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As bases do Tratado do enquadramento de política económica

3 O enquadramento de política

princípio da subsidiariedade implica, assim, que a política monetária, devido à sua singularidade e indivisibilidade, não pode permanecer, adequadamente, descentralizada, tendo sido, por conseguinte, integrada no Eurosistema. Esta lógica de centralização também se aplica ao enquadramento regulamentar do Mercado Único, visto que um mercado comum requer um conjunto de regras comuns, juntamente com uma aplicação credível, ou pelo menos um acordo conjunto para o reconhecimento mútuo de normas e padrões nacionais.

Em contraste, as políticas orçamentais, microeconómicas e estruturais, bem como as políticas do mercado de trabalho e do emprego, permaneceram da competência nacional, por não haver – por enquanto – argumentos convincentes que pudessem justificar uma transferência total destas responsabilidades de política para o nível comunitário. A flexibilidade que advém da descentralização da política dá às autoridades nacionais um espaço de manobra essencial. Além disso, a descentralização permite a existência dos efeitos benéficos de uma concorrência saudável a nível da política. Estes dois benefícios fundamentais devem ser analisados separadamente.

A descentralização proporciona flexibilidade e espaço para a concorrência a nível da política

Apesar do grau avançado de integração dos Estados-membros da área do euro, as estruturas e preferências económicas nacionais não convergiram totalmente, sendo pouco provável que o façam no futuro próximo. Estas diferenças nas estruturas e preferências económicas requerem estruturas de condução de política que proporcionem flexibilidade suficiente para as acomodar e dar uma margem de manobra substancial para que os decisores de política nacionais se ajustem a desenvolvimentos específicos de cada país (como choques económicos) sob as condições da União Monetária.

O carácter descentralizado do enquadramento de política económica na UEM também permite uma concorrência saudável a nível de política entre os Estados-membros. As considerações segundo as quais a concorrência aberta fornece os incentivos mais apropriados para a optimização e estimula a contínua inovação são aplicáveis não só a empresas e indústrias, como também no âmbito das políticas públicas. Na esfera internacional, à qual faltam frequentemente as “regras de mercado” comummente aceites, a concorrência a nível da política pode acentuar elementos de rivalidade, com efeitos potencialmente negativos para todos os envolvidos. Pelo contrário, a Comunidade representa um enquadramento de política fundamentalmente cooperativo e baseado em regras, no qual a livre concorrência entre diferentes concepções de política é aceite como um elemento normal e eficaz da governação económica nacional num sistema descentralizado. Desta forma, foi introduzido um elemento de concorrência na condução nacional da política, embora respeitando totalmente condições e preferências nacionais particulares. As decisões nacionais de política económica já se encontram sujeitas a comparações transfronteiras críticas, dado que decisores de política, empresas e público em geral estão cada vez mais conscientes da evolução económica e do desempenho da política noutros países da Comunidade. De forma a usufruir de todos os benefícios de uma concorrência construtiva a nível da política, os Estados-membros concordaram em partilhar experiências de forma a identificar as “melhores práticas” e de, em conjunto, retirar algumas lições das políticas imperfeitas ou falhadas. O enquadramento descentralizado para as políticas económicas na área do euro reúne, assim, informação relevante em benefício dos Estados-membros, podendo gerar efeitos sinérgicos que não existem num regime de política totalmente centralizado. Ao mesmo tempo, a natureza cooperativa da Comunidade significa também que a concorrência a nível da política está sujeita a certos limites, de forma a evitar um

“abaixamento da qualidade” lesivo, ou uma “concorrência prejudicial” em certos domínios da política económica, como as normas de trabalho, a concessão de subsídios do Estado ou determinadas medidas fiscais.

Potenciais repercussões requerem coordenação da política

Porém, o processo de decisão autónomo a diferentes níveis de governo por decisores de política interdependentes noutros aspectos pode criar externalidades (isto é, efeitos de repercussão). As estimativas disponíveis destas repercussões apontam para efeitos pouco significativos, mas não irrelevantes. Além disso, reacções descentralizadas e descoordenadas a novos desenvolvimentos no mercado (como por exemplo, o aparecimento de conglomerados financeiros transfronteiras) podem relevar-se subóptimas. Um processo de decisão inteiramente autónomo pode também ser insuficiente para fazer face a choques económicos que afectam de igual forma todos os decisores de política (como uma subida dos preços do petróleo).

