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4. QUANDO PERMANECER É UMA ESCOLHA POSSÍVEL

4.3 Guilherme: Percursos de um jovem em busca de seus sonhos

4.3.1 Entradas e saídas de diversas políticas públicas

Assim como Daniele e Luiz Cláudio, Guilherme relata, em relação à escola, não ter tido problemas como indisciplina ou dificuldade de aprendizagem. Afirma que sempre gostou de estudar, no entanto, houve outras atividades que, ao longo de sua trajetória, competiram com sua permanência na escola – o trabalho e o envolvimento em grupos artísticos.

[...] eu sempre trabalhei muito, mas graças a Deus, eu sempre gostei muito de estudar. Aí eu sempre fui envolvido com movimento artístico também, eu dançava, fazia algumas coisas e sempre implicava na questão do colégio né. Nunca dava, eu sempre começava, mas eu nunca terminava porque a gente fazia alguns trabalhos, tu sabe, né? Aí eu não tive oportunidade de concluir meu ensino. Parei, aí eu comecei a trabalhar, também trabalhei muito tempo, fazendo outras coisas, em lanchonete e tal.

Por conta de seu engajamento em grupos culturais do bairro, como o de dança folclórica, Guilherme frequentava os espaços públicos da comunidade para as apresentações do grupo, lugar em que obtinha a informação sobre inscrições em projetos sociais. Considerando-os como uma oportunidade e um incentivo do Estado, Guilherme buscava se inscrever em todos que fosse possível: “ah tal lugar vai ter inscrição pra fazer curso de não sei o que, ai a gente corria atrás, fazia né”.

Não conseguiu recordar o nome de todos os projetos dos quais participou, mas citou duas ações: projeto ABC54 e Adolescente Cidadão. Quando indaguei

sobre quais cursos fez nestes projetos, lembrou apenas que o Adolescente Cidadão realizava oficinas em que discutia o relacionamento dos jovens com sua comunidade e a família, temática recorrente em ações direcionadas aos jovens considerados pelo Estado como estando em situação de vulnerabilidade social.

Conheceu o Projovem Urbano por meio de propagandas nos meios de comunicação e por ver alunos do Programa passarem por sua rua usando a farda – uma camisa vermelha. Na época, estava passando por dificuldades financeiras, por

54 Projeto desenvolvido pelo governo do Estado do Ceará e executado pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social em parceria com associações comunitárias e prefeituras. Tem por objetivo “atender à população infanto-juvenil com atividades educativas, culturais, artísticas, esportivas, produtivas e de iniciação profissional, em parceria governo e comunidade”. Fonte: http://www.stds.ce.gov.br/index.php/protecao-social-basica/141-abc.

isso, a bolsa constituiu-se como um primeiro incentivo para sua inserção no Programa.

Depois foi que eu disse, vou dar uma paradinha [no trabalho], aí assim, aqui no Tancredo já tinha outras pessoas que faziam. Eu sempre via as pessoas passando com aquela camisa vermelha, aí eu disse: ah, eu vou fazer. Eu vi pela televisão, me inscrevi, aí tinha aquela bolsa que é um incentivo também, na época eu tava meio duro, aí eu fui fazer, fiquei e gostei muito.

Guilherme considera que aprendeu muito com o Projovem e ressalta, especialmente, o quanto gostou dos professores que acompanharam sua turma. Outro ponto destacado em sua narrativa foi o curso de qualificação profissional, avaliado como o diferencial do Programa. Seu arco era o de turismo e as aulas práticas foram ministradas no IFCE.

Os aprendizados destacados por Guilherme, para além das disciplinas do currículo formal, remetem ao termo preparamento, utilizado por Luiz Cláudio em sua narrativa:

Eu acho que hoje eu valorizo muito mais a questão de tempo, de agarrar, eu acho que o que ficou mais marcado em mim foi essa questão de valorizar o tempo, a questão do estudo, a gente sabe que hoje em dia o Ensino Fundamental ele é bem básico, o Ensino Médio assim também, então a gente tem mesmo é que buscar, tem que ter humildade de fazer as coisas, de perguntar, porque você fica um período sem estudar, então as dificuldades elas vêm e assim, o Programa ele é bem simples, então assim, eu acho que você querendo, você consegue assimilar muita coisa pra você e pra sua vida, eu acho que ficou assim pra vida eu acho que ficou isso mesmo, de aproveitar mais.

