• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV ENSINO DE CIÊNCIAS: PRÁTICAS DOCENTES EM TENSÃO

1 O CONTEXTO DE MUDANÇAS E A PRÁTICA DOCENTE

4.1 ENSINO DE CIÊNCIAS PARA COMPREENSÃO DA REALIDADE

Sabemos que o mundo necessita de cultura científica aliada à tecnologia e à sociedade, e a escola é uma instituição responsável pela produção, divulgação e difusão do saber científico e tecnológico. E, no contexto escolar, são os professores os principais responsáveis por essa tarefa, tão complexa como a realidade.

No que se refere ao ensino de Ciências, percebo a necessidade de se praticar um ensino mais vivo e dinâmico, fundamentado na concepção de Ciência como atividade humana, social e historicamente construída. Essa idéia também esteve presente no relato das professoras, ao demonstrarem em suas concepções a visão de que o ensino de Ciências deve estar voltado para a compreensão da realidade, precisa estar relacionado ao contexto social e histórico em que está sendo desenvolvido, além de destacar o papel do ser humano na transformação ambiental:

O ensino de Ciências poderá desenvolver na criança a compreensão da natureza e do ambiente como algo dinâmico, que está sempre se modificando e o homem como agente das transformações que o mundo vive. A questão maior está em ensinar com a diferença do olhar, do encaminhamento, como se vai passar o conhecimento, a metodologia, associando o conhecimento dos conteúdos à atual realidade e às situações do cotidiano do aluno, auxiliando as crianças a entender o mundo em que vivem, as transformações do ambiente, os avanços tecnológicos, também os valores da cidadania. Acho que o ensino de Ciências pode ajudar o homem a compreender e interagir com a sua realidade. (Carla)

Na narrativa das professoras Carla, ficou evidente a preocupação em praticar um ensino de Ciências que oportunize ao aluno a compreensão da realidade ao seu redor, de modo que ele possa participar de forma crítica e consciente das discussões e decisões que permeiam a sociedade. Tal perspectiva apresenta forte vínculo com o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e alfabetização científica no ensino de Ciências.

97 O movimento CTS teve suas origens nos acontecimentos de 1960 e 1970, que causaram profundas mudanças no cenário da Europa e da América do Norte, vindo mais tarde a refletir-se no mundo. Essas mudanças pautaram-se em questionamentos em torno da ciência e da tecnologia, com relação às armas nucleares e químicas, agravamento dos problemas ambientais e seus impactos na vida das pessoas. Com base nesses questionamentos, organizações começaram a tomar corpo em prol de uma educação científica e tecnológica. Dessa forma, o enfoque CTS ganhou espaço no contexto educacional, visando promover o letramento científico e tecnológico que ultrapasse conteúdos isolados, inclusos no currículo dos alunos, sem a devida contextualização.

De acordo com Martins (2002), o movimento CTS é uma proposta pedagógica que desvincula a idéia de ciência neutra, absoluta e impessoal para uma ciência que se aproxima da realidade do aluno, trazendo significado para aquilo que é estudado. Tendo os currículos ênfase em CTS, os conteúdos e ensinos de conceitos deixam de ser prioridade. Não por serem desnecessários, mas porque sua importância será mais bem percebida pelos alunos se forem utilizados como via para dar sentido ao que é questionado nos temas tratados. Nesse sentido, há a necessidade de mudar o enfoque do ensino de Ciências tradicional e mecanicista, que tem se mostrado ineficaz para o exercício da cidadania, para um ensino mais investigativo, menos fragmentado, capaz de preparar os alunos para a compreensão do mundo.

A necessidade de um ensino que parta dos conhecimentos prévios dos alunos para a construção dos conhecimentos mais complexos também foi abordada pelas quatro professoras. Vejamos dois depoimentos significativos.

Atualmente é uma grande responsabilidade ensinar Ciências para as crianças. (...), pois é nas mãos dessa geração que está o rumo que o planeta irá tomar, não é só ensinar os conteúdos estabelecidos para a disciplina Ciências, mas considerar aquilo que o aluno já conhece e também associar o conteúdo às mudanças sociais e ambientais e aos avanços tecnológicos para essas crianças perceberem a importância dessa nova relação; nova reeducação com o homem, com a natureza, com tudo. (Elna)

A gente não precisa se prender somente aos conteúdos, eles são importantes, mas é preciso relacioná-los aos temas ligados aos problemas que vivenciamos

98

na sociedade e no mundo, outros conceitos, sabe? Além disso, a gente não pode deixar de considerar os conhecimentos prévios dos alunos... Podemos aproveitar tudo que o aluno sabe para trabalhar os conteúdos e construir os novos conhecimentos de Ciências. (Adriane)

Furió (1994), Wortmann (1996) e Porlán (1997) concordam que as pesquisas sobre o conhecimento prévio do estudante, desenvolvidas nos mais variados contextos do ensino de Ciências na década de 1980, foram um fator determinante à constatação dos problemas do modelo didático tradicional e proposição de outros modelos. Desviando o centro dos processos didáticos para o aluno, esses estudos questionam a idéia de que os estudantes sejam receptores passivos da informação e demonstram que eles têm idéias prévias coerentes e úteis sobre o mundo.

Os relatos das professoras apontam para o modelo didático alternativo de ensino, pois elas evidenciam tanto a importância dos conteúdos disciplinares quanto a dos conteúdos do cotidiano e as questões ambientais e sociais para compreensão crítica da realidade. Além disso, destacam a importância de valorizar as concepções prévias dos alunos no processo de construção de novas concepções.

Segundo Harres et al. (2005), no modelo didático alternativo, observa-se um equilíbrio. Não há conhecimentos fixos. O professor tem a função de mediador, ou seja, criar um diálogo para trocar experiências com os alunos. O modelo busca os conteúdos na análise crítica de problemas do dia-a-dia do aluno, propondo um ensino por investigação, no qual ele participará de forma efetiva do processo de construção do conhecimento. Para Porlán (1995), esse modelo de ensino se caracteriza pela atribuição de significados e experiências culturais de progressiva complexividade. Fundamenta-se no rigoroso tratamento de problemáticas que favoreçam o espírito crítico, a autonomia, o respeito à diversidade, a cooperação e a ação transformadora por uma sociedade mais harmônica com o meio ambiente.

Documentos relacionados