No que respeita à atribuição específica de responsabilidades de política na UEM, podem identificar-se dois tipos de repercussão. Primeiro, as repercussões podem ocorrer em

termos dos países. No contexto extremamente

interdependente da união monetária, o afrouxamento orçamental num país poderia, por exemplo, produzir efeitos negativos noutros países, ao afectar as condições do mercado de capitais e gerar pressões ascendentes sobre as taxas de juro de longo prazo no conjunto da área do euro. Segundo, podem também ocorrer repercussões em

termos de políticas. Decisões, por exemplo,

no domínio dos sistemas fiscais e de benefícios, podem afectar o funcionamento do mercado de trabalho, tendo, assim, um impacto na eficácia das medidas noutro domínio da política como, por exemplo, a política de emprego.

Formas adequadas de coordenação de política, tais como acordos sobre regras e

objectivos comuns que servem de orientação para políticas individuais, podem limitar os efeitos negativos de potenciais externalidades. Podem esperar-se, razoavelmente, efeitos de bem-estar positivos, se houver oportunidade para modificar as escolhas de política dos vários decisores de política antes da sua aplicação. Neste caso, uma coordenação de políticas de outra forma autónomas, se adequadamente concebida, representa um passo no sentido de resultados óptimos. Outros benefícios da coordenação advêm do fornecimento de informação relevante em primeira mão, o que melhora o entendimento mútuo das decisões de política individuais e contribui para um clima de confiança e reputação, em que entra em jogo a “pressão dos homólogos”. Ao partilhar as boas e as más experiências pode reduzir-se o custo da concepção de políticas adequadas e evitar erros de política.

No entanto, deverão ser satisfeitas algumas pré-condições para que a coordenação da política seja desejável e efectivamente exequível. Em primeiro lugar, os ganhos que podem ser razoavelmente esperados da coordenação da política deverão ser comparados com os custos associados. Estes custos podem advir do próprio processo de negociação, que faz parte de qualquer coordenação. Em segundo lugar, a coordenação de política enfrenta também dificuldades operacionais. As teorias económicas gerais da coordenação de política apontam para a necessidade de todos os participantes prosseguirem objectivos de política comuns e de acordarem quanto a um modelo comum, ou seja, de partilharem um entendimento quanto à forma como os diferentes instrumentos de política têm impacto sobre as variáveis económicas e os compromissos entre ambos. A exequibilidade da coordenação depende igualmente da capacidade de agregar e processar a informação fornecida pelos participantes e de dar os incentivos adequados para assegurar a continuação do empenho de cada decisor de política face ao regime.

Apesar destas reservas, a estreita coordenação entre os Estados-membros foi

consagrada no Tratado como um princípio fundamental do enquadramento de política económica (ver Caixa 1). A concepção efectiva dos vários processos de coordenação teve de ser suficientemente flexível para usufruir de todos os benefícios da coordenação e, ao mesmo tempo, também fazer face aos referidos custos e inconvenientes operacionais. Das várias formas de coordenação de política, a mais limitativa envolve acordos sobre “regras conjuntas” para a condução de políticas de outra forma autónomas, por forma a reduzir, ou eliminar, os potenciais efeitos negativos das repercussões de política. A qualidade vinculativa das regras comuns advém da existência de mecanismos de aplicação credíveis. Formas menos vinculativas de coordenação incluem o estabelecimento de

“fóruns conjuntos”, que permitem a interacção próxima e regular entre os decisores de política, a fim de aumentar a sua consciencialização da interdependência das suas decisões. Esta interacção assume a forma de diálogo de política, intercâmbio de informação ou partilha de análises. Apesar do seu carácter não vinculativo, esta forma de coordenação “branda” não impede que os decisores de política concordem, por vezes, com linhas de acção conjuntas. Contudo, ao assentar exclusivamente na “pressão dos homólogos”, na persuasão e na emissão de recomendações de política, a coordenação branda não possui os instrumentos de disciplina que poderão ser importantes para garantir que as medidas de política consideradas necessárias ou desejáveis sejam efectivamente aplicadas.

4 A condução das políticas económicas a nível individual

Como complemento à abordagem até ao momento sistémica, esta secção descreve com mais pormenor de que forma as diferentes políticas económicas são conduzidas no quadro geral de política económica. Cada domínio de política é abordado individualmente (isto é, política monetária; política cambial; política orçamental; políticas do mercado de trabalho e do emprego; políticas microeconómicas e estruturais), dando-se particular relevo à atribuição das respectivas responsabilidades de política e às razões subjacentes, à formulação efectiva das políticas e, se for o caso, à coordenação em

termos de países nos domínios de política

específicos. A Secção 5 vai ilustrar a forma como estes acordos específicos para as políticas a nível individual são integrados num enquadramento geral coerente de coordenação da política económica nos Estados-membros e discutir as práticas existentes de coordenação em termos de

políticas.

