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ENREDOS E CONTEXTOS NO FINAL DA DÉCADA DE 20 NA BAHIA: O CENÁRIO EM QUE NASCE AMABILIA VIRALONGA DE PINHO.

1 A JOVEM AMABILIA E MARIA DA CONCEIÇÃO: A AFIRMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA DE GÊNERO.

1.1 ENREDOS E CONTEXTOS NO FINAL DA DÉCADA DE 20 NA BAHIA: O CENÁRIO EM QUE NASCE AMABILIA VIRALONGA DE PINHO.

O eixo político-econômico do contexto social brasileiro nas décadas iniciais do século XX se desloca dos grandes fazendeiros e sua estrutura social agrária e se transferiu para os industriais e comerciantes, que se instalam como os novos mandatários do poder e do dinheiro e moldam a dinâmica social urbana da nova sociedade onde a linguagem sem fronteiras, que muitos desses administradores entendem, é o dinheiro. Essa nova sociedade que se forma, segue em transformação acelerada até eclodir a II Guerra Mundial. Porém há que se observar que, em todas estas transformações sociais, se manteve o conceito da permanência histórica das elites no comando das mudanças sociais sempre manobrando o jogo político em proveito próprio (MEIRELES, 2006).

Em outubro de 1929 ocorreu a queda vertiginosa de milhões de ações na Bolsa de Valores de Nova York, denominado crack que abalou o mundo inteiro (RIBEIRO, 1985). As ações perderam quase todo o seu valor financeiro e inúmeras empresas e bancos foram à falência. Com o desdobramento da crise, entre 1929 e 1932, a produção industrial americana foi reduzida em mais de 50% e, dessa forma o comércio internacional sofreu grande declínio.

O crack teve enormes desdobramentos e aumentou a polarização social e política em todo mundo nos anos de 1930. A crise levou a uma fragilidade das democracias burguesas,

colocando abaixo todas as formas ideológicas que ocultavam as relações de exploração e permitiam a realização dos lucros. Para a democracia burguesa funcionar era necessário convencer ideologicamente as massas de que com ela o povo decide quem vai governar, de que o Estado está acima dos interesses de classe.

Assim, a crise representou um grande desastre na história do capitalismo no século XX e uma devastação da economia mundial, pois a falência do modelo liberal da não intervenção do Estado inaugurou uma nova fase em que este entra para regular as relações econômicas e subsidiar o capital. Os resultados foram a pobreza generalizada das massas, uma drástica desvalorização e a aniquilação de capitais e mercadorias. A queda, evidentemente, foi mais alta nos EUA, epicentro da crise e a maior economia global (RIBEIRO, 1985).

Sem poder vender, os comerciantes também deixaram de comprar. Isso afetou a economia dos países que dependiam de exportações para os Estados Unidos, como foi o caso do Brasil, que deixou de vender milhões de sacas de café para o mercado norte-americano. Foi um grande desastre econômico que levou muitos cafeicultores brasileiros à falência (RIBEIRO, 1985), e abalou as estruturas políticas da Primeira República5. Essa situação, provocada pelo enfraquecimento econômico dos cafeicultores contribuiu para desmontar as bases políticas que sustentavam a Primeira República, um projeto que começava a se esgotar dentro do mesmo grupo que a fundou (RIBEIRO, 1985).

O contexto político-social em que isso ocorreu foi, também, de agitação e mudanças. As sucessivas crises da economia cafeeira, sustentáculo da vida republicana, haviam abalado o prestígio social da aristocracia paulista. Ao mesmo tempo, expande-se a industrialização com conseqüente urbanização e maior mobilidade social. A pequena burguesia6, que subira à cena política no início da República, começava a dar sinais de inquietação. A grande burguesia7 se dividiu, com um segmento investindo na indústria nascente e hostilizando o segmento agrário que ainda controlava o poder público (GUERREIRO, 1994).

