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4. ENSINO DE MATEMÁTICA NO BRASIL: ALGUMAS TENDÊNCIAS

4.3. O ENSINO DE MATEMÁTICA NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO

Além de delinear os conteúdos ensinados na escola e definir o modo como esses conteúdos são ensinados e aprendidos, o currículo “funciona como um dispositivo que nos ensina determinadas maneiras de perceber, significar e usar o espaço” (VEIGA-NETO, 2008, p. 27). Além disso, o autor afirma que o currículo ensina o modo como articular espaço e tempo.

Sob esse viés pedagógico pode-se afirmar que o currículo regula o tempo e o espaço da aprendizagem, seja na sala de aula ou fora dela. Isso se verifica, conforme já discutido e apresentado no Capítulo 3 dessa dissertação, com a implementação do Ensino Médio Politécnico no RS. Tendo em vista que a inserção dos seminários integrados, ao longo dos três anos do ensino médio, é a principal mudança na estrutura curricular deste nível de ensino, passou-se a observar que a escola constitui novos espaços e tempos para aprender.

Por isso torna-se relevante entender sobre os conceitos de tempo e espaço que fazem parte do ambiente escolar de um modo geral, uma vez que todas as ações e práticas escolares são regidas por esses conceitos. Por exemplo, as atividades desenvolvidas na sala de aula e na escola, assim como o horário da grade de disciplinas, o intervalo – a hora do recreio – são momentos regidos e determinados pelo tempo e pelo espaço.

Partindo desse pressuposto, Thiesen (2011, p. 242) enfatiza que “as categorias tempo e espaço estão na base da organização curricular da escola e, por essa razão, são elementos fundantes da dinâmica que orienta as rotinas escolares”.

Além disso, Perrenoud (2001 apud THIESEN, 2011, p. 246) chama a atenção “que a escola contemporânea continua com o modelo surgido como o mais racional do século XIX”. Comenta, ainda, que os cursos são estruturados em etapas anuais e seguem uma rigorosa ordem a ser percorrida, pois todas as crianças iniciam sua vida escolar com a mesma idade, seguem o mesmo programa curricular prosseguindo a cada ano de uma etapa para outra. Sob essa perspectiva, acrescenta que a escola “estabelece um lugar mais ou menos obrigatório”, assim como o tempo também é estruturado de modo a regrar e controlar professores e estudantes, pois é pré-determinado por uma grade de horários que deve ser fielmente seguida. Para cada disciplina está definido o tempo semanal de aula,

aspecto esse que representa alguns dos traços que caracterizam a organização do espaço e tempo da escola.

Explicitando um entendimento sobre noção de espaço da escola Goergen (2005, p.13, grifo nosso) esclarece que tal espaço é

dividido, com lugares predestinados que não se confundem nem se misturam. O tempo da escola é um tempo segmentado com momentos

destinados para as atividades que igualmente não se confundem nem se misturam. A escola é um conjunto de espaços e tempos que

representam um ajuntamento e não um congregamento. À semelhança de consumidores num supermercado que participam do consumo coletivo, mas nada têm de coletivo, os alunos participam do consumo coletivo de conhecimento, mas pouco partilham coletivamente. Um dos termos mais usados e apreciados pelos professores para designar a escola é o de ‘comunidade’. Seus discursos, freqüentemente, são iniciados com as palavras ‘a nossa comunidade escolar’. Na verdade, a escola tem uma orientação predominantemente individual e não coletiva.

De acordo com Goergen (2005), a organização e divisão da escola que prioriza tempo e espaço fracionados compõem um de seus objetivos. Para o autor, tem-se a ideia de que o bom funcionamento da escola pressupõe que tempo e espaço estejam bem separados, organizados e divididos, representando aos que a frequentam que a escola é boa e que oferece educação conveniente. Dessa forma, esquecem-se os reais objetivos que cerceiam todo o processo educativo e atribui-se valor excessivo a meros mecanismos que deveriam apenas servir de apoio ao processo.

A literatura produzida no campo da educação nas últimas décadas, que discute sobre currículo e trabalho escolar aponta críticas “ao modo como a escola se organiza, como ela estrutura seus tempos e espaços pedagógicos e sobre os resultados que ela vem alcançando no âmbito da aprendizagem e da formação” (THIESEN, 2011, p. 249). No entanto, o autor afirma que essa literatura, ao mesmo tempo em que produz a crítica, acredita que apesar dos limites que a escola possui ela tem

relativa condição para pensar, projetar e implementar novos modos de organização curricular e pedagógica. Sobretudo os textos que discutem currículo, organização escolar, autonomia e gestão da escola têm contribuído muito nesse aspecto (THIESEN, 2011, p. 249).

as escolas, de modo geral, continuam tratando tempo e espaço pedagógico como instrumentos racionalizáveis que podem e devem ser controlados, fragmentados, matematizados e hierarquizados, em nome de uma pretensa ordem e de uma idealizada disciplina(THIESEN, 2011, p. 249).

Ao discutir sobre o espaço e tempo referente aos processos de aprendizagem, Thiesen (2011) argumenta que ambos são diferentes do tempo formal e cronológico que define e conduz o ritmo da sociedade. Para o autor, os tempos e os espaços da aprendizagem se referem a ritmos não lineares e a experiências humanas, diferentemente de tempos e espaços adequados e já determinados. Porém, o autor deixa claro que

não se trata, pois, de abandonar a dimensão do tempo cronológico e dos espaços formais na organização da escola. Trata-se de reconhecer e considerar que cada sujeito tem seu ritmo próprio de aprendizagem e, portanto, um modo singular de pensamento, movimento e ação e que essa aprendizagem só ganha sentido na relação que esse sujeito estabelece com o outro, com o conhecimento e com o mundo. À escola cabe o papel de integrar, por intermédio de sua dinâmica curricular e pedagógica, os tempos e os espaços individuais aos coletivos (THIESEN, 2011, p. 254).

Nesse sentido, de acordo com Thiesen (2011), a escola não abre mão do tempo cronológico e determinado que organiza-a. Porém, enfatiza que é função da escola promover a integração dos tempos e espaços individuais aos coletivos.

Dessa forma, voltando o olhar às tendências do ensino de matemática apresentadas neste capítulo, verifica-se que essas tendências, de algum modo, convergem aos diferentes aspectos que constituem o ensino de matemática do Ensino Médio Politécnico. Elas sinalizam que o ensino e aprendizagem de matemática podem acontecer e ser construídos em diferentes espaços e tempos.

Essa nova prática pode ser viabilizada no contexto do que propõe a concepção da etnomatemática, da interdisciplinaridade, da pedagogia de projetos, do ensino de matemática com tecnologias e ainda na perspectiva da resolução de problemas.

A etnomatemática, por priorizar práticas de diferentes grupos sociais e étnicos; as tecnologias, por favorecerem o ensino e aprendizagem em diferentes espaços-tempos; a interdisciplinaridade; a pedagogia de projetos e a resolução de problemas por possibilitarem a articulação das áreas de conhecimento, bem como a busca pelo conhecimento além do espaço da sala de aula, são algumas das características que permitem essa relação.