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Entranhando informações –técnica Vianna

Seguindo a proposta de Gail Weiss (1999), de que deve ser mais eficaz para a anorexia uma abordagem a partir do corpo, levantamos a hipótese de que práticas de movimento que estimulam a criação de novas imagens do corpo podem ajudar a aproximar a realidade corpórea da anoréxica do seu fluxo de imagens, diminuindo as distorções imagéticas que a pessoa produz.

Não estamos dizendo que todo e qualquer exercício físico é benéfico nesse caso. As anoréxicas costumam praticar atividades físicas durante horas para perderem peso, mas trabalham o corpo sem afetar consistentemente sua imagem corporal. Sua preocupação está em gastar calorias e não em provocar alterações no modo de perceber e lidar com o próprio corpo. Por isso, descartamos de imediato todos os exercícios que utilizem o sistema nervoso meramente para comandar as ações dos membros, tronco e cabeça, sem nenhuma preocupação a respeito das transformações ocorridas ao realizar esses movimentos.

No século passado, alguns pesquisadores corporais se interessaram pelas possibilidades de reabilitação e melhoria da qualidade de vida por meio do movimento corporal. Diferentemente da abordagem da fisioterapia, que propõe uma execução meramente mecânica dos exercícios, esses profissionais, além de estudarem o funcionamento do corpo segundo a anatomia, fisiologia e cinesiologia, perceberam que ao levar a atenção para a execução do movimento há uma alteração no modo como percebemos o próprio corpo e como fazemos uso dele. Essas pessoas criaram técnicas

especificamente para essa finalidade. Entre elas estão a eutonia6, técnica de Feldenkrais7, técnica de Alexander8, pilates9, GDS10, Bartenieff11. Esses criadores foram normalmente pessoas ligadas à dança que tiveram algum problema de saúde durante a vida, minimizado por meio de exercícios desenvolvidos pelos próprios. Assim, dedicaram-se à pesquisa e sistematização de suas técnicas terapêuticas para beneficiar àqueles que se submetessem a ela.

Foi escolhido para esta pesquisa o trabalho do casal brasileiro Angel e Klauss Vianna, que, diferentemente dos citados acima, não foi criado com uma finalidade terapêutica ou de reabilitação, e sim com uma finalidade artística. No entanto, após anos de experiências, os desdobramentos dessa prática de trabalho atingiram outras áreas de conhecimento, como a da saúde e da educação e, no caso específico da anorexia, têm-se mostrado bastante eficientes.

6 Criada pela alemã Gerda Alexander (1908-1998), a eutonia é uma prática corporal que visa ao equilíbrio do

tônus muscular (capacidade das fibras musculares modificarem sua elasticidade), aprendendo a movimentar- se dosando o gasto de energia segundo a necessidade do momento.

7 Técnica criada por Morse Feldenkrais (1904-1984) para flexibilização dos hábitos de postura, de movimento

e de percepção. Criou inúmeras sequências que desenvolvem uma forma de pensamento cinestésico, aguça as capacidades de percepção e controle dos movimentos. A atenção consciente é levada ao pano de fundo proprioceptivo das ações utilizando a imaginação, o movimento, a orientação espacial, as sensações de esforço, de forma e de volume (http://www.incorporando.net/feldenkrais.htm).

8 Frederick Matthias Alexander (1869-1955) criou esta técnica que pretende, através de movimentos que

estimulam a auto-observação, melhorar nosso desempenho diário pela redução da tensão, da rigidez e da energia gasta desnecessariamente na execução de atividades cotidianas (http://www.ceta.com.br/tecnica.htm).

9 Método criado por Joseph Pilates (1880-1967), também conhecido por contrologia, é um sistema de

exercícios que visa a trabalhar o corpo uniformemente, corrigir a postura, desenvolver a vitalidade física, aprimorar a conexão mente-corpo.

10 Método criado por Godeliève Denys-Struyf, que trabalhou com o conceito de “cadeias musculares”,

integrando o funcionamento do corpo e suas conexões com o comportamento psicológico. É um método de leitura da postura, dos gestos e formas do corpo, que utiliza o movimento como princípio para a reeducação dos mesmos.

