• Nenhum resultado encontrado

3. Lógicas (d)e inter-relações entre políticas e práticas de inclusão, educação/formação e emprego

3.2. Entre desemprego e mecanismos de (não) emprego: medidas ocupacionais e de incentivo à

(…) alargando o conceito de trabalho, tornando-o pouco preciso e até de contornos indefinidos, de tal forma que se torna difícil perceber o que é trabalho e não-trabalho (…).

Silvestre e Fernandes, 2014b, p. 5

Desde os anos 90 que a União Europeia tem dado diretrizes aos seus Estados Membros no sentido de implantarem uma estratégia global e integrada de inclusão ativa no mercado de trabalho de pessoas em situações de exclusão social e profissional, sendo esta preocupação ainda mais visível na recomendação de 2008, na qual é referido que essa estratégia deve conjugar “(…) facilitar a integração das pessoas aptas para o trabalho em

empregos sustentáveis e de qualidade e providenciar às que não podem trabalhar recursos suficientes para viver condignamente, bem como apoios à participação social”

(Recomendação 2008/867/CE).

Segundo Hespanha (2008, p. 1),

“o objectivo da nova geração de políticas sociais (…) Ajudar as pessoas a se inserirem socialmente, seja nos mercados de trabalho, seja em actividades socialmente reconhecidas. Inserção passou a ser uma palavra-chave. Em geral, a inserção pretende constituir um espaço intermédio entre o emprego assalariado e a actividade social naqueles casos em que as políticas indemnizatórias falham. Para tal, ela reveste-se de um conjunto de características que são inovadoras e que marcam a diferença relativamente às políticas sociais clássicas”.

Sob a designação de Políticas Ativas do Mercado de Trabalho agrupa-se habitualmente um conjunto diversificado de medidas que possuem, então, como objetivos melhorar o funcionamento do mercado de trabalho e combater a questão do desemprego.

A divisão da população em termos estatísticos, no que se refere à situação perante o emprego - população ativa ocupada; população ativa sem emprego (ou desemprego) e a população inativa –, tende a ser definida por critérios gerais ou pelo Bureau International do Travail (OIT), que define um padrão internacional nesta área (Desrosières, 2001/2).

Assim, o desemprego é definido, de acordo com essa organização, por três critérios: estar desempregado, tentativas para encontrar um emprego, estar imediatamente disponível (ibd.).

128

Em Portugal, em 1999 (com o Decreto-lei nº 119/99), foi alterado o regime de proteção no desemprego, que passa a implicar uma ação combinada de medidas passivas, medidas ativas e outras medidas excecionais de causa conjuntural (artigo 1º).

As medidas passivas seriam o subsídio de desemprego e o subsídio social de desemprego, enquanto as medidas ativas previstas no mesmo diploma incluem um vasto leque, nomeadamente a) medidas de apoio à criação do próprio emprego; b) incentivo à aceitação de oferta de emprego a tempo parcial pela via da possibilidade de acumulação do subsídio de desemprego parcial com a remuneração do trabalho; c) a atribuição de uma compensação remuneratória durante a frequência de cursos de formação profissional, suspendendo total ou parcialmente a prestação de desemprego; d) a manutenção da prestação de desemprego durante o período de exercício da atividade ocupacional.

No entanto, este decreto foi revogado em 2006 pelo Decreto-Lei 220/2006, que, em consonância com o que tem vindo a ser exposto, passa a contemplar mecanismos de ativação dos beneficiários e procura reforçar o papel do serviço público de emprego de forma que este possa oferecer uma intervenção personalizada (com afetação de maiores recursos humanos nos Centros de Emprego e com uma maior individualização do atendimento e acompanhamento dos desempregados), com vista a potenciar as oportunidades de qualificação e a empregabilidade dos indivíduos que beneficiavam de prestações de desemprego.

Em 2015 foi publicado um outro decreto lei (Decreto-Lei 13/2015) relativo às PAE e que, nos seus próprios termos, teve como intuito sistematizar e racionalizar as medidas ativas do mercado do trabalho, definindo para a política de emprego objetivos e princípios mais claros.24

Numa análise realizada à legislação sobre as PAE nos países da OCDE é evidente que os incentivos à contratação são tão amplos que dificilmente se poderia fazer uma listagem (Ramos,1997). No entanto, se atendermos a Portugal, percebe-se que várias medidas foram sendo disponibilizadas desde os anos 80, sendo que entre 2000 e 2011 estiveram disponíveis 167 medidas ativas de política de emprego, o que revela a grande aposta, mas também a grande diversidade e alteração das medidas enquadradas nesta modalidade de políticas (Dias e Varejão, 2012).

