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Enterramento infantil abaixo da estrutura, no Conjunto de

Foto 27: Estrutura evidenciada no Conjunto VII, vista por outro ângulo.

No período colonial, era comum o enterramento em igrejas, já que ainda não haviam cemitérios. Os católicos disputavam um espaço no terreno sagrado, na promessa de estar em

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mais próximos de Deus. Algumas Leis Canônicas disciplinavam as práticas de sepultamento nesse período, que geralmente estavam atreladas à Ordens Religiosas e Irmandades. A mudança de espaço para enterramentos, só ocorreu na segunda metade do século XIX, com a campanha dos sanitaristas para deslocamento dos enterros para cemitérios. O processo de mudança, inicialmente acarretou desconforto na população gerando em alguns Estados, manifestações para que permanecesses as mesmas práticas, com enterramento nas igrejas.

A lógica para uma mudança de perspectiva quanto às práticas funerárias, estavam atreladas a uma redefinição de cunho geral nos moldes da sociedade brasileira. O ar de um país civilizado e conectado com os ideários da modernidade européia definiam novas práticas e alinhamento da Nação.

O século XIX marca um período de transição, do velho colonial para os moldes da modernidade empregado pelo nacionalismo. Essa mudança vai estar refletida em várias práticas, como descreve Castro (2007), sobre a campanha dos sanitaristas para disciplinar os enterramentos nas cidades.

Os médicos higienistas e as elites, que aderiram à 'ideologia da higiene', buscavam a todo custo trazer os 'ares da civilização' para o Brasil, não importando que consequências essas mudanças pudessem provocar sob o modo de vida das camadas populares. Nesse sentido, as medidas adotadas ao longo do século XIX, são exemplos: a expulsão dos mendicantes, bêbados, prostitutas, doentes e vadios das ruas; o combate aos 'vícios' e à 'imoralidade' dos escravos; o extermínio das diferentes práticas de curas existentes, para fazer com que a medicina, dita científica, subjugasse as 'crendices' e 'superstições' da população; a abertura de novas ruas e a demolição dos cortiços; a proibição dos sepultamentos nas igrejas, considerados frutos da 'vaidade humana' e da 'ignorância no perigo das emanações 'miasmáticas'; a diminuição ao máximo de tempo entre o velório e a inumação do cadáver que passaria a ocorrer em cemitério salubre, arejado distante do espaço citadino; a disciplinarização dos cortejos fúnebres, o fim da 'poluição sonora' provocada pelos toque e repiques dos sinos das igrejas e a instituição da Medicina Legal no Brasil, para diagnosticar possíveis surtos epidêmicos e auxiliar a polícia nas investigações criminais (CASTRO, 2007, p. 22).

A mudança dos enterramentos em igrejas para o cemitério não foi consenso na população brasileira. Muitos devotos não queriam perder a graça de estar sepultado em solo sagrado. Por consequência, ocorreram inúmeros levantes populares. O mais famoso descrito por Reis (2009, p. 13), fala da revolta na cidade de Salvador, no dia 25 de outubro de 1836, onde fiéis depredaram o Cemitério do Campo Santo, um dia antes da lei que proibia o sepultamento em igrejas, 26 de outubro. Esse evento, conhecido como Cemiterada, se propagou por outros Estados brasileiros, criando vários embates entre poder público e sociedade.

Em Marechal Deodoro, a solução do problema parece ter sido adequada com a implantação do cemitério entre as duas igrejas do Carmo, da Primeira e Terceira Ordem. O Cemitério Municipal da cidade de Marechal Deodoro, foi inaugurado em 1873, atrás da Igreja da Terceira Ordem do Carmo. Ao longo dos anos, com a maior demanda de sepultamentos, o campo santo foi ampliando-se para áreas atrás das igrejas. Em relatos da população, soubemos que a área que abrigava o cemitério da cidade era bem menor que a atual. No entanto, com a demanda de crescimento populacional, o poder público foi adquirindo áreas contiguas formando o atual cemitério da cidade.

Quanto aos estudos sobre sepultamentos no período colonial, as pessoas de qualquer condição social poderiam ser enterradas nas igrejas, mas havia uma certa hierarquia quanto ao local e o tipo de sepultura. Existia uma divisão entre a parte interna, e a externa (o adro, em volta da igreja). Segundo Reis (2009, p. 175), "A cova no adro era tão desprestigiada que poderia ser obtida gratuitamente. Ali se enterravam os escravos e as pessoas livres muito pobres".

