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4. O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

4.6. A rotina da instituição pesquisada

4.6.1. Entrada

A chegada das crianças à escola dava-se entre as 12h30 às 14h da tarde. Essas aguardavam junto aos seus responsáveis (pai, mãe, padrastos, madrastas, avós, tios, amigos da família e babás) a autorização do porteiro para a entrada. Parte significativa destes ficava sentada em uma calçada, outros ficam em pé, alguns agachados e apoiados no muro da escola esperando o horário correto.

A calçada e o muro da escola ficavam logo à frente de uma avenida comercial e residencial bastante agitada, movimentada e acessada por pedestres e veículos no decorrer do período integral.

O portão era aberto apenas às 13h, momento em que as crianças eram encaminhadas para as salas de aulas e ficavam esperando suas professoras, que se dirigiam entre 13h15 e 13h30 para abrirem as portas e recepcioná-las.

Nesse momento, as crianças e as famílias de diferentes turmas e grupos sociais interagiam entre si, trocavam ideias, conversavam a respeito das questões financeiras, criticando a crise e o governador. Também naquela circunstância ocorriam alguns conflitos que acarretavam em frustrações entre algumas famílias, envolvendo,

principalmente, as pessoas responsáveis pelos estudantes portadores de necessidades educacionais especiais (EPNEEs) e as crianças do abrigo Respeite a Vida Você Também (ARVVT)10.

Acreditamos que tais conflitos ocorriam em função da não aceitação e o não conhecimento de comportamentos específicos e característicos de algumas crianças EPNEEs, pela comunidade, como o fato registrado na observação do dia 12 de agosto, em que uma criança, conhecida como Virgínia, portadora de Síndrome de Down, com 12 anos de idade, havia sido deixada pelo motorista da condução, excepcionalmente, tentava abraçar e beijar excessivamente outras crianças, que quando não atendido, reagia com gritos bastante acentuados, o que assustou algumas famílias e indignaram outras, gerando discussões e a postura imediata do porteiro da escola, que colocou a criança no ambiente interno, mantendo o portão fechado, uma vez que nem a professora, a diretora e a coordenadora, responsáveis, encontravam-se na instituição.

Cabe destacarmos que entre as metas da escola, apresentadas em seu PPP, estava a de realizar uma campanha de sensibilização, a cada início de semestre, relativa à aceitação e ao respeito dos alunos EPNEEs ao longo do biênio, procurando atender a toda comunidade escolar.

Após observarmos e acompanharmos tal fato, na primeira oportunidade de conversa com a professora Sofia trouxemos o assunto e perguntamos sobre a referida campanha. De acordo com ela a escola buscava promover palestras e formações para a comunidade abordando a temática, mas a presença das famílias era praticamente nula. No máximo apareciam de 5 a 10 pessoas de toda a comunidade.

Ao chegar à porta da sala de aula, as professoras não tinham o hábito de cumprimentar as famílias de forma mais prolongada ou atenciosa; geralmente falavam “oi” ou “boa tarde”.

No caso da professora Sofia, ela oscilava; às vezes abraçava as famílias e as crianças, fazia brincadeiras, conversava. Em outras, dizia boa tarde e seguia direto para a sua mesa, solicitando à enfermeira Maria Fernanda 11 que recepcionasse as crianças, ou ainda, dizia “oi” e no primeiro momento, não recepcionava as crianças e nem as famílias e seguia direto para a sua mesa, onde aguardava todos chegarem para começar as atividades da tarde.

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A instituição pesquisada atendia alunos com necessidades educacionais especiais e tinha uma equipe de apoio e recurso cujo objetivo era subsidiar essas crianças. Também atendia crianças residentes no Abrigo Respeite a vida com paz, amor e harmonia você também (nome fictício).

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Durante as observações foi possível registrarmos alguns momentos aonde a professora Sofia chegava a sua sala de aula, cumprimentava as famílias e as crianças com um discreto “oi” e solicitava à enfermeira que fosse receber as crianças. A enfermeira geralmente saía sussurrando e balbuciando meio chateada “ ai... ai... eu de novo... um...em pensar que não fui contratada para isso. Ah!”. (Observação realizada em 6/8/2009).

Tais atitudes da professora Sofia nos reportam a reflexão a respeito da importância da interação entre professor e a família no que tange ao desenvolvimento integral da criança, pois:

O Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma, em seus termos, que a família é a primeira instituição social responsável pela efetivação dos direitos básicos das crianças. Cabe, portanto, às instituições estabelecerem um diálogo aberto com as famílias, considerando-as como parceiras e interlocutoras no processo educativo infantil. (RECNEI, 1998, vol I, p. 76).

O momento da entrada na escola era uma das poucas oportunidades em que a professora, representante direta da escola tinha para interagir e construir vínculos com as famílias. O diálogo e a parceria escola-família são indispensáveis para o processo de construção do conhecimento das crianças, preparando-as cotidianamente, para exercerem desde já a sua cidadania, atuarem na sociedade e construírem paulatinamente um mundo melhor. São ainda importantes recursos para se trabalhar a diversidade, conforme lembrado no RECNEI (1998 vol I, p.77):

[...] O trabalho com a diversidade e o convívio com a diferença possibilitam a ampliação de horizontes tanto para o professor quanto para a criança. Isto porque permite a conscientização de que a realidade de cada um é apenas parte de um universo maior que oferece múltiplas escolhas. Assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro. Cada família e suas crianças são portadoras de um vasto repertório que se constitui em material rico e farto para o exercício do diálogo, aprendizagem com a diferença, a não discriminação e as atitudes não preconceituosas. Estas capacidades são necessárias para o desenvolvimento de uma postura ética nas relações humanas. Nesse sentido, as instituições de Educação infantil, por intermédio de seus profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famílias.

À medida que as famílias se despediam, as crianças iam se dispersando pela sala de aula, conversando entre si, contando as novidades. Uns permaneciam atentos e silenciosos, prontos para escutarem o comando da professora. Outros se apresentavam

mais sonolentos e os demais corriam e pulavam pela sala até serem chamados a atenção.

Após a entrada, por volta das 14 horas, Sofia cumprimentava as crianças e solicitava que todos se sentassem em suas cadeirinhas, pois a aula iria começar iniciando o que ela chamava de acolhida.