Política monetária

A importância da estabilidade de preços para o funcionamento eficiente do mecanismo de

mercado implica que, num mercado único, uma política monetária orientada para a estabilidade seja um bem público comum que deverá ser fornecido de maneira uniforme por uma instituição independente e central. O enquadramento institucional da política monetária na UEM reflecte claramente esta necessidade. O Tratado estabeleceu o Eurosistema, tendo o BCE como núcleo, dotado da independência necessária face à interferência política, tendo-lhe sido atribuído um claro mandato de manutenção da estabilidade de preços na área do euro. Deste modo, o enquadramento institucional serve para assegurar que a política monetária contribui da melhor forma para alcançar os objectivos gerais das políticas económicas da Comunidade.

De forma a apoiar o funcionamento regular da política monetária única e para sublinhar ainda mais a independência do BCE, o Tratado proíbe também o financiamento monetário dos défices públicos pelo banco central (artigo 101.º) e o acesso privilegiado às instituições financeiras por parte das autoridades públicas (artigo 102.º).

Política cambial

Uma moeda única significa necessariamente uma taxa de câmbio única. Por conseguinte, a política cambial é também conduzida a nível comunitário. Convém salientar que não existe uma política cambial “activa” na área do euro. Dada a dimensão da economia da área do euro, o BCE não possui um objectivo para a taxa de câmbio. O Tratado estipula que qualquer política cambial deve ser consistente com o objectivo primordial da política monetária do BCE, ou seja, a manutenção da estabilidade de preços. No que respeita à execução da política cambial, o Tratado prevê uma estreita interacção entre o Conselho da UE e o BCE. Nos casos em que seja considerado necessário, o artigo 111.º do Tratado permite que o Conselho da UE, seguindo procedimentos específicos e rigorosos, conclua acordos formais sobre um sistema cambial para o euro em relação a moedas não comunitárias ou que formule orientações gerais para a política cambial. Contudo, qualquer acordo ou quaisquer orientações gerais devem ser consistentes com o objectivo do BCE de manutenção da estabilidade de preços.

As disposições do Tratado e os Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, bem como os actuais acordos institucionais, asseguram intercâmbios regulares de informação e de opiniões entre o Conselho da UE e o BCE, o que é consistente com o facto de a evolução da taxa de câmbio ser uma questão de interesse comum para ambas as autoridades. Contudo, o BCE é o único competente para decidir se e quando utilizar o instrumento de intervenção cambial, em conformidade com a sua independência, com as tarefas que lhe foram cometidas pelo Tratado e pelos Estatutos e com o seu objectivo primordial de manutenção da estabilidade de preços. Assim, os acordos práticos e institucionais da área do euro no domínio da política cambial – apesar das suas peculiaridades (como o papel autónomo do banco central e a ausência de um “Ministério das Finanças da área do euro”) – estabelecem uma

capacidade para a condução coerente da política, o que facilita a comunicação e permite, quando se julgue conveniente, a cooperação efectiva com os principais parceiros internacionais da área do euro.

Política orçamental

A política orçamental é conduzida a nível dos Estados-membros, em conformidade com as normas do Tratado e o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que deixam um espaço de manobra substancial relativamente à composição da despesa e das receitas públicas, de acordo com as preferências políticas nacionais. A responsabilidade de cada Estado-membro no domínio da política orçamental é explicitamente acentuada pela cláusula “no

bail-out” do Tratado (artigo 103.º), que

estipula que nem a Comunidade nem qualquer Estado-membro são responsáveis pelos compromissos de outro Estado-membro. Existem diversos argumentos que apoiam esta abordagem descentralizada da política orçamental.

Em primeiro lugar, as preferências nacionais de política, no que respeita quer às receitas quer à despesa, ainda predominam na área do euro. A dimensão dos orçamentos e as prioridades fiscais e da despesa variam, em alguns casos de forma considerável, entre os Estados-membros, o que reflecte o facto de “bens públicos” importantes como a segurança social, a educação, os cuidados de saúde ou a defesa serem prestados a nível nacional. Dado que os debates políticos subjacentes acerca destas componentes principais da despesa pública continuam ainda a centrar-se na perspectiva de cada país, as respectivas decisões de política terão de permanecer – sobretudo por razões de legitimidade política – a nível nacional. Em segundo lugar, apesar dos progressos consideráveis no sentido da convergência cíclica entre os Estados-membros da área do euro, continuam a existir certas diferenças no que respeita às posições cíclicas. Como o