11 Irmgard Bartenieff (1900-1981), discípula de Rudolf Laban, criou, a partir do Sistema Laban, os Bartenieff

Angel e Klauss Vianna começaram a dançar balé na escola de Carlos Leite, no fim dos anos 40, em Belo Horizonte. Na década de 50, iniciam uma pesquisa de movimentos corporais. A princípio a finalidade era entender a estrutura do corpo para melhorar o desempenho deles próprios e seus alunos na dança.

A busca de Angel pelo conhecimento formal do corpo, em um primeiro momento, não veio pela via intelectual e nem acadêmica, ou seja, pelo ambiente das áreas [...] que abrangem o conhecimento categorizado para a compreensão do corpo. A via curiosa que a levou à necessidade de entendê-lo, apreendê-lo e trazê-lo para seu mundo foi a artística, tanto da dança quanto da escultura. (TEIXEIRA, 2008, p. 10).

No período de 1955 até 1962, abriram uma escola de dança, a Escola Klauss Vianna, onde puderam ampliar a pesquisa. O casal, que tinha formação em balé, passou a estudar anatomia, fisiologia e cinesiologia, o que era uma grande novidade para a época. O interesse por essa abordagem de corpo (da área da saúde) serviu como parâmetro, mas nunca foi encarada como representação universal. A importância de vivenciar tudo o que era aprendido no próprio corpo sempre foi o principal aspecto do trabalho. Isso possibilitou reconhecer a singularidade de cada corpo dentro dessa representação universal do atlas anatômico.

Nessa época, foi criado o Ballet Klauss Vianna e as coreografias desse grupo eram inovadoras, sendo na época chamado pela crítica de dança de vanguarda, hoje categorizada como dança moderna. Em 1963 e 1964, os Vianna moraram em Salvador, onde trabalharam na UFBA dando aulas de balé e estudaram dança moderna e o sistema Laban, com Rolf Gelewski. Nos anos seguintes, no Rio de Janeiro, a pesquisa corporal foi levada também para o teatro, no trabalho com atores. Foi um marco definitivo, pois o casal amplia a

pesquisa e passa a trabalhar com todo o tipo de pessoas, das mais diversas profissões, com ou sem pretensões artísticas. Em 1975 abriram a escola Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educação. Nos anos 80, Klauss se mudou para São Paulo e Angel Vianna, no Rio de Janeiro, fundou a Escola Angel Vianna, e em 2001, a Faculdade Angel Vianna.

Paralelamente, desde a década de 50, Angel foi solicitada para trabalhar com pessoas portadoras de deficiência. Na época não existiam profissionais das áreas de fisioterapia. Com sua filosofia de vida inclusiva, desde essa época até a atualidade, é comum, em suas salas de aula, ter algumas pessoas deficientes ou com lesões trabalhando junto com as outras pessoas.

Foi em 1992, com a criação do curso técnico em Recuperação Motora e Terapia através da Dança, que Angel começou a formar pessoas especializadas no trabalho terapêutico. Elas passaram a atuar em diversos locais, tais como Hospital Sarah Kubitschek, Funlar, Hospital Nise da Silveira, Hospital Pedro II, entre outros. Recentemente, em 2007, a Faculdade Angel Vianna criou a Pós-graduação Lato Sensu em Terapia através do Movimento. Corpo e Subjetivação, dando prosseguimento a essa formação.

A pesquisa dos Vianna, que passou por vários momentos históricos, tanto no teatro quanto na dança, assumiu diferentes nomes em sua trajetória. Há quase duas décadas existe em São Paulo um movimento para nomear esse trabalho como “técnica Klauss Vianna”. No Rio de Janeiro, os discípulos de Angel Vianna preferem chamá-lo de “conscientização do movimento e jogos corporais”, que é o nome adotado pela própria. Sem nos aprofundarmos nessa questão, adotamos aqui o nome de técnica Vianna, entendendo que se trata de uma pesquisa elaborada pelo casal Vianna. Nomeando dessa forma, pretendemos dar crédito a Klauss e Angel pelo trabalho que foi elaborado, desenvolvido e executado em conjunto,

sem privilegiar nenhuma das partes. Levantamos a hipótese de que a técnica Vianna, assim como outras abordagens corporais que priorizam a pesquisa da percepção do movimento no corpo, pode ser eficiente para a transformação do corpo anoréxico, ajudando a diminuir a distorção das imagens do corpo no cérebro, aproximando a realidade corpórea.

