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Há uma vasta literatura sobre ensino de física no âmbito do ensino superior, porém em sua ampla maioria voltada à formação de professores. Não nos aprofundaremos na análise da formação de professores, mas mencionaremos alguns estudos que têm, de certa forma, áreas de intersecção com o tema deste trabalho.

Entre os poucos trabalhos que se referem ao ensino da pratica de pesquisa no ensino superior está o de Senra (2000). Sua reflexão surgiu da sua prática como docente. Ele questiona se uma disciplina seria a maneira ideal de ensinar a prática de pesquisa. Conclui que é possível ensinar, mas não no sentido mais amplo da configuração do conhecimento, e sim como algo

fortemente indicativo. Comenta que a prática de pesquisa é uma tarefa social embora tenha momentos de solidão, e por isso tenta, na disciplina, envolver os estudantes na prática de pesquisa, fazendo-os sentirem-se criadores. Isso vai na mesma direção da convicção que motiva nossa pesquisa.

O autor ainda defende que além de ensinar o método científico é necessário e importante estimular uma prática científica que provoque o exercício da perplexidade, da criatividade, da mentalidade crítica e da argumentação. Discutindo sua ementa, ele ressalva que em sua disciplina aborda “os vários métodos científicos” e não “o método científico”.

Oliveira e Queiroz (2005) apresentam uma discussão sobre as habilidades da comunicação científica. Afirmam que a expressão em linguagem científica é uma ferramenta valiosa. Citam um levantamento feito pelo Journal of

Chemical Education sobre os artigos que relatam experiências de aprimoramento

da linguagem científica. Em seguida comentam o uso de artigos científicos originais, de revisão, de divulgação e de cunho didático, numa disciplina chamada Comunicação e Expressão em Linguagem Científica I. Essa disciplina é ministrada no Instituto de Química da USP São Carlos e é considerada inovadora no Brasil.

Dumrauf (2001), apresenta uma pesquisa realizada na Universidad Nacional de La Plata, Argentina. Essa proposta se baseia em uma experiência didática inovadora de uma oficina de ensino de física como parte de um curso universitário de Física Geral para alunos de Biologia e Geologia. O

A autora comenta a preocupação com a iniciação de cientistas, dado que os docentes expressam comumente descontentamento com limitações à criatividade, que as condições científicas locais impõem. Assim se forma um abismo entre a concepção de ciência que os docentes dizem ter e o que realmente fazem em seus laboratórios. Cria-se então uma imagem ideal de ciência que vai contra o que é o sistema científico.

Primeiramente os docentes relatam que são os grupos de pesquisa dos países economicamente mais poderosos que definem as linhas de pesquisa. Os grupos dos países mais fracos devem se adaptar. Relatam também que idéias demasiadamente originais necessitam ser fortemente argumentadas e por isso demandam muito mais trabalho, logo nem sempre é possível adotá-las. Relatam ainda que a originalidade das idéias é limitada, uma vez que as idéias devem ser originais, porém sem se chocar a pontos fixos. Os docentes ainda dizem que levar adiante uma linha de pesquisa sem muita originalidade dá segurança e reconhecimento por que se sabe muito sobre o que se está fazendo, mas esse saber é como saber para trás, pois não gera coisas novas. O sentimento dos docentes fica bem evidente na seguinte frase: “Bueno, hay que

publicar. Y? Como publicáis? Adaptándote” (Dumrauf, 2001, p.4).

A investigação aponta que a continuidade dessa prática de pesquisa está garantida pelo sistema tradicional de ensino, uma vez que os cursos são voltados à adaptação. Nesses cursos passa-se adiante a idéia de que o valor principal do mundo científico é a adaptação e não a criação, e essa ciência não criativa desagrada os interessados.

que uma mudança no ensino aponta para uma mudança na ciência com a quebra do sistema de adaptação. Uma experiência didática inovadora pode se converter em uma ferramenta potencialmente transformadora da estrutura científica.

Segundo o artigo é possível fazer isso buscando um espaço de criatividade em aula trabalhando, além dos conteúdos conceituais das disciplinas, com tarefas concretas que englobam aspectos relacionados à criatividade em ciência, à interdisciplinaridade, à necessidade do trabalho em equipe e à inclusão da dimensão humana no trabalho científico. Com isso se pretende trabalhar com uma visão de “ciência em processo”. O fazer científico pode se dar em pequenos trabalhos de investigação criativa. Essa necessidade de incorporar aspectos relacionados com a geração do conhecimento científico pode ser recriada em aula pela metodologia dos docentes, na tentativa de estabelecer um ambiente de aprendizagem autêntico. A autora afirma que a necessidade de gerar tal ambiente no ensino de ciências surgiu pela influência da área de estudos sociais da ciência, mencionando como referência central o trabalho de Bruno Latour.

Embora essa expectativa como um todo possa ser considerada de certa forma quase ingênua, ela nos dá indicativos que vão na direção daquilo que acreditamos. Embora saibamos que o ensino por si só nunca poderia dar conta de transformar a estrutura científica, cremos que ele possa sim dar alguma contribuição significativa.

Algumas reflexões sobre o trabalho científico, como a de Rosa (2005), podem também dar corpo ao tipo de formação que consideramos

“Em que grau há responsabilidade do cientista sobre o fruto do seu trabalho e o quanto ele tem consciência do significado do que produz nas suas pesquisas? Isso exige uma abertura da consciência do cientista quanto ao alcance e à limitação da ciência. O pesquisador geralmente escolhe seu assunto sem consciência do que dele pode resultar, acreditando sinceramente estar autonomamente decidindo movido pelo desafio, pela curiosidade ou pelo interesse de resolver problemas úteis à sociedade.” (Rosa ,2005, p.4)

Nessa perspectiva, uma experiência interessante de ensino de ciências é trazida por Marulanda (2008), que propõe uma abordagem CTS (ciência, tecnologia e sociedade) na formação de engenheiros. Ele descreve uma proposta de curso na qual são abordadas questões éticas e filosóficas, questões sobre política científica e tecnológica e participação pública. Essa abordagem se dá através do estudo de sistemas tecnológicos locais relacionados, por exemplo, com água potável, saúde, agricultura, transporte e etc.

Outro estudo é trazido por El-Hani (2006), na perspectiva da formação de pesquisadores em biologia. Desse artigo extraímos a seguinte citação:

“Pesquisadores por sua vez, não podem ignorar as relações complexas entre as ciências, a tecnologia e a sociedade, e, tampouco, as dimensões históricas, filosóficas e culturais da ciência e da tecnologia, necessitando de bases seguras para decisões de ordem ética, metodológica, etc. que devem tomar no contexto de sua prática científica” (Zimen, apud El-Hani, 2006, p.4)

El-Hani também sinaliza que “a formação de professores e pesquisadores tipicamente se limita aos aspectos teóricos e práticos das várias ciências e não fornece referenciais históricos e filosóficos necessários para sua

prática profissional” (El-Hani, 2006, p.5, grifos nossos). Ele faz ainda nesse

filósofos chegando a um conjunto de características que delineia uma visão não ingênua de ciências. Essa visão embasa uma proposta explícita de ensino sobre a natureza da ciência no contexto do ensino superior.