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Capítulo 3. Caracterização e Classificação dos Solos

3.3. Caracterização do Solo Tradicional

3.3.4. Ensaios Hidráulicos

3.3.4.5. Ensaio de galgamento e cambeia

O ensaio de galgamento e cambeia teve como objectivo avaliar o grau de erosão que os blocos de terra sofrem quando, nos muros das marinhas, ocorre galgamento e também quando, por diversos motivos, surgem cambeias nos muros, quer pela acção de roedores, quer pela diluição da lama nos períodos chuvosos. Este fenómeno encontra-se explorado no Capítulo 1.

Para a realização deste ensaio usou-se um bloco de terra não inteiro, ou seja, ao contrário dos outros ensaios, neste o bloco era constituído por duas partes, criando assim uma zona de fragilidade por onde a água podia passar (linha a vermelho na Figura 3.18). A criação desta zona de fragilidade foi necessária dado que as dimensões dos blocos disponíveis não eram suficientes para fazer o ensaio usando um único bloco. Esta situação possibilitou a simulação do efeito de cambeia (materializada pela zona de união dos blocos). Ao contrário dos outros ensaios, neste o bloco não tinha altura constante, ou seja era mais alto a montante que a jusante. Optou-se por esta configuração uma vez que, se o bloco tivesse sempre a mesma altura, a água passaria com uma velocidade de tal forma reduzida que ficaria acumulada à superfície do bloco, causando ainda menos erosão do que aquela que se veio a verificar. A jusante do bloco houve necessidade de colocar cubos de betão para impedir que o bloco fosse arrastado pela água.

Para conseguir medir a erosão induzida recorreu-se a um método simples que, apesar de não ser muito rigoroso, mostrou ser eficaz. Dispuseram-se marcadores que consistiam em pequenos paus de madeira (Figura 3.18) colocados a partir da superfície. Estes foram cravados no bloco a partir da superfície, ficando com uma altura inicial exposta (fora do bloco) de 20cm entre a superfície do bloco e o topo do marcador, como se pode ver na Figura 3.18. Marcou-se o ponto de contacto inicial entre o solo e o marcador com uma caneta de tinta permanente.

a) b)

c)

Figura 3.18. a) Configuração dos diversos elementos necessários à realização do ensaio de galgamento e cabeia; b) marcadores de madeira usados para medir a variação do nível da superfície do bloco;

c) esquema em planta da disposição dos diversos elementos.

Fez-se passar a água por cima do bloco de terra durante um período de 7 horas, durante 5 dias (Figura 3.19). O ensaio iniciava-se todos os dias de manhã, terminava ao final do dia e marcava-se com uma caneta o novo ponto de contacto do solo com o marcador no dia seguinte, antes de retomar o ensaio.

união entre os blocos

4

0

c

m

sentido do escoamento

a) b)

Figura 3.19. Galgamento do bloco de solo pela água: a) perspectiva frontal; b) perspectiva lateral.

Para medir a erosão superficial, foram colocados 12 marcadores (já ilustrados na Figura 3.18) dispostos como se mostra no esquema da Figura 3.20.

Figura 3.20. Planta esquemática representativa da posição dos marcadores para medição da variação da superfície do bloco de solo.

sentido do escoamento

1 2 3 4 5 7 10 11 9 6 12 8 cambeia

No Quadro 3.10apresentam-se os resultados obtidos da medição das diferentes posições da superfície do bloco para cada ponto da Figura 3.20.

Quadro 3.10. Variação da posição da superfície do solo no fim do ensaio.

Da análise do Quadro 3.10 e da Figura 3.20 pode-se tirar as seguintes conclusões:

• Os pontos 1, 5 e 12 foram pontos que registaram elevada erosão uma vez que se encontravam junto à zona de contacto entre a parede do canal e o bloco. Dado tratar-se de uma zona por onde a água conseguia facilmente passar, gerou-se aí uma grande velocidade de escoamento que aumentou a erosão do solo.

• O ponto 8, também por se encontrar perto da parede do canal, registou alguma erosão, resultado da passagem com elevada velocidade pelo espaço disponível entre a parede e o bloco, que era bastante pequeno (cerca de 0,5cm). Apesar de o ponto 12 sofrer mais com a acção do escoamento, o ponto 8 ainda se encontrava na zona afectada por este escoamento mais turbulento.

• O ponto 10 foi o ponto que mais erosão registou e isso deveu-se ao fenómeno da cambeia. A água penetrava entre o ponto 3 e 4 (daí os seus valores serem baixos) e saía com grande velocidade junto ao ponto 10. Este comportamento assemelhou-se ao descrito anteriormente: a passagem da água com grande velocidade devido ao reduzido espaço disponível entre os blocos. Formava-se então ali uma zona de escoamento turbulento. Por essa razão, a erosão nesse ponto foi tão acentuada.

• O ponto 9 encontrava-se na extremidade mais a jusante do bloco. Como a superfície deste era inclinada, à medida que a água passava ia ganhando velocidade, pelo que ao chegar perto do ponto 9 esta já era suficiente para provocar relativa erosão.

Ponto Variação da posição da superfície do solo ao fim de 5 dias (cm) 1 1,0 2 0,2 3 0,2 4 0,2 5 0,5 6 0,0 7 0,2 8 0,4 9 0,5 10 2,0 11 0,2 12 1,5

• Os pontos 2, 3, 4, 6, 7 e 11 do bloco sofreram menos erosão superficial. Isto deveu-se ao facto de o escoamento aí ocorrer de forma mais lenta. Precisamente por a água conseguir escoar pela zona de cambeia e pelas zonas laterais de contacto entre a parede e o bloco, nos outros pontos do bloco o escoamento era muito mais lento. Especialmente nos pontos 2, 3 e 4 onde se iniciava o galgamento. O ponto 6 tratava-se de um ponto muito interno, situado numa pequena depressão que acumulava água e bastante rodeado de vegetação, o que contribuiu para que não se registasse variação da superfície do bloco.

Extrapolando estes resultados para blocos de torrão existentes nos muros das marinhas, como seria de esperar, conclui-se que elementos externos são muito mais susceptíveis de sofrer erosão que os internos. Além disso, cambeias e outras descontinuidades fragilizam bastante os torrões e influenciam muito o seu comportamento, e o dos muros em geral, pois são zonas mais sensíveis aos efeitos provocados pelo movimento da água.