. Apenas ao faixa preta, a Confederação Brasileira de Judô e as federações estaduais possibilitam o registro como treinador e a posição de responsável técnico por uma entidade filiada. Após a obtenção da faixa preta, há ainda uma classificação em dans de um a dez, sendo o décimo dan a maior posição hierárquica que um treinador pode alcançar (CBJ).

A Lei 9696/98, que regulamentou a área não formal deste mercado de trabalho, pretendia reservá-lo para os profissionais regularmente registrados nos Conselhos Regionais e no Conselho Federal de Educação Física. Na contramão deste enfoque, coexiste a regulamentação do desporto, com a Lei Federal 9615/98, que em seu artigo 200 determina que:

“as entidades de práticas desportivas (clubes) e as entidades nacionais de administração do desporto (Confederações, Federações e Ligas esportivas), são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, que têm suas competências definidas em seus estatutos”. (Lei 9615/98 art. 20)

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intenção de preservar o meio para os formados em ensino superior, também se possibilita a liberdade de ação das entidades que de fato regulamentam o esporte. As federações e confederações, deste modo, continuam a permitir a atuação profissional de sujeitos que possuem apenas a formação prática ou feita em cursos da própria entidade. O faixa-preta é o título exigido para o cargo de responsável técnico ou outras posições na FGJ e na CBJ, não a formação acadêmica em Educação Física. Porém,a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) também insere em seus estatutos que:

“Art. 19 – Para ter direito de participação nas Competições promovidas pela CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JUDÔ, as Federações Filiadas deverão, além de atender às exigências Estatutárias da Entidade Dirigente do Judô Nacional, satisfazer as seguintes condições:”

“VII Os Técnicos das Equipes deverão apresentar obrigatoriamente a Carteira de Registro no CREF (Conselho Regional de Educação Física) ;” (CBJ, 2007, p 3-4)

A aprovação, dia quinze de julho de 2007, do Projeto de Lei (1371/2007) da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA)10 na comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal foi motivo de comemoração por parte dos profissionais de capoeira, dança, ioga, lutas, e artes marciais e método

pilates não graduados, integrantes do movimento contra a regulamentação em

Educação Física comemoraram. Segundo o texto do projeto, os profissionais

não estão sujeitos à fiscalização dos Conselhos Regionais de Educação

Física. Citamos para exemplar as divergências sobre a regulamentação um trecho do Manifesto das Entidades Contrárias à Regulamentação:

Baseado em teses equivocadas e corporativistas – reserva de mercado, qualificação dos serviços via aparato legal, entre outros – bem como na falsificação do consenso, para persuadir a categoria, foi aprovada a lei 9696/98. O processo para aprovação da lei e, em seguida, criação do CONFE11F e dos CREFs12 (principalmente a campanha de filiações) sustenta-se em meios alienadores, excludentes e de alto teor coercitivo (ausência de amplo debate, restrição da

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Partido Comunista do Brasil, Deputada Federal pelo Estado da Bahia

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Conselho Federal de Educação Física

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participação dos profissionais nos processos decisórios, a falácia da ilegalidade do exercício profissional caso não esteja filiado ao CONFEF). Nunca é demais lembrar que estes são alguns dos instrumentos privilegiados por regimes ditatoriais e totalitários. Em ambos os casos com a única finalidade de garantir interesses privados de certos grupos, ferindo um princípio elementar da democracia: a participação. (Manifesto da Entidades Contrárias a Regulamentação da Educação Física.)

Estas entidades advogam que a dança e as lutas, de uma forma geral, por serem um patrimônio cultural não podem ser alvo de tal regulamentação.

Do outro lado, diversas entidades representativas do professores de Educação Física inserem neste conflito ainda as questões relativas as atuais formas de graduação no Brasil, a Licenciatura e o Bacharelado. Lembramos que a lei 9696/98 regulamentou a área não formal do mercado, isto é a área do bacharelado. O campo da licenciatura, colégios, faculdades por exemplo já estavam com as suas normas regulamentares feitas que são comuns à todas as outras carreiras docentes.

Observando-se alguns países encontramos a formação de professores e treinadores organizada e sistematizada a partir de um planejamento nacional e com objetivos traçados a logo prazo. A Federação Francesa, por exemplo, promove cursos de formação e atualização (formação continuada) em centros de formação popular em níveis regional e nacional e também no Instituto Nacional dos Desportos e Educação Física (INSEF). Somente estes cursos habilitam os interessados em obter o título de Professor de Judô com Título de Educador Esportivo necessário para a atividade profissional segundo a legislação francesa desde agosto de 1963 e regulamentada em 15 de julho de 1972 (BONET-MAURY E COURTINE, 1994, IN NUNES 2001) . Em muitos outros países da Europa existem Cursos Nacionais de Treinadores Desportivos. Na Alemanha é ministrado na DeutschSporthochSchule-Koln (Universidade de Colônia) com a previsão de reciclagens bi-anual e necessidade de estágios obrigatórios através dos quais os técnicos ascendem na carreira de treinador. Iniciando com treinadores de nível “F”, o primeiro, até alcançar o nível “A” necessário para acompanhar uma

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seleção nacional.

Um aspecto que deve ser esclarecido na realidade brasileira é que, as artes marciais, além dos aspectos ligados à tradição oriental, em geral, são atividades desportivas, sendo inclusive, as disputas de judô e de tae-kwon-do pertencentes ao rol das modalidades olímpicas e, portanto, fazem parte das competências do profissional de Educação Física. Entretanto o entendimento legal não se deu, de fato, em relação ao entendimento social, que por ora não conseguiu assimilar a transição ocorrida ao longo dos anos, o que se pode atribuir à mudança de entendimento de mundo, no seio da qual será defendida a tese da co-existência aproximações distintas: a do ofício, onde o professor ensina ao seu aluno, como o mestre formava o aprendiz (artesanato), e a da profissão, que tem na formação universitária e no conhecimento científico as bases para o exercício de uma atividade profissional (DRIGO, 2007).