A pesquisa de campo iniciou-se em setembro de 2007. O grupo era composto de três jovens com diagnóstico de anorexia: Analu, Anabel e Anastácia. As aulas tinham a duração de uma hora, duas vezes na semana, e foram ministradas por Lila Santos. Ficamos com a função de assistente. Todas as alunas estavam em tratamento psiquiátrico, psicológico e nutricional. Nessa aplicação prática não buscamos uma mostra quantitativa, nem temos a pretensão de obter resultados como fim da doença ou permanência dela. O intuito dessa ação foi observar as modificações de cada aluna na relação com o seu próprio corpo e nas suas relações sociais. Como não é possível ter acesso direto aos mapas cerebrais, buscamos indícios, pelo relato, para identificar o que está ou não se modificando na imagem que as alunas estão formando de si mesmas.

Os três primeiro meses foram os de maior resistência ao trabalho, com muitas faltas e reclamações. As propostas não eram bem aceitas e executadas displicentemente. Ao encerrarmos as atividades por causa das festas de fim de ano, não sabíamos se haveria interesse, por parte das alunas, em dar continuidade às aulas no ano seguinte. Retomamos após a semana do carnaval, em meados de fevereiro. Anastácia estava, naquele momento, internada num hospital. Analu e Anabel voltaram, mas sem muito entusiasmo. Duas semanas após o reinício das aulas, a aluna teve alta do hospital e, obrigada pelos pais, voltou a nossa sala de aula.

Eu ficava toda doída. Não podia deitar no chão que eu sentia o meu osso e tudo doía. Aí quando eu ia fazer eu pensava “Vou esquecer que esse osso existe”. Vou deitar aqui um pouquinho, não quero sentir nada, não quero ter tato. Porque é uma coisa louca ficar aqui sentindo aquele osso o tempo inteiro. Que sofrimento. (depoimento de Anastácia, 2008).

Foi no começo de abril que de fato o trabalho começou a ser executado com alguma qualidade pelas meninas. Para a professora, “o desafio foi acrescentar informação na riqueza daqueles corpos – que tinha muita riqueza mesmo – alguma coisa de informação nova. Até porque ninguém informava alguma novidade com relação ao corpo” (depoimento de Lila, 2008). Até então, apenas o desconforto de sentir o próprio corpo era percebido e relatado. Havia muita inibição para realizar exercícios que propusessem alguma interação entre elas, e as improvisações do fim da aula eram constantemente rejeitadas.

Analu começou a aceitar e entregar o apoio dos ossos no chão. Superar esse primeiro momento foi um start para que as outras alunas, ouvindo relatos do prazer das novas descobertas, acalmassem e começassem suas próprias pesquisas. “Era muito estranha aquela informação. Então eu acho que esse é o lugar do se pertencer, do encarnar. Eu acho que aqui nos aproximamos disso que é ser o que você é. Você espreguiça, você move” (depoimento de Analu, 2008). Foi nesse momento que Analu levou sua atenção ao próprio corpo, constituído por ossos, músculos, vísceras, etc. Foi quando ela mudou seu ponto de vista, que sempre havia sido mais exterior (pele, cabelo, maquiagem, roupas, acessórios, desejos, fantasias) para começar a explorar o que se passava da pele para dentro.

É difícil termos consciência da existência física, estarmos presentes: vivemos muito em relação ao passado, ou nos sonhos em relação ao

futuro, mas somos incapazes de viver o momento presente a nível físico (VIANNA, 2005, p. 136).

É primordial que a atenção do aluno seja direcionada ao próprio corpo. Somente assim é possível romper os automatismos (executar os movimentos sempre da mesma maneira) e iniciar uma pesquisa de novas possibilidades. Outro fator importante para um bom resultado dos exercícios é encontrar o prazer de se mover. Assim, as informações novas são bem-vindas e podem ser assimiladas ao repertório daquele corpo com maior facilidade.

A atenção focada e a habilidade de produzir conscientemente a intenção de estar presente resultam no estado de presença, prontidão e disponibilidade... [...]. O desenvolvimento da disponibilidade do corpo e da atenção ao desenrolar do movimento, através de instruções específicas, o predispõe para “ler” os impulsos internos e externos e o aparecimento da novidade. (NEVES, 2005, p. 95).

