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CAPÍTULO 2 O MODELO DE REGULAÇÃO CONCEPTUALIZADO PARA AS CONDIÇÕES

2.3 Bases teóricas para a criação da entidade de regulação farmacêutica

2.3.1 Enquadramento legislativo e regulamentar

No direito cabo-verdiano, os institutos públicos são regulados por um regime jurídico35 que

estabelece regras gerais aplicáveis àquelas entidades, abrangendo os pressupostos para a sua criação, a forma legal para o efeito, as suas atribuições gerais, os órgãos de direcção e respectivas atribuições e a relação com a administração directa.

Tratando-se um regime geral que permite uma grande diferenciação na actuação e atribuições e capacidade de actuação das estruturas deste género existentes no país, podemos extrair os seguintes traços específicos:

1) Conceptualmente enquadrados como parte da chamada administração indirecta do Estado, têm personalidade jurídica própria, são criados e extintos por decisão do Governo e o financiamento destas entidades, no todo ou em parte, cabe também ao Estado. Para constituir capitais com vista ao arranque da iniciativa, é ao Estado que cabe contribuir com os recursos financeiros necessários. Estes organismos podem também cobrar receitas das suas actividades, mas se as receitas cobradas não forem suficientes é ao Estado a quem compete cobrir o défice. A Lei a que se fez referência estabelece que só poderá ser criado um instituto público quando estudos de viabilidade financeira demonstrem que a actividade administrativa a desenvolver gerará receitas

correntes próprias, equivalentes a pelo menos metade das suas despesas correntes36. Contudo,

além de, na prática, não se realizarem por norma tais estudos, é a própria lei citada que abre excepção, prevendo que tal critério poderá ser dispensado ou reduzido para os estabelecimentos públicos, por Resolução do Conselho de Ministros, fundamentada em motivos de interesse

público, excepção essa comummente estendida aos institutos públicos37.

2) Essas entidades dispõem, por força de lei, de autonomia administrativa e financeira, isto é, têm capacidade própria de decisão, gerem com autonomia a sua organização, podem cobrar taxas directamente (desde que previamente previstas por Decreto Lei), realizam as suas despesas (não tendo de obter para tanto o acordo da Contabilidade Pública), organizam os respectivos processos de contabilidade, que se encontram sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas.

Foi com a natureza dum instituto público, com características especiais, sobretudo em matéria de autonomia, que se propôs o regime jurídico da ARFA.

A ARFA configurava-se como uma pessoa colectiva de direito público, dotada de independência

técnica, de autonomia administrativa e de património próprio.

À ARFA, pessoa colectiva pública ou de direito público, do tipo institucional, criada por iniciativa pública - Resolução n.º 71/98, de 31 de Dezembro - para assegurar a prossecução de interesses

35 Lei 96/V/99, de 22 de Março, que estabelece o regime jurídico geral dos Serviços autónomos, dos

Fundos autónomos e dos Institutos públicos.

36 Art.6º da Lei citada.

37 Veja-se, a título de exemplo, o ICIEG – Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do

Género, cujas atribuições e área de intervenção impede a previsibilidade de obtenção de receitas através de cobrança de taxas ou outra forma de financiamento, para além da dotação no Orçamento Geral do Estado.

públicos, e por isso dotada de poderes e deveres públicos, é atribuída capacidade de direito público, em que assumem especial relevância os poderes de autoridade, isto é, aqueles que denotam supremacia sobre terceiros, podendo definir a sua própria conduta e a conduta alheia em termos obrigatórios imperativos, independentemente da vontade dos destinatários, sendo um exemplo do poder público de autoridade, o poder de regulamentar.

Com autonomia administrativa e financeira, para gerir a sua organização e tomar decisões próprias, a ARFA assim concebida, estaria a coberto, plenamente, pela Lei que se vem de citar, aprovada poucos meses depois da decisão política de sua criação que, como supra se apontou, não fez aprovar, logo de seguida, os seus estatutos.

A ARFA teria, de entre outros benefícios e direitos: isenções fiscais e a capacidade de celebrar contratos administrativos e ser titular de bens de domínio público e não apenas de bens de domínio privado.

Tendo em conta a escassez dos recursos humanos e financeiros de Cabo Verde, uma eficaz e efectiva implementação da ARFA, implicaria uma versão unificada e simplificada do organigrama. Com a preocupação de racionalizar recursos, foi concebido um Conselho de Administração cujos membros são quadros da ARFA, mas sujeitos ao regime da Administração Pública. Propôs-se a criação de órgãos permanentes, denominados Gabinetes, Direcções técnicas Farmacêutica e Alimentar e instalados órgãos consultivos não permanentes como o Conselho Consultivo, Conselho científico e Comissões técnicas.

A actuação da ARFA estaria sujeita à tutela administrativa do Estado, nomeadamente do

Primeiro-Ministro. Tutela essa que consiste no conjunto de poderes de intervenção da pessoa

colectiva pública Estado, na gestão de outra pessoa colectiva pública a ARFA, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação e visando controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada, isto é se está ou não conforme a lei.

Tendo em conta que, no quadro organizativo do Governo, no momento de elaboração da proposta, as competências globais da ARFA tinham conexão com quatro ministérios, designadamente com o Ministério de Agricultura e Pescas, Ministério da Saúde, Ministério do Turismo, Indústria e Comércio e Ministério das Finanças e Planeamento, seria de todo impensável uma tutela conjunta de quatro Ministros.

Por outro lado, nas áreas de intervenção da ARFA, poderiam surgir com frequência situações de risco e emergência que exijam decisões céleres, não compatíveis, obviamente, com uma tutela conjunta.

Aliás, a intenção de submeter a ARFA a uma tutela supra-ministerial, está subjacente à própria decisão constante do art. 3.º da Resolução n.º 71/98, de 31 de Dezembro, que coloca a Comissão Instaladora da ARFA na dependência directa do então Vice Primeiro-Ministro.

A opção política assumida, que abandonou a configuração da entidade reguladora sob a égide de instituto público, aprovando um regime geral paras as entidades reguladoras, através da Lei n.º 20/VI/2003, de 21 de Abril, para a qual remeteu a ARFA, não é precedida de uma avaliação das conveniências e inconveniências entre uma e outra entidade, sendo certo que a aprovação daquela Lei pretendia dar cobertura à regulação de variadíssimos sectores, para os quais a

decisão havia sido assumida de forma mais pacífica38.

38 Ao ser criada a Agência nacional de Comunicações levou a que, no Ministério das Infra-estruturas, Transportes e

Telecomunicações, fosse extinta a Direcção Geral das Telecomunicações e fossem transferidas todas as atribuições antes detidas pela Administração directa.

Na verdade, a necessidade de distinção entre institutos públicos e agências reguladoras assenta, em grande medida, na desconfiança sobre a real autonomia dos Institutos Públicos (relativamente às quais a superintendência é por vezes exercida de forma que ultrapassa os exactos limites dessa atribuição), pretendendo-se uma entidade a que pudesse proclamar expressamente a independência técnica e um afastamento (no que se refere à nomeação do seu Conselho de Administração, por exemplo), tanto quanto possível, do órgão executivo (Governo) e a sua aproximação à Assembleia Nacional, à qual apresenta os seus Relatórios.

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