Esse preparamento também se situa no acompanhamento recebido por parte da professora de qualificação profissional, que, de acordo com a manifestação do interesse por parte dos alunos, indicava onde os jovens poderiam entregar currículos para concorrer a vagas de trabalho e, por vezes, acompanhava-os pessoalmente até o local indicado, orientando-os sobre como deveriam se comportar e se vestir nestes momentos; além disso, mandava mensagens informando sobre novas oportunidades de trabalho.

Com base nas narrativas de Luiz Cláudio e Guilherme, é possível afirmar que os aprendizados centrais que norteiam a categoria nativa preparamento

referem-se à aquisição das disposições necessárias para o ingresso e permanência no mundo do trabalho, a construção da crença na possibilidade de ascender socialmente via escolarização e incentivo ao não envolvimento em situações de risco. Considerando-o como um dispositivo que visa conduzir a conduta dos alunos, é importante refletir que os aprendizados selecionados para estes jovens estão relacionados à sua origem de classe, ou seja, ao seu pertencimento à classe trabalhadora55.

Frigotto problematiza que, enquanto os jovens da classe trabalhadora sofrem um processo de adultização precoce, tendo uma inserção precária no mundo do trabalho “em termos de condições e níveis de remuneração” (2007, p. 182), os jovens provenientes das classes burguesas “estendem sua infância e juventude” (idem). O incentivo recebido por estes jovens direciona-se à conclusão de sua escolarização, por isso, não são instados a iniciar seu percurso profissional antes de finalizar os estudos em nível superior e, por vezes, permanecem inativos até concluir a pós-graduação. Segundo o autor, “a grande maioria inicia sua inserção no mundo do trabalho após os 25 anos e em postos de trabalho ou atividades de melhor remuneração” (ibidem).

Neste sentido, Pochmann afirma que “filhos de pais pobres são condenados a começar a trabalhar cedo, não conseguem evoluir em termos de formação e acabam ocupando postos de baixa qualificação e mal remunerados que compõem a base do mercado de trabalho”56. Pondera ainda que somente durante o

ano de 2009, cerca de 500 mil jovens abandonaram o Ensino Médio para complementar a renda de suas casas. Na contramão da maior parte das políticas públicas ofertadas atualmente à juventude pobre pelos governos, o pesquisador defende que a entrada dos jovens no mercado de trabalho deve ser postergada, e aos jovens pobres isto deve ser garantido pelo Estado por meio de bolsas que

55 A classificação classe social trabalhadora refere-se ao segmento da população que “vive da venda da sua força de trabalho” (ANTUNES apud FRIGOTTO, 2007, p. 182).

56 Pochmann recomenda aumento de idade mínima para trabalhar. In: Repórter Brasil de 11/03/2010. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2010/03/pochmann-recomenda-aumento-de-idade-minima- para-trabalhar/

garantam uma renda mínima para que invistam em sua escolarização. Contudo, tal discussão não tem repercutido na agenda das políticas de juventude.

Diferentemente da maioria de seus ex-colegas, Guilherme não é casado, não tem filhos e reside com seus pais. Por isso, ao fazer referência aos outros alunos da turma, pondera que muitos frequentavam somente pela bolsa, outros para tentar recuperar o tempo perdido, mas ressalta as dificuldades que todos enfrentavam para prosseguir no curso, como o fato de terem filhos e já terem passado por “trancos e barrancos”57. Sobre este ponto, se por um lado Guilherme

avalia que a relação com os professores era ótima, por outro, considera que esse tratamento diferenciado por parte dos educadores em relação ao que é proporcionado no ensino regular, foi fundamental para o andamento do Programa. Por isso, acredita que

[...] pro Projovem tinha que ter esse molejo, porque eles [os educadores] assim, eles viam que assim, além de eles tarem lidando com pessoas que já tinham perdido um certo tempo e tinham vivências assim difíceis que é muito difícil, assim eu não estou fazendo média, mas a gente morar num bairro que é muito complicado, a violência dos jovens é muito grande, as meninas elas começam a vida... Têm filhos muito cedo, e dificuldade mesmo, de dinheiro, de outras coisas, de falta de oportunidade, então eu acho que eles fizeram bem esse jogo de cintura, tinham molejo, conversavam, eu acho que eles conseguiam quebrar essa barreira, eu acho que eles eram bem professor-amigo.

Por meio do Projovem Urbano, Guilherme tomou conhecimento da existência do Programa CredJovem. Acredita que a existência destes dois projetos e o acesso à informação foi fundamental para que hoje tenha seu sonho realizado: possuir seu próprio empreendimento, sua microempresa.