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CAPÍTULO II – CONTEXTO COMUNICACIONAL DO PARÁ

3.1 DOS PRINCÍPIOS LEGAIS SOBRE A EDUCAÇÃO

3.1.3 Do Ensino Superior Indígena

Nesta subseção, apresento algumas considerações acerca do ensino superior indígena no Pará a partir de minha vivência entre os anos de 2012 a 2018 em escolas indígenas desse Estado.

Segundo David, Melo & Malheiro (2013: 116), o atraso do Estado do Pará, de pelo menos uma década, para iniciar o ensino superior indígena em relação a outros estados brasileiros pode ter várias causas, entre elas: o atraso na finalização dos cursos de Magistério Indígena promovidos pela Secretaria de Estado de Educação; a pouca mobilização dos movimentos indígenas locais, considerando-se que os conflitos para regularizar suas terras, os problemas na área da saúde e outras questões que dizem respeito a sua pauta de lutas e reivindicações não lhes permitiu mais essa reinvindicação.

Em 2010 a Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciou a oferta de vagas extras em cada um de seus cursos de ensino superior após reivindicações vindas de movimentos indígenas. Nos dois primeiros processos seletivos da UFPA ofertados em 2010 e 2011, inscreveram-se 933 candidatos, resultando no ingresso de 112 indígenas em cinco campus da UEPA na capital e no interior. Os cursos com mais demandas foram os das áreas de Saúde (Medicina e Enfermagem), Direito, Educação, Ciências da Terra e Ambientais; os cursos de Licenciatura não tiveram procura à época – ver David, Melo & Malheiro (2013: 116).

Segundo Beltrão & Cunha (2011: 34), no Processo Seletivo de 2011 ofertado pela Universidade Federal do Pará, do total de inscrições, apenas 34% foram homologadas pois os candidatos precisavam apresentar documentos comprovando a conclusão do ensino médio e o pertencimento a uma comunidade indígena; porém, como as inscrições foram feitas somente pela internet, muitas fichas estavam incompletas ou continham erros de preenchimento; em alguns casos atestaram-se “trotes” e ainda preenchimentos preconceituosos. As etapas seguintes consistiam em redação em língua portuguesa com nota mínima estabelecida em 4 e entrevista com o candidato. Em contrapartida, o Processo Seletivo da Universidade Federal do

Pará do ano de 2012 surpreendeu pela baixa procura. Apenas 64 candidatos se inscreveram. Ao final, 28 foram admitidos em dezoito cursos diferentes – ver David, Melo & Malheiro (2013: 116).

A Educação Escolar Indígena no Pará vem passando por diversas mudanças tais como a promulgação da Lei nº 10.172/2001 que afirma em seu capítulo IX acerca da responsabilidade do Estado e do município sobre esta modalidade de educação; o estabelecimento das diretrizes, metas e objetivos através do Plano Estadual de Educação – ver Brasil (2001); a Carta dos Povos indígenas do Pará, escrita no período da 1ª Semana dos Povos Indígenas do Pará, no mês de abril de 2007, e entregue oficialmente ao Governo do Estado. Pautada nessas mudanças, em julho de 2012, a Universidade do Estado do Pará (UEPA) ofertou as primeiras turmas para o curso de Licenciatura Intercultural Indígena para os povos: Tembé do rio Guamá (nordeste do Pará); Suruí-Aikewara, Gavião Parkatêjê e Kyikatêjê (sudeste do Pará). Essa primeira turma abrangeu 72 indígenas que concluíram o curso em 19 de abril de 2016.

Na segunda etapa, iniciada em julho de 2013, ingressaram no curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará as turmas: waiwai (Oriximiná) e tapajós-arapiuns (Santarém).

Na terceira etapa, iniciada em janeiro de 2015, ingressou na Licenciatura Intercultural Indígena a turma: kayapo (São Félix do Xingu - PA).