24 “Neste contexto, o presente decreto-lei procede a uma sistematização das medidas ativas do mercado de trabalho, concretiza a sua

racionalização, no sentido de evitar redundâncias e dispersões, prejudiciais à definição e entendimento claro dos instrumentos por parte de agentes e destinatários, e concretiza a revogação de muitas medidas em vigor, que não foram regulamentadas, não têm execução há muito tempo ou estão obsoletas relativamente às necessidades e à realidade do mercado de trabalho. (…) Além disso, o presente decreto- lei procede à definição da missão do serviço público de emprego na concretização dos programas e medidas que integram a política de emprego e de cooperação com outras entidades públicas e privadas” (Decreto-Lei 13/2015).

129

O setor das políticas de emprego tem sido marcado, então, por uma imensa e intensa mudança, decorrente das próprias mudanças do mercado de trabalho e das estratégias adotadas pela UE e pela OCDE que, como já referido, influenciam de forma determinante as opções de Portugal nesta matéria (Hespanha e Caleiras, 2017).

Assim, várias medidas foram sendo adotadas desde os anos 80 e que traduzem a mudança de lógica assistencialista para uma lógica de ativação, inicialmente com os Programas Ocupacionais para trabalhadores desempregados (1985), o Mercado Social de Emprego (1996), as Empresas de Inserção (1998), os Programas Inserção-Emprego (1999) e, mais recentemente, os Contratos Emprego-Inserção (2009), o Programa de Estágios Profissionais (2010), as Medidas Passaporte Emprego (2012) e o Programa Impulso Jovem - Apoio à Contratação via Reembolso da Taxa Social Única (2013) (www.iefp.pt).

Uma das principais apostas das PAE são as designadas medidas ocupacionais. Ocupação, segundo Singer (1996), compreende toda atividade que proporciona sustento a quem a exerce.

Em Portugal, os Programas Ocupacionais para trabalhadores desempregados (POC’s) surgem em 1985, tendo como objetivos

“garantir a possibilidade de [esses trabalhadores] poderem ser temporariamente ocupados em actividades socialmente úteis de modo que, enquanto não lhes surjam alternativas de trabalho ou de formação profissional, estes se mantenham em contacto com outros trabalhadores e com outras actividades evitando, assim, a tendência para a desmotivação e marginalização” (n.º 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de

Março).

A partir de 1995, os POC’s são reformulados, pelo que os seus principais destinatários passam a ser os desempregados em situação de carência económica e os desempregados subsidiados(Portaria nº 247/95 de 29 de março de 1995).

As atividades ocupacionais são medidas que possibilitam a criação de momentos

“(…) de não-emprego com ocupação, um período em que a pessoa desempenha com continuidade as tarefas e operações necessárias a um desempenho profissional sem ter todas as obrigações (nem os direitos) de um trabalhador. É esse o espaço de actividades ocupacionais e estágios profissionais para desempregados. Os “ocupados” e os “estagiários” não são trabalhadores, mas trabalham, (re)tomam contacto, (re)ganham experiência profissional, valorizam-se curricularmente, obtêm referências profissionais positivas” (Pedroso et al., 2005, p. 23).

130

Ou seja, estas são medidas que não conferem o estatuto de trabalhador a quem delas beneficia, nem uma integração profissional pós medida, mas que possuem como vantagem afirmada a criação e manutenção de hábitos e rotinas de trabalho e de experiências profissionais. Assim,

“a celebração destes contratos, que assentam numa lógica compulsiva do tipo workfare, não implica o direito a uma retribuição salarial por parte dos utilizadores, mas sim a uma bolsa e ao pagamento de despesas com transporte, alimentação e seguro. O utilizador fica sujeito ao regime da duração e horário de trabalho, descanso diário e semanal, feriados, faltas, segurança e saúde no trabalho a que está sujeita a generalidade dos trabalhadores da entidade promotora, atendendo à necessidade de compatibilizar a realização das tarefas inerentes a essas medidas com a organização e o funcionamento da entidade promotora” (Hespanha e Caleiras, 2017, p. 27).

