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6. A PARTICIPAÇÃO NO PROJOVEM URBANO COMO UMA EXPERIÊNCIA

6.3 Narrativas sobre processos de escolarização: comparações entre a escola

Um primeiro aspecto ressaltado pelos educadores e coordenadores interlocutores desta pesquisa como um diferencial entre a escolarização ofertada pela rede básica de ensino e o Projovem Urbano refere-se à atuação dos professores da educação básica como especialistas de sua área e Professor Orientador de turma. Esta dupla atuação é considerada pelos profissionais como um elemento distintivo do Programa em relação ao ensino de jovens e adultos ofertado no ensino regular, possibilitando a oferta de uma educação “diferenciada”.

Esse diferencial se manifestaria na prática pedagógica do Projovem através da possibilidade do estabelecimento de vínculos afetivos entre educadores e alunos. Esta relação é considerada por muitos educadores uma questão chave para a permanência dos jovens no Programa. Desta forma, em suas falas buscam enfatizar que há uma dinâmica do fazer docente no Projovem “diferenciada” em relação ao ensino regular. Segundo um educador que participou de um dos grupos focais da pesquisa de avaliação do Projovem, “a própria formatação do Programa impõe um olhar diferenciado do professor para com o aluno”. Da mesma forma, para o coordenador pedagógico,

O Projovem Urbano, no seu formato curricular, possibilita a permanência desse vínculo, do educador com a turma, o que acaba possibilitando um acompanhamento mais direto do educador a cada jovem particularmente. Este é um elemento que contribui bastante para a construção de uma relação com esse jovem que é diferente da relação que é estabelecida normalmente na escola regular. Penso que há uma maior preocupação de todas as pessoas que estão no Programa em acolher o jovem, assegurar que ele permaneça, em buscar alternativas para que ele permaneça, então o jovem trabalha, é muito mais fácil discutir como é que ele continua

trabalhando e estudando, se tem filhos, no Projovem é muito mais fácil discutir como continua estudando e cuidando do filho, então os problemas pessoais do jovem, que normalmente o impedem de ir para a escola, no Projovem eles acabam sendo tratados mais pessoalmente e o Programa possibilita um vínculo pessoal dos educadores com o jovem (Coordenador pedagógico municipal, entrevista em profundidade, 19/08/2010).

Neste ponto, é importante enfatizar a dimensão interpessoal das relações sociais. Simmel argumenta que, para além dos conteúdos específicos de cada interação social, como os interesses materiais, impulsos ou finalidades, todas as “formas de sociação são acompanhadas por um sentimento e por uma satisfação de estar junto socializado” (2006, p. 64). A interação social em si, segundo o autor, possui um papel simbólico que pode preencher a vida dos indivíduos e fornecer um significado que “o racionalismo superficial busca somente nos conteúdos concretos” (2006, p. 65).

A importância de estar junto e interagir também foram evidenciados em outro contexto etnográfico, junto a estudantes de uma escola pública de nível médio em Fortaleza. A maioria dos alunos entrevistados afirmou que gosta da escola e o aspecto mais relevante é a oportunidade de interagir com amigos e, em segundo lugar, com os professores. Somente em terceiro lugar referiram-se ao ensino ofertado pela instituição (NASCIMENTO, 2010).

Se num primeiro momento, o contato inicial com os alunos é relatado por alguns educadores do Projovem como um evento que gerou “choque”, acontecimento a partir do qual se aperceberam da distância entre suas vidas e a realidade cotidiana dos jovens que passariam a ser seus alunos, aos poucos os relatos buscam evidenciar a construção de uma relação próxima entre educadores e jovens.

[...] hoje eu não tenho receio de eles sentarem comigo e conversar, porque eles realmente procuram a gente pra conversar sobre tudo, desde as coisas que a gente pode considerar a maior bobagem, sobre assuntos que são extremamente relevantes para eles e essa experiência todos nós vamos levar (educadora da participação cidadã em grupo focal, agosto de 2011).

Nesta perspectiva, a prática “diferenciada” decorreria da percepção de que os alunos do Programa são “diferenciados”. Os educadores afirmam que os

alunos do Projovem requerem que os professores escutem seus problemas e vitórias pessoais. Luiza, educadora da área de ciências humanas, chegou a afirmar que mantêm contato com alguns alunos mesmo após o término do Programa, assim como outros educadores o fazem e se colocam no papel de educadores no sentido de também dar orientações ou de “conduzir” a vida dos jovens por meio de conselhos e orientações.