Na quarta etapa, iniciada em janeiro de 2016, ingressaram as turmas: assurini do Trocará (Tucuruí – PA), tapajós-arapiuns (Santarém – aldeia Caruci) e tembé do rio Gurupi (sul da Terra Indígena Alto Rio Guamá no nordeste do PA). Assim, entre os anos de 2012 a 2016, o curso contou com onze turmas e um total 257 alunos.

Em 2014 o curso de Licenciatura Intercultural Indígena ofertado pela Universidade do Estado do Pará foi avaliado e reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação do Pará por meio da Resolução CEE Nº 321 de 15.05.2014. Em razão dessa avaliação, surgiu a necessidade de reformulação do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de Licenciatura Intercultural Indígena implementado por essa Instituição de Ensino Superior em 2012. Então, em 2016, o Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura Intercultural Indígena foi reformulado a partir de um trabalho coletivo realizado entre a coordenação do curso, assessorias pedagógicas, assessoria linguística e docentes do curso em que fui inserida na equipe responsável pela reelaboração.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Núcleo de Formação Indígena da Universidade do Estado do Pará (UEPA), a política indigenista no âmbito dessa Instituição de Ensino Superior está em consonância com a política indigenista no Estado do Pará que se desenvolve por meio de ações do seu Núcleo de Formação Indígena (NUFI), institucionalizado pela Resolução nº 2396/11 de 16.12.2011 do Conselho Universitário (CONSUN) e vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da UEPA. O Núcleo de Formação Indígena promove articulação com os diversos órgãos e entidades da administração direta e indireta do Estado que implementam ações de políticas públicas direcionadas aos povos indígenas situados no território paraense, integrando-as às ações de órgãos e entidades federais, municipais e organizações não-governamentais, atentando para as reinvindicações dos respectivos povos e respeitando a Legislação Federal – ver Projeto Político Pedagógico (2016: 02).

A permanência dos indígenas no Ensino Superior, no entanto, ainda é um desafio em razão de questões como dificuldades linguísticas, preconceitos e problemas financeiros, pois muitos estudantes passam a conviver com despesas que não tinham em suas aldeias como: gastos com moradia, com alimentação, com transporte, com livros. Para tentar minimizar o impacto da questão financeira, o Ministério da Educação desenvolveu o Programa Bolsa Permanência que oferece auxílio financeiro para estudantes em situação de vulnerabilidade econômica.33 O valor atual da Bolsa Permanência para indígenas é de 900,00 reais, porém esse valor não é suficiente para suprir os gastos que os indígenas têm fora de suas aldeias. Segundo David, Melo & Malheiro (2013: 116), há ainda Programa de Bolsas da Fundação Nacional do Índio, mas esse Programa não chega a todos os alunos indígenas. Para a garantia do acesso e permanência de estudantes indígenas nas Instituições de Ensino Superior, a Fundação Nacional do Índio também firmou termos de cooperação e convênios com universidades públicas e privadas em todo o território nacional desde 1996 – ver Brasil (2019b: 07-08).

Em razão de minha atuação no ensino superior indígena no Estado do Pará (anos de 2013 a 2017) na condição de docente do curso de Letras da Universidade do Estado do Pará, voltei novamente à Terra Indígena Nhamunda-Mapuera; dessa vez para trabalhar com o Ensino Superior Indígena pelo curso de Licenciatura

33 Acerca da Bolsa Permanência para indígenas, ver http://portal.mec.gov.br/programa-bolsa-

Intercultural Indígena. No período, pude observar que, tanto os professores quanto os alunos não se sentiam à vontade com o ensino realizado entre “quatro paredes”, seguindo horários específicos e sem um calendário escolar específico que atendesse a sua realidade. Esse fato os impedia de estarem envolvidos nas atividades cotidianas da aldeia como: fazer roça, coletar frutos, pescar, participar de cultos religiosos.