Quanto à preparação dos cerimoniais de morte no período colonial, havia toda uma ritualística que era geralmente encomendada pelas pessoas antes de sua morte. Suas preferências eram testamentadas como, por exemplo, a mortalhas e demais ritos para o funeral. As roupas eram, na maioria das vezes, atribuída a algum santo de sua preferência. Para crianças, a vestimenta poderia estar associada também aos anjos celestiais como, por exemplo, para meninos até os 10 anos, era comum serem enterrados com a vestimenta atribuída a São Miguel Arcanjo.

Em relação ao enterramento de escravos e pessoas muito pobres, alguns tinham o privilégio de deixar testamentadas suas preferências, enquanto outros, eram sepultados conforme o desejo de seu senhor que, muitas vezes, cuidava minuciosamente dos ritos, por conta das leis canônicas, que obrigavam a um enterramento digno para escravos e servos, sob pena de, caso não cumprido, serem severamente punido pela igreja. Também, a intenção de um enterro digno poderia estar ligado à relação de afetividade com o morto (REIS, 2009).

No que se refere às descobertas arqueológicas do Carmo, tivemos acesso a muitas informações a partir da escavação do adro da igreja. Os resultados nos fizeram pensar no cotidiano das Ordenas e Irmandades ao longo dos anos, e suas transformações e adequações. O espaço também foi pensado a partir dessa ótica, percebendo as mudanças, as demandas de cada tempo e suas adequações.

4.3 Largo da Matriz

Enquanto estávamos realizando o trabalho do Largo do Carmo, soube que havia vencido a licitação para pesquisa no Largo da Matriz. Inicialmente os projetos iriam acontecer simultaneamente, no entanto, só começamos a trabalhar neste local no final de agosto de 2017. Após 8 meses de espera, estávamos novamente em campo, em uma área próximo ao Carmo, porém com uma dinâmica diferente. Estávamos em uma parte mais central da cidade, onde as alternativas de pesquisa deveriam ser direcionadas para novas e diferentes demandas como, por exemplo, definição das áreas de escavação e meios diferentes de interação com o público.

O projeto tinha também um diferencial: quanto ao financiamento da pesquisa. Enquanto no Carmo estávamos subordinados diretamente a empresa de engenharia quanto aos expedientes de logística, pagamento de pessoal, e demais necessidades. Na Matriz, tínhamos agora autonomia quanto aos gastos em campo. É importante relatar essa questão, pois há uma subordinação em projetos dessa natureza quanto ao controle financeiro. Os projetos estão sempre vinculado à obras e às empresas de engenharia, que tem a obrigação de contratar e gerenciar o dinheiro que irá ser gasto com a Arqueologia. Durante a experiência do Carmo, muitas vezes os engenheiros não entendiam as demandas do projeto, gerando mal entendidos quanto às questões de logística, metodologia, e demais assuntos referente a um projeto dessa natureza.

Na Matriz, o acordo foi que a equipe de Arqueologia gerenciaria a verba destinada para o projeto. Isso facilitou bastante nosso trabalho, tendo em vista que nós compramos os suprimentos necessários para realização do trabalho e determinamos os melhores expedientes para execução da logística em campo.

Como no Carmo, na Matriz alugamos uma casa próximo à Igreja Nossa Senhora da Conceição (Igreja Matriz), praticamente dentro do campo de pesquisa. Alguns arqueólogos ficaram hospedados na casa, o que facilitou o contato direto com a comunidade.

O Largo da Matriz corresponde a uma área de 11.081,62m² e, como dito anteriormente, é uma região com prédios públicos e casas residenciais. Algumas casas possuem o traçado do período colonial, em contraponto a construções mais recentes. O largo tem três ladeiras de acesso da parte baixa para a parte alta, e os principais prédios históricos são: Igreja Nossa Senhora da Conceição - Matriz da cidade, Igreja Nossa Senhora do Rosário

dos Homens Pretos e Casa de Câmara e Cadeia. Também, no escopo da proposta de pesquisa tínhamos que cobrir a praça Padre Osman, próximo a Igreja Nossa Senhora do rosário dos Homens Pretos.