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4 EXPERIMENTAÇÃO HISTÓRICO-CRÍTICA

4.3 EXPERIMENTAÇÃO NA DIMENSÃO DO DESTINATÁRIO

4.3.2 Ensino Fundamental

O ensino fundamental, atualmente, encontra-se dividido em dois momentos: anos iniciais (do 1º ao 5º ano) e anos finais (do 6º ao 9º ano). A criança ingressa no ensino fundamental aos seis anos de idade, e a entrada na escola traz uma série de transformações no desenvolvimento infantil. Asbahr (2016) afirma que a transformação mais importante para a criança, nesse momento, é referente à sua mudança na posição social. A criança, agora na condição de estudante, passa a ter de assumir determinadas obrigações, ou seja, a elas são atribuídas novos deveres e

89 direitos. Nesse sentido, as crianças precisam ter contato com um tipo específico de atividade principal, a chamada “atividade de estudo”.

Assim, a criança, agora em idade escolar, irá tirar a centralidade dos jogos simbólicos e focará em relações com os objetos e a sociedade, iniciando a atividade de estudo. É claro que a aprendizagem da criança se inicia antes de seu ingresso na escola, mas a sua entrada na escola possibilita o contato como os “conteúdos de formação teórica”, já explicitados anteriormente.

Tais conhecimentos corroboram para aquisições culturais mais elaboradas, tendo em vista a superação gradual de conhecimentos sincréticos e espontâneos em direção à apropriação teórico-prática do patrimônio intelectual da humanidade (MARTINS, 2012, p.96).

Asbahr (2016) afirma que a atividade de estudo deve visar ao máximo o desenvolvimento do pensamento teórico na educação escolar, além de salientar que as ações do professor são essenciais nesse processo. Essas ações estão relacionadas com a organização do ensino. É a chamada “atividade de ensino” que, juntamente com a atividade de estudo, formam uma unidade dialética.

Para tanto, é necessário, novamente, salientar a importância do professor nesse processo, ele é quem fará a sistematização desses conteúdos, os quais passarão a fazer parte da rotina dos alunos. Nesse sentido, advogamos pela inserção da experimentação no ensino fundamental, este deverá vir a fazer parte do planejamento da atividade estudo de conceitos científicos. A experimentação auxilia, e muito, no entendimento de conceitos teóricos que, por vezes, os alunos não conseguem assimilar apenas com uma aula expositiva. Logo, a atividade poderá contribuir para superação de pseudoconceitos rumo aos verdadeiros conceitos.

Nesse caso, a utilização de experimentos demonstrativos também é uma opção, mas, para tanto, é preciso que o professor planeje essa atividade pensando nas crianças. Ou seja, estimulando o levantamento de hipóteses, testando as hipóteses levantadas, sistematizando os dados obtidos através do experimento e, ao final de tudo, faça o confronto com experimentos do mundo natural, buscando sempre sair da visão sincrética para a sintética. Além do que, não se pode deixar de lado a inserção dos conceitos científicos nesse processo, o qual se dará através da instrumentalização.

Através disso, podemos elencar dois princípios gerais que poderão auxiliar os docentes na utilização da experimentação através de um viés histórico-crítico, quando desenvolvida no âmbito do ensino fundamental. Desse modo, anunciamos o

90 primeiro princípio que é a experimentação histórico-crítica para o ensino fundamental que deve ter como objetivo o desenvolvimento da atividade principal. Nessa fase, a atividade principal é a de estudo.

No contexto da teoria histórico-cultural, atividade de estudo refere-se a uma forma específica de atividade direcionada para a assimilação de conhecimentos teóricos, visando à formação do pensamento teórico, conforme conceituação de V. Davydov (2008). O conceito de atividade de estudo foi formulado a partir do experimento formativo realizado na União Soviética no período de 1959 até o início dos anos 1980. A atividade de estudo, como concebida por Davydov (2008), é aquela mediante a qual a criança, orientada pelo (a) professor (a), se apropria de forma sistemática do conteúdo das formas desenvolvidas de consciência social (ciência, arte, filosofia) e desenvolve as capacidades necessárias para agir nessas esferas da prática social (PASQUILINI; ABRANTES, 2016, 89).

Nesse ponto, estamos pensando na apropriação sistemática de conteúdos. Trata-se de uma consciência social que é desenvolvida através do estudo de conceitos. Logo, torna-se fundamental pensar na experimentação como parte integrante do desenvolvimento da atividade de estudo. A realização, entretanto, dessas atividades requer planejamento e organização por parte do docente, o qual, por sua vez, deve estruturar o experimento voltado para o desenvolvimento da atividade de estudo. Trata-se da apropriação do processo histórico e científico de um determinado conceito, não apenas da parte empírica dos fatos, ou seja, situar historicamente e socialmente esse dado conceito.

A organização do ensino tendo como referência a tarefa de estudo busca superar o intelectualismo e verbalismo tão presente no ensino de conceitos. Assim não se trata de garantir que a criança aprenda apenas a verbalizar um conceito, mas que se aproprie do processo lógico e histórico que produziu a necessidade e a elaboração daquele conceito, e isto só ocorre se ela estiver em atividade de estudo (ASBAHR, 2016, p. 100).

Nesse ponto, voltamos a discussão de criatividade, anunciando como segundo princípio a experimentação histórico-crítica para o ensino fundamental que deve ser planejada de modo a contribuir ao máximo desenvolvimento da criatividade dos alunos.

Existe uma produção nesse sentido, na qual os autores trazem a defesa da utilização da experimentação no ensino fundamental, porém, novamente, percebemos que eles trazem uma discussão fortemente baseada nas pedagogias do “aprender a aprender”. O discurso, mais uma vez, fica na superficialidade de que os experimentos devem vir a desenvolver, acima de tudo criatividade dos estudantes, caso contrário, está sendo utilizado de maneira incorreta.

91 O papel atribuído ao laboratório para o ensino de Ciências no Ensino Fundamental é, frequentemente, aquele de uma cópia do modus operandi dos laboratórios do Ensino Superior, ou seja, laboratórios concebidos como lugares fechados, munidos de sistemas e experimentos prontos para a mensuração de resultados já esperados. Laboratório concebido, portanto, como o lugar de variáveis rigidamente controladas e no qual a resposta nasce antes mesmo da pergunta, numa inversão lógica odiosa, tolhedora de toda a criatividade (GIOPPO; SCHEFFER; NEVES, 1998, p. 46).

De acordo com essa perspectiva, a criatividade está diretamente relacionada com o espontâneo, com pensar por si mesmo e por fim com o aprender sozinho. Saccomani (2016) afirma que a criatividade, de modo algum, poderá ser concebida como categoria espontânea ou inata, pois dessa maneira estaríamos impedindo o pleno desenvolvimento da criança, uma vez que é a instrução que impulsiona o desenvolvimento da criança e não o contrário.

Estamos pensando em uma criatividade que seja fermentada dentro do próprio processo de ensino, não se tratando de espontaneísmo. A criatividade deve ser instigada pela própria experimentação de maneira intencional e não acidental.