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CAPÍTULO II – CONTEXTO COMUNICACIONAL DO PARÁ

3.1 DOS PRINCÍPIOS LEGAIS SOBRE A EDUCAÇÃO

3.1.2 Do Ensino Médio Indígena

Nesta subseção, apresento algumas considerações sobre o ensino médio nas escolas indígenas do Pará a partir de observações centradas em minha atuação, entre os anos de 2003 a 2018, em escolas indígenas paraenses.

O ensino médio indígena no Pará é de responsabilidade da Secretaria de Estado e Educação do Pará (SEDUC). Entre 2009 e 2010, foi criada, nessa

31 Na Educação Escolar Indígena a palavra “etno” também vem sendo utilizada no sentido de

diferenciar e especificar os conteúdos das disciplinas ministradas nas escolas indígenas dos conteúdos das disciplinas ministradas nas escolas de ensino formal fora das áreas indígenas, de forma que os conteúdos das disciplinas ensinados nas escolas indígenas partam de conhecimentos tradicionais e de contextos interculturais específicos desses povos em relação à arte (etnoarte), à matemática (etnomatemática), à ciência (etnociência), entre outras.

Secretaria de Educação, a Coordenadoria de Educação Escolar Indígena (CEEIND) com o objetivo de gerir a Educação Escolar Indígena no Estado e ofertar também o ensino médio indígena. Assim, no ano de 2009, o ensino médio foi implantado, pelo sistema modular, primeiramente na escola da aldeia gavião parkatêjê; posteriormente foi implantado na escola da aldeia Sede dos Tembé do Guamá e nas escolas das aldeias Tekohaw, Cajueiro e Canindé na área dos Tembé do Gurupi.

De acordo com dados da Fundação Nacional do Índio (Brasil, 2019b: 05), o ensino médio Indígena envolve demandas indígenas de duas naturezas: pelo ensino médio propedêutico (o de formação geral, convencional) e ensino médio técnico. Embora a demanda dos povos indígenas por formação técnica seja grande e importante no sentido de contribuir para as alternativas de sustentabilidade das comunidades indígenas, o número de estudantes indígenas no ensino médio, em geral, é muito baixo. Isto ocorre devido à falta de escolas de ensino médio nas aldeias, às dificuldades de deslocamento para as cidades e ainda devido a problemas de adaptação dos estudantes indígenas à proposta curricular das escolas brasileiras em áreas não indígenas que não atendem às especificidades (bilíngue, diferenciada e intercultural) desses estudantes.

Nas escolas indígenas em que há a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), muitos alunos desistem logo depois da primeira etapa, sobretudo em razão da falta de um calendário escolar compatível com as especificidades das comunidades indígenas, em que, muitas vezes, os jovens precisam acompanhar seus pais no plantio da roça, na pesca e em outras atividades do cotidiano desses jovens dentro de suas aldeias.

As comunidades indígenas reconhecem o esforço do Governo para ampliação da oferta de vagas para o ensino médio, entretanto, o número de vagas continua sendo mínimo diante das demandas indígenas no Pará.

Um dos desafios no ensino médio indígena que vem se arrastando por anos é o da qualidade do ensino ofertada. As escolas indígenas não oferecem recursos didáticos (internet, datashow, gravadores, quadros magnéticos, livros específicos) para que os professores possam ministrar suas aulas com a qualidade esperada pelas comunidades indígenas. No entanto, observei uma a exceção, na escola da aldeia kyikatêjê no sudeste do Pará há televisão, câmera fotográfica com filmadora, internet e três computadores para uso dos alunos.

A falta de um ensino médio tecnológico e profissionalizante, em que políticas de implementação em escolas indígenas reflitam sobre o papel social do ensino médio na vida dos jovens indígenas, continua sendo um dos principais motivos para a evasão dos jovens indígenas das salas de aula. Em 2016, entrevistei um jovem de 17 anos, residente na aldeia Sede dos Tembé do rio Guamá e registrei o seguinte relato:32

“ ... eu quero terminar meu ensino médio para ingressar nas forças armadas, exército, talvez, porque não me acho preparado para fazer o vestibular para (sic) ensino superior devido à péssima qualidade do médio que eu fez (sic) aqui na aldeia, que só foi estudo, estudo de leitura e escrita mesmo. Não ensino (sic) a gente a fazer alguma coisa para depois ganhar nosso sustento. Também, fico triste por causa de que (sic) não me acho preparado também para procurar uma vaga de emprego na cidade. Já penso até em pagar um curso de informática em Capitão Poço por causa de que (sic) agora já sou casado e preciso dar um jeito pro (sic) sustento da minha família de alguma forma. ”

(T’TB – Entrevista em 10.07.2016)

Quanto ao registro do jovem indígena transcrito acima, sua demanda continua atual, pois o ensino médio indígena continua a ser pensado como uma preparação para o ensino superior ou para uma vida profissional fora de áreas indígenas. Esse fato representa um grande desafio para os jovens indígenas em razão de terem que trocar a vida tradicional na aldeia por hábitos não indígenas quando se direcionam para locais fora de suas aldeias em busca de emprego e melhores condições de vida.

