• Nenhum resultado encontrado

Talvez, ainda, a questão da judicialização dos casos seja a única forma, hoje, de ajudar essas

famílias. Por que elas têm que chegar até aqui? Porque o ideal seria o CRAS agir antes, o CREAS agir antes, a assistente social, né? Mas não acontece. Então, eles vindo por aqui, o Dr pode pedir pra conduzir uma medida pra essa família. Então, a minha visão hoje é num sentido mais positivo: “Que bom que elas vão para a audiência! Que elas conseguem trazer coisas". Porque se for pra gente pontuar quanta coisa aconteceu nas audiências de evasão. Até palestras que a gente levou nas escolas, pelo

Projeto de Evasão,

palestras do

Confiar.

Que no final vieram meninas relatar bullying, o

Confiar

confirmou. Eu acho que esse é, assim, o ponto positivo. Mas a forma como as famílias recebem eu tenho certeza que é como mais uma forma de punição. É duro. Mas é o que hoje dá pra fazer. Judiciaiizar. A gente já conseguiu fazer uma coisa importante, que se você começar a conversar com o dr. (juiz)... porque a gente já mudou os processos pro CEJUSC.

Então agora a gente não judiciaiiza, porque o CEJUSC é um pré-processual. Que é uma coisa que me incomodava também. Então, a gente conseguiu agora constar ele no Pré-Infância. Não tinha antes o CEJUSC Pré-Infância e agora já tem o CEJUSC Pré-Infância. Então a gente cria todos os processos lá. Mas ele é pré-processual. Na tela é igual, mas em efeito jurídico, ele não é um processo judicial. Então já é um avanço. Os que realmente tiverem que ir pra Vara da Infância, casos mais sérios, que estejam ali outras formas de violação de direitos. Aí eles vão pra infância porque precisa ir mesmo.

Ter acesso aos direitos via judicialização retrata como as instituições que deveriam promover esses direitos não o fazem. Ao enviar a planilha para o Fórum, as escolas comunicam a evasão que, na maioria das vezes, elas mesmas produzem. É como se fosse a última instância da existência do aluno e da aluna.

Alguns/mas ainda terão garantida essa condição pela intervenção da equipe do Projeto Combate à Evasão Escolar. Mas, como as práticas que produzem a evasão continuam existindo, uma parte voltará a ter seu nome na lista da próxima planilha, até completarem 18 anos.

Em 2017 e 2018, as audiências aconteceram entre abril e maio. Em 2019, foram realizadas em abril, antecipando assim a possível volta de estudantes em situação de evasão escolar.

Durante o início do ano, a gente adiantou as audiências agora, para que os alunos sejam

chamados mais no início do ano. Por que é um processo moroso, né? Até a gente criar os

processos... leva em torno de 15 minutos pra gente criar um processo e são muitos processos. Aí

tem que remeter para o Conselho Tutelar, o CT tem um prazo pra intimar... tem um prazo de um

a 30 dias...(Equipe).

Nas audiências estão presentes o juiz, sua equipe, o promotor (se ele não pode ir, manda um vídeo de apresentação), o Conselho Tutelar, o Núcleo Regional de Educação, as diretoras, os diretores, as pedagogas e os pedagogos das escolas.

Ao final, os familiares são chamados para preencherem os Questionários de Evasão Escolar. Para agilizar o preenchimento, funcionários e funcionárias do Fórum são chamados/as, garantindo assim a rapidez. Vale ressaltar que existem municípios onde mais de 100 famílias são convocadas.

