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CAPÍTULO IV ENSINO DE CIÊNCIAS: PRÁTICAS DOCENTES EM TENSÃO

1 O CONTEXTO DE MUDANÇAS E A PRÁTICA DOCENTE

4.2 ENSINO DE CIÊNCIAS PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

O ensino de Ciências deve ser entendido em uma totalidade, formado por diversos conteúdos que pressupõem um planejamento e um trabalho coletivo. Os professores das diferentes séries precisam estabelecer formas de trabalho que

99 contemplem não somente os temas relacionados ao meio ambiente, mas os demais conteúdos desta área de ensino.

Embora a temática Educação Ambiental seja importante para o conhecimento dos problemas que afetam, sobretudo, a realidade do aluno, o que se observa no discurso de muitos professores de Ciências e nos próprios livros didáticos é a ênfase na abordagem da questão ambiental ligada exclusivamente à preservação da natureza. Reigota (1994,1998, 2001, 2002), Porlán (1997), Amaral (1998) e Sauvé (2005) consideram que a Educação Ambiental precisa ir além da visão reducionista de preservação, proteção e/ou conservação de determinado elemento da natureza.

Já não cabe no ensino de Ciências Naturais, o estudo isolado da natureza. Visões antropocêntricas ou limitadas à fauna ou flora precisam ser superadas. Ele precisa de paradigmas que transcendam a concepção fragmentada de homem, natureza, mundo, ciência. Torna-se necessário uma reflexão mais profunda sobre as origens e dimensões dos problemas ambientais, em toda a sua complexidade. Não só ecológica, mas também histórica, econômica, ética e política. Como explica Reigota (1994, p. 10):

(...) a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza.

Para Porlán, Garcia e Cañal (1997), a Educação Ambiental é um processo do qual o indivíduo consegue assimilar os conceitos e interiorizar as atitudes mediante as quais adquire capacidades e comportamentos que lhe permitem compreender e julgar as relações de interdependência estabelecidas entre o ambiente e a sociedade, com seu modo de produção, sua ideologia, sua estrutura de poder dominante e seu meio biofísico, assim como atuar em conseqüência da análise efetuada. Os mesmos autores citados consideram que a temática Educação Ambiental é importante para o conhecimento e, se for o caso, para a solução dos problemas que afetam, sobretudo, a realidade do aluno.

Em um relato de Flávia há uma intricada relação entre o ensino de Ciências e a temática Meio Ambiente. Ela apresentou idéias de meio ambiente ligadas apenas

100 a questões relativas à preservação da natureza, deixando as questões culturais, sociais, econômicas, políticas e históricas à margem das discussões:

O ensino de Ciências pode desenvolver a conscientização das crianças, desde as séries iniciais, quanto aos problemas do meio ambiente, a preservação dos recursos, porque eu acredito, assim, que só uma formação consciente vai mudar a atitude do homem perante a natureza. Então esses são conhecimentos fundamentais para, na parte ambiental, defender, cuidar, para o seu próprio bem estar. Acho que não só as crianças, mas todas as pessoas teriam que ter esse conhecimento pra poder lidar melhor com o meio ambiente, poder melhorar o ambiente em que nós vivemos, ajudando a evitar o que está acontecendo. Acho que vai da nossa conscientização. (Flávia)

De fato, a questão acerca da Educação Ambiental na disciplina Ciências nas séries iniciais tem gerado importantes debates sobre a importância da disciplina e da escola para a definição do conteúdo ambiental. Essa instituição insere-se na própria teia da aprendizagem e assume um papel estratégico nesse processo. Assim, conforme Reigota (1998, p. 43), é possível dizer que:

(...) a educação ambiental na escola ou fora dela continuará a ser uma concepção radical de educação, não porque prefere ser a tendência rebelde do pensamento educacional contemporâneo, mas sim porque nossa época e nossa herança histórica e ecológica exigem alternativas radicais, justas e pacíficas.

A professora Flávia, embora em outros momentos, como veremos, considere outros aspectos com relação ao ensino de Ciências, apesar de um discurso com características ativistas, reportou-se apenas aos problemas ambientais ao falar sobre a importância dessa disciplina nas séries iniciais. Desconsiderou até mesmo a tendência que assume a Educação Ambiental na atualidade. Principalmente o que para Sorrentino (1998), após a Rio 92,5 são os grandes desafios para os educadores ambientais: de um lado, o resgate e o desenvolvimento de valores e

5 A II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano foi realizada

em 1992, no Rio de Janeiro. Teve como principal tema a discussão sobre o desenvolvimento sustentável e sobre como reverter o processo de degradação ambiental.

101 comportamentos (confiança, respeito mútuo, responsabilidade, compromisso, solidariedade e iniciativa); de outro, o estímulo a uma visão global e crítica das questões ambientais e a promoção de um enfoque interdisciplinar que resgate e construa saberes.

O discurso ativista da professora, de preservação e cuidado com a natureza, aponta para uma característica do modelo didático tecnológico, que é a de inserção de conhecimentos ligados a problemas ambientais aos saberes disciplinares. Esse modelo não se manifesta em outras falas da professora de forma exclusiva ou predominante. É uma evidência do ecletismo pedagógico da professora, também observado nas demais, como será discutido adiante.

5 OS CONTEÚDOS DE CIÊNCIAS NAS SÉRIES INICIAIS

Conforme Porlán (1998), a concepção dos professores em relação aos conteúdos escolares passa por distintos níveis de formulação, desde uma visão simplificada e enciclopédica até a integração de fontes diversas do entorno socioambiental. Nessa perspectiva, os dados analisados em seguida tratam da relação dos conteúdos que as professoras estabelecem com a realidade do aluno e a formação para cidadania, da importância que atribuem aos conteúdos de Ciências e a forma como selecionam os conteúdos.

5.1 A RELAÇÃO DOS CONTEÚDOS COM A REALIDADE DO ALUNO E A

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