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4. QUANDO PERMANECER É UMA ESCOLHA POSSÍVEL

4.2 Luiz Cláudio e o orgulho de ser aluno do Projovem

4.2.2 Sentidos e significados de ser um líder de turma

No Projovem Urbano em Fortaleza, por iniciativa da coordenação municipal, os núcleos elegem alunos como líderes de turma que passam a assumir algumas responsabilidades dentro do Programa – participar das reuniões para as quais são convocados pela coordenação, repassar os informes dados nestas reuniões para os demais alunos de seu núcleo e contribuir com atividades previstas pelo Programa como a confecção do jornal da escola.

Luiz afirmou que, inicialmente, não desejava ser líder de turma, contudo, ao narrar a forma como foi eleito, tive a impressão de que esse desejo existia; mas por algum motivo, não quis demonstrá-lo de imediato. Duas semanas antes da eleição, sua professora indagou-lhe se gostaria de ser o líder, ao que respondeu: “tá, se der certo, tudo bem, se não der certo, não tem problema”.

No dia da eleição, a educadora disse à turma: “o polo está cobrando o líder, então quem é que vai se candidatar?”50. Luiz aguardou, e, diante da relutância

de seus colegas, foi, então, o primeiro a levantar a mão. Em seguida, outros cinco se candidataram. Após a votação, quando outro aluno havia ganhado, a professora disse: “olha, mas esqueci de dizer uma coisa, tem que ter acompanhamento do jornal, tem reunião semanal, isso e aquilo outro”. Depois desta informação, aos poucos, todos os outros candidatos foram desistindo.

O termo líder de turma, num primeiro momento, pode sugerir algum tipo de organização política, de forma independente, articulada pelos jovens do

50 Nesta fala, a professora se referia à coordenação do Programa, divida em coordenação municipal e coordenação dos polos.

Programa, no entanto, não ocorre deste modo. As reuniões são convocadas e conduzidas pela coordenação municipal, tendo inclusive sua pauta definida pela instituição. Apesar de o termo ser correntemente usado, segundo um coordenador pedagógico de polo do Programa, na verdade, os alunos não são líderes de turma, mas representantes de turma e teriam como papel repassar informações para os demais alunos e facilitar o trabalho do Projovem.

Quanto à questão da participação dos líderes, que a gente chama de representante de turma, geralmente os representantes de turmas eles vão, eles são escolhidos pelos alunos, e eles representam todos aqueles alunos para justamente passar as informações e facilitar o trabalho entendeu? Pra facilidade do trabalho, por exemplo, o jornal, esse trabalho das discussões da elaboração da equipe lá do núcleo é responsabilidade do professor e do líder, do representante de turma, e às vezes nem dá certo, entendeu, ele junta ali o grupo e acaba por uma pessoa às vezes nem ele entra nessa história, outra pessoa acaba fazendo o jornal, mas nenhum texto é produzido pelo professor, só pelos alunos, e ai acaba, por exemplo, na questão de estruturação, diagramação essa coisa toda, o professor que vai fazer tudo, porque o aluno não tem essa responsabilidade, aliás não é que ele não tenha, às vezes ele não quer, por isso que tem algumas limitações (Coordenador pedagógico de polo, entrevista em profundidade, 13/10/2011).

Neste ponto, recordo Miguel Abad (2008) quando propõe que as políticas públicas se constituem como um investimento do Estado e, para além dos benefícios que pode trazer aos seus beneficiários, também gera um retorno político para o próprio Estado. Alcançar bons resultados e torná-los públicos contribui para a construção da imagem de uma política pública exitosa e para o aumento do capital político do Estado, desta forma, a colaboração dos jovens para o bom andamento do Programa seria um elemento importante neste processo.

