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Então, hoje não tem demanda e a escola não saiu até hoje. Três governos e governadores de estado passaram e nenhum deles

[...]

Porque as comunidades lá são espalhadas e eles têm que andar muito., eles estão no interior e vão pro interior, mas eles andam muito de ônibus pra chegar. Essa escola, ela ficaria centralizada num lugar lá que atenderia todas as comunidades do entorno. E daí isso não saiu, vários projetos foram formatados na Secretaria da Educação, sempre chegava na hora do financeiro, segurava ou cortava, mudava o governador, mudava o financeiro, tentava recomeçar... E hoje não precisa mais. Interessante, né? Toda uma geração aí de estudantes que perdeu a oportunidade de estudar mais perto de casa pela inércia do Estado

Os dados apresentados anteriormente e essa situação relatada pelo juiz confirmam que a evasão e a desistência, muito mais que um aparente desinteresse das famílias, das alunas e dos alunos, reflete um perverso mecanismo de exclusão durante a escolaridade obrigatória, deixando na escola apenas aqueles julgados como os que valem investir. Trato esses casos como expulsões compulsórias.

O termo expulsão define um processo fino que torna a permanência de determinados/as alunos/as insuportável na escola. Rosemeire dos Santos Brito (2009) utiliza a expressão expulsão branda para se referir ao fracasso escolar e o baixo rendimento acadêmico, materializado nos altos índices de reprovação e evasão de alunos negros. Berenice Bento (2011, p. 558) usa o conceito expulsão para se referir às práticas produzidas pela escolas e que produzem no sujeito "[...]

a incômoda e terrível certeza de que ele não é normal e de que, se ele se sente fora do lugar, é porque não existe lugar para ele. Há um processo incessante de produção de anormalidade” . Posteriormente, Isaías Batista de Oliveira Júnior e Eliane Rose Maio (2016, p. 161) definem a expulsão compulsória como resultado

"[...] da pedagogia transfóbica na expulsão compulsória de E.T.30, camuflada sob o pretexto de fracasso escolar”. Para Isaías e Eliane, existe um processo de expulsão compulsória desses alunos e dessas alunas, e não de evasão, operado pela rejeição cotidiana, que se manifesta de formas diversas, como a negação do direito ao uso do nome social e do trânsito livre pela escola.

30 E stud ante s T rans: e stu d a n te s tra v e s tis e tra n se xu a is.

No documento Programa Fica Comigo Enfrentamento à Evasão Escolar, existe uma tabela referente aos motivos da evasão. Podemos constatar que se somarmos os campos de mesma natureza como defasagem idade/série (21,7%) e repetência (7,6%), percebemos que 29,3% dos alunos e das alunas se evadiram porque não aprenderam. Interessante notar que logo abaixo dessa tabela, há explicações que indicam que os dados foram obtidos em condições que nem sempre eram as mais favoráveis, e isso podia ser resultado da "[...] omissão dos reais motivos expressados pelos familiares, pelo próprio aluno, e mesmo das condições que a escola teve para realizar um acompanhamento suficiente”

(PARANÁ, 2009, p. 9).

Se não se conhece a verdade verdadeira, ou seja, a verdade que foi produzida para esse sujeito, a punição e a recondução se tornam mais difíceis.

Ou seja, as confissões31 que produziram esses dados não eram confiáveis, não revelaram as verdades que originaram a evasão. No discurso do Estado, ela nunca vai ser produzida pelo modo de funcionamento da escola, pelas políticas públicas que não garantem a permanência e a aprendizagem, mas sim pelos modos de se viver das alunas, dos alunos e de suas famílias.

É preciso refinar a forma de extração das verdades, ampliá-las, abarcar vários aspectos que podem originar a evasão. Para tentar compreender as causas do fenômeno da evasão e do abandono escolar, a SEED elaborou uma nova forma de extrair confissões, agora muito mais ampla, que abarca familiares, professoras/es e pedagogas/os.

O Roteiro para investigação das causas que levam à evasão dos alunos (PARANÁ, 2009) é composto de 37 itens. Cada um se desdobra em várias perguntas. Inicia com informações sobre os modos de se viver das alunas e alunos, que abarcam os seguintes aspectos: informações sobre as famílias (constituição, responsável legal, qual componente vai às reuniões e convocações escolares); deslocamento para a escola (proximidade da escola, uso de transporte, condições do transporte); renda familiar (quem compõe, colaboração

31 T e rm o usado na co n ce p çã o fou lcau tian a, c o m p re e n d e n d o a co n fissã o com o um a té c n ic a do po de r pastoral, que visa a extra çã o de v e rd a d e s (F O U C A U L T , 2008a). Essa té cn ica to m a ou tra s c o n fig u ra ç õ e s no b io p o d e r e no po d e r disciplin ar, co n tin u a n d o a fu n c io n a r com o prá tica de e xtra çã o de verd ad es.

da aluna/do aluno, período em que trabalham); assiduidade (atrasos, faltas, justificativas); condições econômicas (materiais para estudar, uniforme, beneficiário do Programa Bolsa Família); relações interpessoais (tensões na relação com professores/as, causada pelo comportamento do aluno/da aluna, ameaças); performance acadêmica (rendimento insuficiente, reprovações, aprovações por Conselho de Classe, encaminhamentos para Apoio Pedagógico, Sala de Recursos Multifuncional, especialistas da área da saúde).