A técnica Vianna propõe uma pesquisa do caminho percorrido no interior do corpo para o desempenho de movimentos simples, executados cotidianamente, mas que normalmente são feitos de forma apenas funcional (para atingir um objetivo externo) e nunca com consciência de todo o percurso até o movimento ser visível às outras pessoas. “Não decore passos, aprenda um caminho” é uma frase muito conhecida de Klauss Vianna. “Não se pensa o movimento pela sua forma espacial, ou melhor, o desenho espacial é consequência do caminho que esse movimento traça internamente, no corpo” (NEVES, 2008, p. 58). A criatividade é fundamental no processo.

Durante esse ano de aulas (setembro de 2007 a setembro de 2008), as alunas foram aprendendo primeiramente a se perceber enquanto uma complexa organização de sistemas interligados, aproximando-se do que é mais físico e palpável de sua existência: os ossos, músculos, articulações, vísceras, pele.

Eu não sabia que tinha osso, não sabia que tinha articulação, não sabia que eu tinha músculo. Saber a gente sabe porque a gente estuda biologia, mas eu não sabia como era essa engrenagem. Nunca tinha parado para perceber e viver essa engrenagem (depoimento de Analu, 2008).

Ao vivenciar a técnica, as alunas foram reconhecendo em si a própria história de vida inscrita nos seus corpos por meio das tensões, imobilidades, elasticidade, diferenças entre os lados direito e esquerdo, etc. Aceitar limites, destensionar, redirecionar os ossos é um trabalho que leva tempo, atenção e paciência. “A primeira aula que eu peguei no meu pé e eu comecei a ver que o pé não respondia, que ele estava ali travado, que ele não ia. Eu chorava. Como estava o meu corpo impregnado por tudo o que eu tinha vivido!” (depoimento de Anastácia, 2008). Deparar-se com a imobilidade das articulações do pé devido a tensões causadas por sapatos de salto fez com que Anastácia começasse a prestar mais atenção nas consequências das suas ações cotidianas. A grande tensão da musculatura naquela região prejudicava o apoio total dos pés no chão, o que gerava uma instabilidade em todo o corpo. Esse fato nunca tinha sido percebido por ela. A lordose lombar também estava acentuada por causa dos sapatos. Uma vez percebidas as consequências de sua ação, coube à aluna decidir sobre uma mudança ou não no seu modo de calçar.

A partir do momento em que as meninas entenderam que o corpo tem memória, que ele carrega tudo o que foi vivido, elas começaram modestamente a estabelecer uma nova

relação com elas mesmas. A própria nutricionista comentou, em agosto de 2008, que as três estavam mais atentas e curiosas a respeito do que cada alimento podia contribuir para a nutrição do corpo. Perguntas sobre a importância das vitaminas, da proteína e até da gordura começaram a surgir. Tornaram-se menos frequentes os questionamentos sobre o valor calórico dos alimentos.

A investigação do corpo levou o casal Vianna a perceber que essa conscientização tinha reverberações profundas na maneira de a pessoa perceber e agir consigo própria, com o outro e em seu ambiente. Entender a própria estrutura óssea, o volume que ocupa no espaço, a pele que liga a pessoa ao ambiente faz com que sejam exploradas novas possibilidades de ser e estar no mundo. “Eu sentia, quando começava a falar do osso, da articulação e tal e eu ia pesquisando no meu corpo e tendo novas percepções dele, era como se eu começasse... Como se eu estivesse descendo uns degraus e aterrissando em mim.” (depoimento de Analu, 2008).

A sala de aula se transformou num grande laboratório. Um local onde havia a autorização de se pesquisar novas sensações, expressar novas emoções e sentimentos, arriscar novos movimentos e novas relações interpessoais. A improvisação tornou-se o momento da aula utilizado para criar, organizar as novas informações adquiridas durante a aula e, também, um momento de experimentação estética.

A noção que construímos do nosso próprio corpo é de funcionalidade. Não somos educados a entender primeiramente a estrutura; a função acaba imperando. Ao pensarmos “mão” imediatamente, ligamos a tudo o que sabemos que ela pode realizar. Ao pesquisarmos a estrutura óssea da mão, suas articulações e a pele, não evidenciamos primeiramente sua função. Sua estrutura deriva posteriormente sua função. Isso abre a

possibilidade de inventarmos novas utilidades para essa estrutura que denominamos “mão”. Essa é a lógica de organização da técnica Vianna, que deixa para um segundo momento a função, estudando profundamente primeiro a estrutura. Esse pensamento está presente também na Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin: não é possível pensar como é que vai nascer uma mão num animal. A estrutura existente é que derivará a função, mas tudo em coevolução com o ambiente em que a estrutura está inserida.