Com base nesta problematização, considero importante refletir sobre a participação dos jovens na avaliação do Programa do qual participam. Ao analisar o campo das políticas de juventude, Elisa Castro (2011) propõe uma classificação dos atores sociais que o compõem. Contudo, em nenhum momento os “jovens de Programa”51 são considerados como interlocutores de um possível diálogo sobre as

51

Regina Novaes (2006) caracteriza como “jovens de projeto” os jovens que participam de projetos ofertados por instituições não-governamentais com financiamentos de agentes privados e públicos. Utilizo o termo “jovens de Programa” para designar jovens que participam de projetos e Programas ofertados diretamente pelo próprio Estado.

ações nas quais estão engajados. Os jovens considerados “atores políticos” deste campo são aqueles que participam de grupos e organizações com alguma institucionalidade e, de forma direta ou indireta, são considerados os representantes do conjunto dos jovens, ou seja, têm sua fala autorizada pelos outros agentes.

Esta questão é central, pois muitas vezes, as organizações juvenis que compõem os espaços institucionalizados de participação, como Conselhos de Políticas Públicas, não possuem diálogo com os jovens que participam das ações governamentais, sobretudo, as compensatórias, como é o caso do Projovem Urbano. Nesta perspectiva, os jovens chamados para avaliar e debater os rumos destas políticas as conhece apenas a partir das avaliações apresentadas pelo próprio governo, limitando sua capacidade de intervenção. Ademais, percebe-se que o campo busca o reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos, mas, no momento em que privilegia a fala dos jovens organizados, acaba definindo quem pode falar em nome de todos os jovens.

No Projovem Urbano, o uso da categoria aluno que participa ou que se destaca produz uma distinção em relação àqueles que não assumem tal postura, demonstrando uma valoração positiva daqueles jovens que se dispõem a contribuir com as atividades definidas pelo Programa para além de frequentar a sala de aula. Dentre as ações que podem ser empreendidas para se destacar estão: auxiliar o educador durante as aulas, ir aos eventos e reuniões, quando convidado, tornar-se líder de turma, ajudar a organizar o jornal da escola, dar sugestões de como melhorar os processos e ser um elo entre os profissionais do Programa e demais alunos.

E outros alunos que eu não posso esquecer também como a Ingrid, que ela passou a ser meu braço direito porque tudo quem resolvia lá no [Colégio] [...] era eu, então assim, tinha que ter um representante para ir para a atividade tal, então era a Ingrid. Ela era representante de turma, ela era a representante do jornal, ela era tudo. Porque ela era comprometida, mesmo com todos os problemas dela porque nós sabemos que o público dos jovens do Projovem a maioria são mães, ou trabalham, e muitas vezes não tem essa disponibilidade. E muitos nem querem, muitos estão pela bolsa, outros não, mas muitos sim, e ela assim cresceu muito (Luíza, educadora de ciências humanas, entrevista em profundidade, 03/04/2012).

Por diversas vezes Luiz usou a expressão “eles valorizam muito isso” denotando um conhecimento prático ou um senso do jogo, no sentido empregado por Bourdieu (2009), em que há certas práticas que são valorizadas e incentivadas pelos profissionais do Projovem e, consequentemente, condutas que, em oposição, são condenadas. Entre as atitudes apreciadas pelos professores está o ato de prestar contas por suas faltas. Ao faltar, é considerado importante que o aluno entre em contato com o educador para justificar sua ausência e demonstrar seu interesse em continuar no Programa. Para os alunos, caso o número de faltas exceda os 25% permitidos, é essa justificação que permite que sua bolsa não seja cortada.

Para Luiz, a função de líder de turma, por vezes, constituía-se como um peso, em virtude do que considera como responsabilidades do papel.

De uma certa forma, é bom, né? Mas ao mesmo tempo é um peso muito grande nas costas, se você não saber levar no descontraído. Porque é o seguinte, quando que você diz “eu vou pra tal canto”, os outros dizem, “ah, eu vou também”. Então, tudo o que tu faz, de uma certa forma, eles se espelha, querendo ou não. É interessante isso, uma vez eu peguei e disse desse jeito: “Rapaz, eu não vou pra tal canto não”. O professor “pelo amor de Deus não faz isso não, Luiz”. Eu disse “por que professor?”. “Porque se tu não for ninguém vai. Você tem que incentivar”.