Na Bahia não foi muito diferente dos outros estados afetados pela crise de 1929, as mudanças já ocorridas no país, potencializadas pelas crises externas com a queda econômico-

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A crise do café afetou diversos setores da economia brasileira da época, pois no café estava investida a maior parte do capital das elites econômicas. A cafeicultura era a atividade econômica mais dinâmica, pelo valor de sua exportação e por toda a importação que custeia. Sendo produzido em unidades monocultoras, as fazendas de café são os principais núcleos de consumo das safras de alimentos. Assim, a crise da economia afetou do lavrador ao empresário fabril. (RIBEIRO, 1985)

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Classe social que, embora já tenha adquirido a capacidade de ter um negócio próprio ou de assalariar mão-de- obra, não se libertou completamente da necessidade de trabalhar. Esse segmento comporta todas as camadas intermediárias entre o proletariado e a burguesia, funcionários públicos, profissionais liberais, funcionários executivos e técnicos de alta qualificação de grandes empresas etc. (RIBEIRO, 1985)

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financeira a partir de 1929, implicaram numa série de modificações no estado, tanto no seu aspecto físico como no seu dimensionamento administrativo8 (GUERREIRO, 1994). Assim, as mudanças de cunho econômico também podiam ser sentidas, mesmo que de formas e em graus de abrangências diferenciados no interior do Estado. De 1930 até 1950, a Bahia continuou dependendo, economicamente, do seu principal produto de exportação: o cacau, dependência essa que continuou até a década de 1980, mesmo após o processo de industrialização iniciado em 1950 com a implantação da Refinaria de Mataripe, que representa um marco no processo de desenvolvimento do Estado da Bahia (PINHEIRO, 1999).

Segundo Pinheiro (1999), o fenômeno da estagnação econômica da Bahia a partir de meados do século passado e de seu isolamento enquanto pólo tradicional da riqueza colonial opera uma profunda transformação na sociedade baiana, no sentido do estancamento de suas estruturas sociais e fixação do passado como referência recorrente no presente. A crise mundial de 1929 atingiu também a Bahia. O cacau, que se tornou o principal produto de exportação do Estado a partir de 1925, não foi capaz de desencadear a implantação de outras atividades econômicas que possibilitassem a diversificação da estrutura produtiva da região.

A decadência econômica da Bahia a partir da crise no final da década de 20 levou as elites a ver no controle do Estado a forma de continuidade do seu antigo poder. Uma continuidade conservadora, porque era baseada na idéia de um poder individual, sem implicações coletivas imediatas. Tudo isso fez o passado avançar, se prolongar no presente e com isto seus usos e costumes, onde a figura do ‗‘coronel‘‘ ainda é sua marca fundamental, pese à versatilidade de suas expressões (PINHEIRO, 1999).

O desgaste do poder econômico passa a ser um drama a ser aliviado pelo exercício da política. Não da política enquanto processo, enquanto dinâmica de vida social, mas enquanto aparato de Estado, enquanto poder burocrático. Poder que serve tão só para fixar uma relação de dominação sobre a sociedade, voltada para uma relação individual que não passa por nenhum projeto coletivo. A Bahia, a partir desta estagnação, entrou num processo de profunda crise econômica e perdeu de forma significativa o papel de vanguarda dos movimentos políticos que teve antes 9. De modo que, até o início da década de 60, a economia da Bahia

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Aqui a crise econômica trouxe consigo o desemprego e os desajustes sociais mais profundos, e revelaram de forma mais evidente asfissuras do sistema econômico capitalista. (GUERREIRO, 1994).

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Lembrar que a Bahia teve um papel pioneiro e esteve no centro deste cenário sintonizado com o mundo naquele período de movimentos rebeldes e vanguardistas como os republicanos antes da independência e os federalistas depois ( PINHEIRO, 1999).

caracterizou-se pela produção de produtos de base predominantemente agrícola, como o cacau, sisal, mamona e fumo, dentre outros, voltados para a exportação.

Nesta conjuntura nasceu Amabília Viralonga de Pinho10, no dia 24 de maio de 1929, em Jacobina. Paralelo às inúmeras transformações sociais e políticas da oligarquia da República Velha, um período caracterizado pela crise econômica mundial, que afetou também, mesmo que de maneira incipiente, a sua cidade natal.

1.2 JACOBINA: TECENDO HISTÓRIAS NA CIDADE NATAL DE AMABILIA