Se existem situações que impeçam a frequência como negação do pedido de matrícula, falta de vagas em creches, solicitação de serviço de apoio pedagógico, as escolas e secretarias de educação são notificados durante a própria audiência. Se existem suspeitas de violências domésticas contra os alunos e alunas, de cárcere privado, abuso e violência sexual, uso abusivo e/ou tráfico de drogas, o Conselho Tutelar e a Polícia Militar são comunicados para tomarem as providências. Se existem problemas com o transporte escolar, necessidade de solicitação de tratamento de saúde, situação de fome ou pobreza extrema, as secretarias dos municípios são notificadas e recebem um prazo para resolver e responder ao Fórum. Se existe o relato de processos judiciais por falta de pensão alimentícia, solicitação de reconhecimento de paternidade, abandono material, funcionários da Promotoria e do Fórum fazem as consultas para verificar a situação. Também é possível solicitar informações sobre a abertura desse tipo de processo.

Mas, muitas vezes, as condições que produzem a evasão persistem. Por isso, o Projeto Combate à Evasão Escolar pensa em modificar o modo como age em relação ao acesso aos serviços públicos que o aluno, a aluna ou as famílias necessitam:

Por exemplo, coisas que são urgentes, a gente poderia após a audiência, chamar todos os que não

voltaram pra escola. Mesmo os que voltaram, mas que apareceram em situações difíceis, que tem

denúncia de violência contra a mulher, contra a falta de pensão alimentícia, ou de bullying na

escola. E algumas coisas até acabam passando meio batido. Se a gente tivesse... isso é preciso melhorar. Por exemplo, caso de bullying na escola. O Núcleo só manda um ofício falando assim.,

“Conversou com o professor, [...], tá tudo certo". Mas será que não precisa chamar de novo esse aluno, ver como é que tá a situação na escola, se aconteceu de novo.

(Equipe)

Por esse relato, é possível perceber a sutileza com que age a expulsão compulsória. Oficialmente, são feitas todas as ações determinadas pelo judiciário.

Mas elas são feitas de uma forma que não produz efeitos na permanência dos alunos e das alunas. Modificar uma prática de exclusão ou de discriminação pressupõe um trabalho árduo de mudança de concepção a respeito das mais variadas formas de discriminação. Isso dificilmente acontece com uma conversa.

Nas audiências, são conhecidas muitas situações como as descritas pela equipe. Tive a possibilidade de participar de quatro delas, no ano de 2019, e de realizar alguns Questionários Evasão Escolar.

Fiz a tabulação deste instrumento entre 2015 e 2018. Ao final de cada tabulação, apresento os resultados ao juiz, que repensa suas ações a partir da problematização dos dados. Foi assim que inserimos os dados sobre situação econômica, sobre cumprimento de medidas socioeducativas e, por último, sobre cor/raça.

As falas do juiz, sempre no começo das audiências, convidam os familiares e estudantes a denunciarem o bullying, a negação da matrícula, a violência doméstica, o machismo dos companheiros e dos familiares. Chama a atenção para os sinais da violência doméstica: controle sobre a roupa, sobre o celular, sobre o ir e vir, sobre o dinheiro, sobre as amizades. Pede que essas situações sejam relatadas para ele ao final das audiências. Assim, descobriu situações de cárcere privado a que algumas alunas são submetidas.

Muitas pessoas pedem para falar com juiz ao fim das audiências. Nessas conversas, ele vai tomando conhecimento dos contextos que produzem a evasão.

Nesses momentos, aquilo que as biopolíticas transformaram em caso vão de diluindo, e as pessoas começam a tomar existências:

Juiz-

Tem outro menino que eu me lembrei dessas histórias, um menino cadeirante e não tem

déficit de educação considerável. É bem pouco, assim, e que ele tem a preferência por... Porque

assim, ele tava cheirando mal, até... Deve ter dificuldade até de tomar banho peio fato de ser

cadeirante. E ele disse que tem uma professora que trata ele... às vezes até uma paixonite de

adolescente, mas deve ser o trato também... e os outros professores tratam mal ele. E ele gostaria

de poder ter mais aulas com essa professora. Eu faiei pra direção.• dá um jeito, administra lá, não

custa atender. Porque ele quer estudar. Ele falou que o sonho dele é ser advogado, vai ser juiz e . ..