Ao mesmo tempo em que a função de líder tinha o papel de incentivar os alunos a estudarem e participarem de outras atividades, na leitura de Luiz, a liderança, de certo modo, também se relacionava com uma função disciplinadora. Deste modo, também buscava conversar com os alunos e alunas, mostrando, quando julgasse necessário, a forma correta de se comportar na escola. Neste trecho, relata um conselho que deu a outros líderes de turma sobre como proceder para chamar a atenção de uma aluna, pois estes não estavam sendo “ouvidos” pelos demais colegas de núcleo.

Não, você deve brincar, mas você tem que ter um pouco de cautela de não passar pra pessoa que você tá repreendendo. Você tá chamando a atenção pra incentivar a pessoa. Nunca você deve dar um carão, você tem que pegar e chamar. Porque a maioria das vezes o que é que eles fazem, ele pega chama o aluno e chama a atenção na frente de todo mundo, eu não faço isso. Vamos dizer, você tá estudando comigo, eu vi que você tá fazendo errado, eu vou pegar e “olha fulano, eu não gostei disso, não ficou legal, isso que você tá passando para as outras pessoas, vai chegar mais lá na frente e os outros vão pensar uma coisa ruim de você. Às vezes, você nem é aquilo, mas o que é que acontece, você vai passar esse papel,

depois a pessoa vai lhe dar uma cantada, vai fazer alguma coisa e você vai achar ruim. Então eu peço até desculpa, mas tenta pegar e dar mais um equilíbrio, ter mais cuidado com isso, você é casada, tem que ter cuidado.

Este relato deixa entrever a tentativa de Luiz em conciliar seus múltiplos pertencimentos e os valores e condutas subjacentes a cada campo – o líder de turma do Projovem que é, ao mesmo tempo, um jovem membro de uma igreja evangélica. Neste sentido, busca estratégias para amenizar o discurso permeado pela moral religiosa a fim de não causar conflitos com seus colegas e a consequente perda de reconhecimento por parte da turma.

A dimensão da identificação com os jovens participantes do Programa e do orgulho em fazer parte do Projovem é declarada por Luiz ao narrar sua participação na II Conferência Municipal de Juventude. A discussão da qual participou tinha como temática a questão da ciência e tecnologia, e o grupo, segundo Luiz, era composto prioritariamente por jovens universitários.

Era um tema que falava sobre multimídia como a participação da comunidade, eu era o único do Projovem, o resto era tudo universitário, jornalista. Sabe o que foi que a Maria [coordenadora de polo] disse? Luiz, eu fiquei admirada, os outros disseram que tu se destacou nos projetos lá de dentro. Porque tu era o único aluno do Projovem lá dentro. Aí eu peguei, eu sou aluno, mas os cara acha que são só universitário, são jornalistas, eu sou um ninguém que não posso representar? Nada disso. Se me colocarem ali, eu tenho que fazer a diferença, eu sou assim, poxa.

Eu sou aluno do Projovem e tenho orgulho disso, eu tenho orgulho. Não é que eu queira pegar e ser melhor que ninguém não. Eu não tenho o primeiro grau, tudo aqui vocês são formados, eu sou um aluno, vocês são vinte e quatro. Olha aí a diferença, vocês tem que ter uma ideia muito mais além, não é uma coisa metida, temida, só pra classe alta. Nada disso. Tem que olhar também pra comunidade, pra periferia porque d’acolá é que sai sabe o que? Jogadores, cantores e fazem a diferença. Mostram a arte aí, e tá expandindo, é nisso que vocês têm que ver.

O orgulho em fazer parte do Projovem parece advir não apenas de uma afinidade com o Programa, mas, considerando que se tratava de uma situação de interação com jovens de escolaridade e poder aquisitivos mais elevados, pode relacionar-se, também, com a existência de atributos compartilhados com seus colegas de Programa, jovens pobres e não escolarizados, imprimindo um sentimento de pertencimento grupal (SIMMEL, 2006).