Na aldeia Mapuera observei mais atentamente a prática dos professores indígenas nas escolas waiwai e as dificuldades dos professores para ministrarem suas disciplinas por meio de materiais didáticos convencionados à escola não- indígena fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado do Pará às escolas indígenas (que não contemplavam a realidade dessas comunidades). Atestei que a falta de livros didáticos específicos causava a desmotivação dos alunos indígenas em relação ao estudo, pois a realidade daqueles livros didáticos era distante da dos waiwai. Na tentativa de minimizar as dificuldades observadas com relação ao material didático escolar em área waiwai, propus atividades de ensino por meio de estratégias didáticas que contemplassem a pesquisa de campo, a coleta de narrativas orais junto aos mais velhos por meio de entrevistas, a elaboração de materiais didáticos lúdicos como jogos bilíngues em língua waiwai e língua portuguesa, além de brincadeiras didático-pedagógicas que pudessem ser trabalhadas em ambiente externo da escola; a proposta foi de pronto aceita pelos professores e alunos waiwai. Como resultado daquela experimentação, as ações didático-pedagógicas propostas continuam a ser realizadas pelos professores waiwai da aldeia Mapuera, pautando-se nas atividades lúdicas realizadas na época em que estive entre eles nos anos de 2013 a 2017. Esse fato prova que as atividades lúdicas contribuíram para a melhoria do ensino-aprendizagem nas escolas da etnia. Não posso, no entanto, deixar de mencionar a importância de propostas mais recentes para o ensino superior waiwai feitas por colegas de outras áreas ligadas ao ensino superior indígena e que têm possibilitado aos professores waiwai novas experiências didático-pedagógicas nas disciplinas indígenas de: língua portuguesa, língua indígena, arte, história, geografia, matemática e ciências.

Atualmente, como fruto do trabalho realizado pela Licenciatura Intercultural Indígena no ensino superior nas aldeias da etnia Waiwai, já se observa maior quantidade de materiais didáticos bilíngues em língua waiwai e língua portuguesa que tratam, por exemplo, da medicina tradicional, de narrativas orais, da geografia

da área indígena, da história desse povo. Esses materiais didáticos já estão sendo aplicados na escola waiwai nas séries do ensino fundamental (1º ao 9º ano), pois os 40 alunos waiwai que participaram da graduação pela Licenciatura Intercultural Indígena, entre os anos de 2013 a 2017, já estão atuando como professores nas escolas waiwai, contratados pela Secretaria de Educação do município de Oriximiná no oeste do Pará.

Os anos de 2017 e 2018 marcam também uma outra etapa em que atuei na educação superior Indígena no Estado do Pará. Esse período deu-se em consequência da oferta curricular do curso de “Especialização em Docência em Educação Escolar Indígena” para etnias cujos alunos haviam concluído a graduação pela Licenciatura Intercultural Indígena. O objetivo do curso de Especialização ofertado pela Universidade do Estado do Pará é o de aprofundar os conhecimentos nas áreas de atuação docente em Educação Escolar Indígena, visando à formação específica nas áreas de Linguagens e Artes, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza e Matemáticas, atendendo dessa forma a uma demanda antiga dos próprios indígenas. À época, trabalhei com as turmas gavião parkatêjê e kyikatêjê, situadas na Terra Indígena Mãe Maria no sudeste do Pará – mais detalhes sobre esse povo, ver capítulo 2, seção (2.2).

Dos resultados do trabalho realizado entre os Parkatêjê e Kyikatêjê, integrado ao curso de Especialização em Docência em Educação Escolar Indígena, constam produções de jogos didáticos bilíngues em língua timbira e língua portuguesa que já estão sendo utilizados nas escolas das aldeias parkatêjê e kyikatêjê nas séries do ensino fundamental (1º ao 9º ano). As alunas que participaram do curso de Especialização já estão atuando como professoras no ensino fundamental nessas escolas, contratadas pela Secretaria de Educação do município de Marabá no oeste do Pará.

Destaco artigos que são resultado de conclusão de curso produzidos pelas cursandas indígenas em conjunto comigo, em vias de publicação: Gavião, Jucá Acácio & Solano (digitado), Sompré, Solano & Jucá Acácio (digitado), Aromkwyiti, Jucá Acácio & Solano (digitado).