Tocar o próprio corpo, sentir o próprio peso, aprofundar a percepção das suas particularidades, identificar tensões e impedimentos de movimentos devido a sua própria história de vida é uma experiência particular, que independe de comparações ou explicações. Cada uma em seu tempo, as alunas foram entendendo que elas eram o próprio corpo e que havia uma grande riqueza de sensações, emoções, pensamentos, formas de viver a própria vida que poderiam ser exploradas. Ficou entendido que, mesmo passando por um mesmo problema, a anorexia, cada uma era singular. Os rótulos e generalizações perderam força e cada uma pode experimentar a liberdade de se recriar, reinventar-se.

Esse contato, essa possibilidade de chegar de me tocar, essa cumplicidade, esse lado humano que a gente desenvolve muito aqui, de ver a pessoa e não a doença, mas o que a pessoa que está ali escondida pode trazer. Porque todo mundo pode viajar junto mesmo. Poder se surpreender com o que de repente a gente nem esperava. Valorizar os pequenos ganhos e através dessa valorização dos pequenos ganhos a gente vai acreditando que é possível (depoimento de Analu, 2008).

Os estudos das ciências cognitivas ajudam a entender por que esse tipo de trabalho corporal é uma experiência radical para construções simbólicas. Como vimos no primeiro capítulo, a consciência opera por um relato de imagens formadas das informações mais

estáveis vindas de experiências corporais. Já no inconsciente – que, segundo as pesquisas dos neurocientistas que embasam este trabalho, é cognitivo – estão as imagens que não ganharam estabilidade. A formulação de pensamentos se dá transferindo informações de um domínio para outro de cérebro e no trânsito com todos os sistemas e terminações nervosas e sensitivas do corpo. “A instigação é o tempo todo o que você vai fazer de você. De você, com você, para você” (depoimento de Lila, 2008). A prática corporal trabalha justamente com o movimento do corpo para a produção de múltiplas imagens, promovendo a experimentação de diversos estados corporais.

O que eu mais aprendi foi aprender a lidar com a minha diferença, a respeitar a minha diferença e ver que cada um tinha a sua diferença. Ver que é possível, apesar dessa diferença. Aqui eu tenho esse espaço para continuar, para ir e para me sentir de alguma forma respeitada e aprendendo a lidar comigo. Eu acho que o trabalho de consciência tem um papel fundamental nisso. Estou aprendendo a lidar com essa dificuldade de certa forma e com o meu próprio corpo. Acho que foi o que me ajudou a romper barreiras, a lidar com essas minhas dificuldades todas internas e de ver que eu tinha uma vontade muito grande de me expressar (depoimento de Anabel, 2008).

Por tratar um mesmo corpo de formas absolutamente distintas, promove drásticas alterações desses estados corporais durante seu fazer, cria ignições diferentes e o indivíduo passa a gerar novas conexões, atingindo nos níveis conscientes e inconscientes. “O mental se tornou muito no cérebro e acho que esse trabalho mostra sim, como a Juliana falou uma vez, que o mental está no corpo todo” (depoimento de Anastácia, 2008). Assim, é possível dissertar sobre a experiência vivenciada por um corpo em alguns aspectos, justamente por ela criar conceitos, mas as informações menos estáveis que vão para o inconsciente ganham

visualidade física, mas não há como ser verbalizado. Daí a importância da improvisação, no trabalho, quando as meninas se movimentam, dando expressão ao que sentem, mas não conseguem verbalizar.

É o exercício de pensar, de criar. Então você vai se inventando, se sente apto a isso. É difícil, não é fácil. Se permitir pensar, questionar, criar. O principal do trabalho é a possibilidade de gerar pensamento, questionamento, através do movimento (depoimento de Analu, 2008).

Das vivências no mundo e dos relatos imagéticos inconscientes, poucos resíduos ganham estabilidade, são categorizados e conectados à memória. Ela funciona em rede e não de forma cumulativa. Para ir para a memória, a informação tem que ter estabilidade suficiente para ser categorizada. Ao entrar na rede da memória, a nova informação

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