Contudo, na pesquisa de avaliação do Projovem Urbano em Fortaleza (2011)71, quando os alunos foram inquiridos sobre quais são as diferenças entre o Projovem Urbano e as escolas onde tinham estudado antes, as principais respostas foram: “As aulas do Projovem são mais interessantes / O ensino é melhor / Os

conteúdos são melhores” (22,3%); “A atenção e dedicação dos professores /

Convívio entre alunos e professores é mais próximo” (16,1%); e “Os cursos de

qualificação profissional” (13,2%).

Em consonância com as informações apresentadas na pesquisa, Igor afirmou que o que mais gostou no Projovem Urbano foram os estudos, pois chegou ao Programa por sentir necessidade de aprender e vê por meio deles a possibilidade de seu crescimento pessoal e cultural. Em segundo lugar estariam os professores do Projovem em virtude da relação que é estabelecida com os alunos. Neste sentido, os educadores são representados como atores centrais para a escuta e acolhida de suas questões como no relato a seguir:

É quem a gente usa muitas vezes como psicólogo, é quem a gente desabafa os problemas de casa, do trabalho, o sentimental e aí muitas vezes, não, eles conseguem entender quando a gente tá faltando, e se esse aluno chega, ele se abre e diz que ta faltando porque tá envolvido com drogas ou porque está doente, ou porque acabou o relacionamento com a namorada (Igor, ex-aluno do Projovem Urbano, 30 anos, entrevista em profundidade, 16/08/2010).

As falas evidenciam que as relações afetivas estabelecidas ao longo da execução do Programa possuem significados distintos quando considerados os

71 Pesquisa realizada pela Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Juventude e Coordenação municipal do Projovem Urbano em 2011. Uma parte dos resultados desta pesquisa foi divulgada na publicação: Projovem Original e Urbano – 25 mil motivos para se orgulhar

discursos dos educadores e dos alunos. Se por um lado, os jovens também ressaltam a importância da proximidade entre professor e aluno, por outro, colocam que essa atitude faz parte do trabalho destes profissionais. Desta forma, o jovem Igor, por exemplo, atribui essa postura diferenciada dos educadores a uma obrigação de sua função, uma vez que lidam com jovens que possuem demandas e históricos distintos em relação aos alunos do ensino regular.

Eu acho que os professores do Projovem eles têm uma obrigação a mais de mostrar pra que veio. Eles estão lutando justamente com aqueles alunos que desistiram de tudo, que estão com índice de defasagem muito grande escolar, que já tá com cinco ou dez anos sem estudar, e que realmente desaprendeu muita coisa, esqueceu muita coisa, que a cabecinha da gente se não tá ali exercitando todo tempo, vai enferrujando, pois o professor do Projovem ele tem uma força maior na hora de ensinar, ele tem que ter um jogo de cintura maior para poder conciliar aquele aluno que já estava desinteressado dos estudos ou que por ventura possa estar ali só por causa da história da bolsa de cem reais. Então, ele tem que fazer valer aquela profissão dele e fazer valer pro aluno, tem que fazer com que o aluno se encante mesmo pelo ensino, se interesse em estar inserido na sociedade no meio de estar ali junto com os alunos aprendendo cada vez mais, não só na grade curricular, mas aprendendo outros valores. O professor do Projovem tem sim essa doação maior e essa responsabilidade maior (Igor, ex-aluno do Projovem Urbano, 30 anos, entrevista em profundidade, 16/08/2010).

Neste sentido, a visão do jovem ex-participante do Projovem sobre os educadores, apresentada neste relato, distancia-se das representações sobre a atuação dos professores da educação básica presentes em pesquisas sobre o ambiente escolar no Brasil. Corti et.al., por exemplo, em sua investigação sobre o encontro das culturas juvenis com a escola em São Paulo, afirma que entre as diversas críticas dos jovens à escola está a questão da dificuldade de construir uma boa relação com os professores, pois estes se consideram “superiores aos alunos, criando um abismo que impede um contato mais próximo” (2001, p. 18). Assim, segundo a autora, “os jovens acreditam que muitos não têm consciência de sua responsabilidade, agindo como se exercessem uma profissão qualquer” (CORTI, et al., 2001, p. 18).

Uma dimensão importante para evidenciar os diferenciais entre o ensino oferecido nas escolas públicas e o Projovem Urbano foram as reivindicações dos jovens para que houvesse um Projovem que ofertasse o Ensino Médio. Em diversos espaços vi jovens intervirem para defender que o Programa fosse estendido para

que pudessem concluir o ensino básico tendo um ensino em condições semelhantes às que estavam tendo. Camila, que foi entrevistada num período próximo à conclusão do seu curso, afirmou que estava triste com o fim das aulas e que, se houvesse um Projovem para o Ensino Médio, com certeza continuaria seus estudos por meio do ingresso neste Programa. Apesar de presenciar falas de profissionais que gostariam que isso ocorresse, esta discussão não encontrou ressonância no conjunto do Programa.