Eurosistema conduz a sua política monetária para o conjunto da área do euro, não podendo, por conseguinte, responder às necessidades específicas de cada economia, os Estados-membros deverão considerar a orientação da política monetária da área do euro como exógena. Consequentemente, os governos nacionais deverão ser capazes de responder à posição cíclica particular das suas economias nacionais de forma diferenciada e flexível, usando os instrumentos de política à sua disposição – nomeadamente a política orçamental. Mantendo os orçamentos nacionais próximo do equilíbrio ou excedentários a médio prazo, os governos nacionais devem estar em condições de atenuar os efeitos económicos das flutuações cíclicas deixando funcionar os estabilizadores automáticos e, caso seja necessário, com intervenções adicionais nos limites do PEC. Além disso, as reformas estruturais poderão aumentar a capacidade de as economias se adaptarem a choques económicos de forma auto-estabilizadora. Como referido na Secção 3, as políticas orçamentais descentralizadas na UEM deverão ter em conta o potencial para efeitos de repercussão que as decisões de política num Estado-membro podem ter nos outros. Já antes da UEM, a necessidade de evitar distorções do Mercado Único tinha implicado uma limitação da margem discricionária dos Estados-membros relativamente a certos tipos de tributação (por exemplo, taxas mínimas de imposto sobre o valor acrescentado). Para além disso, o actual enquadramento para a condução das políticas orçamentais foi concebido para minimizar o risco de repercussões negativas de políticas orçamentais inadequadas. Estabelece, com base nas disposições do Tratado e em legislação secundária, um regime melhor descrito como “flexibilidade limitada”. Essencialmente, “finanças públicas sólidas” são um princípio orientador da condução da política económica na Comunidade (n.º 3 do artigo 4.º, ver Caixa 1). Além disso, a referida proibição de financiamento monetário de défices públicos pelo banco central e de acesso privilegiado às instituições financeiras

por parte das autoridades públicas representa uma outra restrição fundamental e vinculativa à condução das políticas orçamentais nacionais. Ao aumentar os efeitos disciplinadores do mecanismo de mercado nas políticas orçamentais, as restrições contribuem para o funcionamento adequado da UEM.

Acima de tudo, o Tratado contém uma obrigação de evitar “défices excessivos” (artigo 104.º). Esta obrigação, juntamente com procedimentos de análise multilateral das políticas orçamentais nacionais, foi especificada com mais pormenor no PEC, que estipula regras quantificadas para o défice e a dívida, as quais dão uma clara orientação de política às autoridades orçamentais nos Estados-membros (ver também o artigo intitulado “A aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento” na edição de Maio de 1999 do Boletim Mensal). De acordo com o PEC, é exigido aos Estados-membros da área do euro que apresentem programas de estabilidade anuais descrevendo os seus planos orçamentais em conformidade com o objectivo de médio prazo de posições orçamentais próximo do equilíbrio ou excedentárias. O progresso considerável que foi feito para a redução dos níveis do défice orçamental e da dívida desde meados da década de 90 comprova que o enquadramento geral das políticas orçamentais funcionou bem.

Tal não significa que não sejam possíveis melhorias práticas à medida que se ganha experiência. De facto, o enquadramento existente já experimentou melhorias úteis. Por exemplo, os Ministros das Finanças da área do euro concordaram em partilhar informação preliminar e, sempre que necessário, discutir quaisquer alterações importantes projectadas relativamente aos futuros planos fiscais e de despesa a nível do Eurogrupo (para uma apresentação pormenorizada do papel e funcionamento do Eurogrupo, ver o Relatório Anual do BCE de 2000). Além disso, deu-se recentemente início a um exercício conjunto de avaliação da “qualidade” das finanças públicas, isto é, das

características estruturais dos orçamentos nacionais, o que permite um processo de aprendizagem recíproca que ajuda a fazer face aos desafios de mais longo prazo para as políticas orçamentais, tais como o impacto orçamental do envelhecimento das populações. Estas formas de coordenação da política orçamental, que vão para além do PEC, têm carácter informal e não vinculativo. A sua credibilidade e eficácia dependerão, por isso, da determinação dos decisores de política em honrar os compromissos assumidos.

Com o tempo, as práticas de coordenação poderão registar uma maior evolução. Uma orientação geral acordada para a política orçamental pode surgir gradualmente, influenciando a condução das políticas orçamentais nacionais, com base em acordos voluntários entre os Ministros das Finanças da área do euro. Como parte desta evolução, a política orçamental nacional poderá vir a ser definida também com referência aos efeitos agregados para a área do euro, fomentando, assim, a internalização das condições específicas da União Monetária por parte dos decisores de política nacionais.

Políticas do mercado de trabalho e do emprego

As políticas do mercado de trabalho e do emprego referem-se às actuações dos governos, entidades patronais e uniões sindicais na fixação do enquadramento para o funcionamento dos mercados de trabalho