Posteriormente, visa extrair verdades sobre os modos de atuar das/os professoras/es, a partir das seguintes questões: frequência e assiduidade (faltas, atrasos, reposição de aulas) e planejamento escolar (planejamento do Plano de Trabalho Docente, acompanhamento da Pedagoga na execução do plano, na avaliação e na recuperação de conteúdos).

Um bloco de questões é destinado ao conhecimento e à aplicação do Regulamento Escolar: transmissão das regras à comunidade escolar (como ela é feita para as alunas, para os alunos e para os seus familiares); aplicação de penalidades (se já sofreu alguma medida disciplinar); registro (como e onde essa medida disciplinar foi registrada).

O roteiro finaliza com o planejamento institucional, abarcando duas questões: como são conduzidos os Conselhos de Classe e como são utilizados os índices e evasão e de desempenho na Prova Brasil.32.

Nesse roteiro, tudo é confessável. Todos/as informam suas verdades sobre os determinantes da evasão, menos as alunas e os alunos que estão na condição de evadidos/as. Verdades essas que produzem para eles/as posições sociais que nem sempre gostariam de estar. Quando falam, se falam, são ouvidos/as pela ressonância daquilo que deles/as já foi dito. Como já foram capturados/as pelos discursos pedagógicos, a Ficha Fica e os Roteiros para

32 "A Prova Brasil e o S iste m a N a cion al de A v a lia ç ã o da E d u caçã o B ásica (S ae b) são av a lia çõ e s para diag nóstico , em larga escala, d e s e n vo lv id a s pelo Instituto N a cion al de E stud os e P esq uisas E du caciona is A n ísio T e ixe ira (Inep /M E C ). T ê m o ob je tivo de a v a lia r a q u a lid a d e do e n sin o ofe re cid o pelo sistem a e d u ca cio n a l bra sile iro a p a rtir de te ste s pa d ro n iza d o s e q u e stio n á rio s s o cio e c o n ô m ico s.N o s te ste s ap lica do s na q u arta e oita va séries (qu in to e nono an os) do en sino fun dam e ntal, os e stu d a n te s re sp o n d e m a itens (q u e stõ e s ) de língua portu gu esa , com foco em leitura, e m atem á tica, com foco na reso lu ção de problem as.

No q u e stio n á rio so cio e co n ô m ico , os e stu d a n te s fo rn e c e m in fo rm a çõ e s sob re fa to re s de co n te xto que podem e sta r a sso c ia d o s ao d e s e m p e n h o ”. (B R A S IL. s.d., s.p.)

investigação das causas que levam à evasão dos/as alunos/as registram aquilo que já se previa: que são os/as alunos/as e os seus modos de viver de suas famílias os responsáveis pela sua evasão. A causa da evasão nunca vai estar nos

modos de funcionamento do Estado.

1.2.3 Projeto Combate à Evasão Escolar

O elevado número de alunos e alunas fora da escola na comarca pesquisada fomentou em 2008 a criação, em parceria com o Núcleo Regional de Educação, do Projeto Combate à Evasão Escolar, cujo objetivo é construir espaços para o "[...] diálogo, com audiências públicas conduzidas pelo juiz [...], com pais e alunos, oportunizando aos mesmos esclarecimentos sobre as consequências prejudiciais de tirar o filho da escola” (AMAPAR, s.d., s.p.). Esse projeto resultou na redução "[...] em aproximadamente 50% os índices de evasão escolar” (AMAPAR, s.d., s.p.).

Na entrevista, o juiz idealizador explicou o contexto em que surgiu esse trabalho. Ele transferiu para seu projeto a lógica de funcionamento de outro, o Justiça nos Bairros33, que levava a estrutura do judiciário para fora do Fórum, agilizando os processos:

Aí eu tive a ideia, num projeto da desembargadora Joeci, que você já deve ter ouvido faiar que

chama

Justiça no Bairro,

projeto bastante premiado. Eu tive a ideia de trazer esse projeto pra cá

pra buscar algumas ideias para reduzir a burocracia, esse procedimento previsto em lei que é