Acerca da discussão sobre as modalidades de ensino médio ofertado em escolas indígenas, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (cf. Brasil, 2019b:05):

[...] quando os povos indígenas se debruçam sobre a discussão a respeito de Ensino Médio e têm acesso às informações sobre como funciona as políticas nessa área, na maioria das vezes, definem/optam por projetos de ensino médio técnico que busquem atender às suas necessidades e aos projetos societários, compreendendo que o Ensino Médio oferecido nas cidades (no caso nas escolas estaduais) e mesmo as poucas turmas existentes nas aldeias não atendem às especificidades das comunidades [...].

(BRASIL, 2019b: 05)

Na manifestação expressa em documento da Fundação Nacional do Índio observada acima, traz-se à tona a reflexão de que o problema para os jovens indígenas está na oferta de modalidades de ensino médio que não contemplam suas realidades indígenas. Certamente, caso haja maior oferta de um ensino tecnológico e profissional que atenda às especificidades desses povos eles não precisarão sair de suas aldeias.

Há questões especificas dentro das Terras Indígenas que precisam ser levadas em consideração quando se trata de ensino médio para jovens e adultos indígenas. Um exemplo é o dos indígenas Guarani-Kaioá do município de Caarapó em Mato Grosso do Sul. Em 2007, esses indígenas, preocupados com os altos índices de suicídios entre os adolescentes e com o desmatamento em suas terras, procuraram a Secretaria de Educação local para solicitar a implantação do curso técnico de agroecologia para os jovens; a solicitação foi atendida pela Secretaria de Educação. Assim, o curso implementado passou a combinar disciplinas do ensino médio regular à outras ligadas ao reflorestamento e à produção de alimentos. Essa iniciativa dos indígenas Guarani-Kaioá resultou em novas perspectivas de trabalho para os adolescentes que atuam como técnicos em agroecologia dentro de suas próprias aldeias. Atualmente, alguns indígenas Tembé do rio Guamá e do rio Gurupi e ainda alguns indígenas Waiwai, Parkatêjê, Kyikatêjê e Suruí-Aikewara estão estudando enfermagem em cursos técnicos particulares nas cidades vizinhas às suas aldeias a fim de se inscreverem em concursos públicos estaduais e/ou municipais ofertados para as suas áreas indígenas.

De acordo com o relatório Censo Demográfico de 2010 elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – ver Brasil (2012, n. p), em 2010 havia 372 indígenas fazendo o curso de Magistério Indígena em sete polos em diferentes regiões do Estado do Pará. Nesse ano, havia ainda cerca de 930 alunos no ensino médio em sistema modular e ainda 220 alunos matriculados no Projeto Ensino Médio Integrado Munduruku (PEMIM) – projeto fruto de parceria entre a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Associação Pariri que oferta cursos de Agroecologia, Enfermagem e Magistério Indígena – ver David, Melo & Malheiro (2013: 06).

Aponto ainda como um desafio para ensino médio indígena a falta de mais projetos de capacitação para os professores “não indígenas” que estão lotados em

áreas indígenas do Pará, pois a maioria desses professores ministram as disciplinas propostas na grade curricular para o ensino médio indígena da mesma maneira que trabalham em escolas não indígenas, sem conhecimento das especificidades culturais e linguísticas dos povos indígenas das áreas em que estão lotados pelas Secretarias de Educação. As aulas são ministradas por meio de livros didáticos convencionais e não por meio de materiais específicos, interculturais e bilíngues direcionados à educação indígena como garantido na Constituição de 1988.

Segundo Siqueira (2017: n.p), a falta de professores especializados em educação indígena para o ensino médio ainda é um desafio para o Ministério da Educação. Nesse sentido, uma das ações implementadas pelo Ministério da Educação é o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (PROLIND). O PROLIND apoia projetos de cursos de Licenciaturas específicas para a formação de professores para o exercício da docência aos indígenas a partir do ensino, da pesquisa e da extensão. Os projetos apoiados pelo PROLIND devem também promover a capacitação política dos professores que atuam na docência aos indígenas para que atuem como agentes interculturais na promoção e realização de projetos indígenas para as comunidades em que trabalham. Entretanto, o Programa de apoio à formação de professores para o exercício da docência em áreas indígenas implementado pelo Ministério da Educação ainda não atende à demanda de professores não indígenas sem esse diferencial, necessário para o trabalho docente em áreas indígenas.

Acerca da minha contribuição para o ensino médio indígena no Estado do Pará, como já mencionei no capítulo introdutório, iniciei neste nível de ensino em áreas indígenas no ano de 2003 ministrando disciplinas pelo projeto de Formação de Professores Indígenas em Nível Médio ofertado pela Secretaria de Estado e Educação do Pará (SEDUC) para os indígenas da etnia waiwai da aldeia Mapuera localizada na Terra Indígena Nhamunda/Mapuera no munícipio de Oriximiná no oeste do Pará – ver capítulo 2, seção (2.2). No período, ministrei duas disciplinas: Fundamentos de Língua Portuguesa e Metodologias Específicas em Língua Portuguesa para trinta e oito alunos indígenas, oriundos de várias aldeias waiwai espalhadas pela terra indígena que se reuniram na aldeia Mapuera para participar do curso de formação.

Dos intercâmbios que tive com os indígenas Waiwai desde 2003, senti necessidade de revisitar a fonética e a fonologia da língua indígena dessa etnia, que

já havia sido descrita por Hawkins (1945), o que culminou na minha dissertação de mestrado, intitulada “Estudo fonético-fonológico da língua waiwai: uma contribuição”, defendida em 2011 na Universidade Federal do Pará – ver Jucá Acácio (2011).