São, desta forma, medidas de alguma forma ambíguas, uma vez que as pessoas que delas beneficiam têm, enquanto dura a sua vigência, um estatuto de trabalhador assente num contrato de trabalho; no entanto, esse contrato tem como premissa essencial a sua obrigatoriedade, sob pena de perda da prestação social a que está associado (Paiva, Pinto, Monteiro e Augusto, 2015; Hespanha e Caleiras, 2017). Ou seja, mesmo realizando um trabalho equiparado ao de outros trabalhadores, os indivíduos enquadrados nestas medidas não têm os mesmos direitos, nomeadamente no que respeita ao salário, horário laboral e às condições de trabalho (Hansen e Hespanha, 1998; Hespanha, 2002; Hespanha e Caleiras, 2017).

Uma série de medidas foram adotadas pelos diferentes países, havendo em Portugal uma aposta em medidas ocupacionais destinadas a públicos específicos, como os desempregados e os indivíduos que auferiam prestações sociais (ex. RSI).

Estas medidas de ocupação, revestidas de um caráter mais social, têm vindo a ter um peso significativo na atividade do Instituto de Emprego e Formação Profissional em Portugal. Isto porque são medidas que servem vários intuitos: o de integração de pessoas que auferem prestações sociais e que têm de prestar atividades como forma de retribuição; o de integração de pessoas que, mesmo não auferindo prestações sociais, beneficiam do rendimento que estas medidas fornecem; o de serem atrativas para os empregadores, por terem poucas obrigações e elevados benefícios (Pedroso et al., 2005). E, de facto, vão sendo tecidas críticas a estas medidas, pelo facto de permitirem que as entidades que acolhem estes programas/medidas o façam, sobretudo, para recrutar trabalhadores a um custo mais

131

reduzido, por serem subsidiados, e para colmatar situações de falta temporária de mão-de- obra (Hespanha e Matos, 2000).

Silvestre e Fernandes (2014a), citando estudos de diferentes autores (como por exemplo Maruani, 2001 e Conter, 2007), que analisaram as políticas de emprego desenvolvidas no quadro da União Europeia, referem que uma das principais conclusões é que as medidas ativas que têm predominado, nas quais se inserem as ocupacionais, muitas vezes funcionam como instrumentos ao serviço da diminuição dos custos salariais e da precarização do emprego.

Por outro lado, apesar das prioridades europeias e, neste caso, nacionais, estarem centradas, como já referido, em medidas de ativação e em PAE, a verdade é que estudos de casos relatados pela OCDE revelam que, em muitos casos, se verifica um elevado desperdício de recursos nesses programas, ou seja, o investimento financeiro que se realiza nestes incentivos tem um impacto reduzido na empregabilidade pós medida dos seus participantes (Ramos, 1997).

Segundo Rebelo (2002), alguns estudos da OCDE colocam em causa a eficiência e eficácia dos recursos alocados a esse tipo de política de inserção25. Na Europa, muitos destes programas de inserção pelo emprego não têm tido os impactos pretendidos, uma vez que continua a observar-se um aumento do desemprego e as medidas como as do tipo dos contratos de inserção não parecem ser capazes de gerar emprego nos participantes após o seu término (Guerra, 1997; Hespanha e Matos, 2000). Como referido por Moreira (2000, p. 12) relativamente às medidas em que normalmente se enquadram indivíduos que beneficiam de prestações sociais como o subsídio de desemprego ou o RSI,

“a maior parte dos empregos criados no âmbito deste tipo de programas estão integrados em sistemas de emprego protegido, de emprego parcial e precário, não respondendo por isso às necessidades, quer dos beneficiários, quer das empresas, quer da economia em geral. Estabelece-se assim um círculo vicioso no qual os beneficiários, que anteriormente ocupavam postos no mercado secundário de emprego – marcado pela precariedade e pela vulnerabilidade – são de novo relançados para esse mesmo mercado secundário, que se assume para estes indivíduos não como um espaço de transição para o mercado de emprego primário, mas como um espaço de estabilização num estatuto social e profissional em que inserção/assistência e autonomia/dependência se cruzam”.

25 Note-se, no entanto, que estes estudos serão, muitas vezes, formulados de modo a legitimar que se acabe com estas políticas sociais (veja-se por exemplo, num outro domínio, para que foi mobilizado o estudo que correlacionava empregabilidade e trabalho dos CNO…). Ou seja, o modo como se constrói cognitivamente (no caso, no campo político e científico) a relação entre estas políticas e o social, contém em si um programa ideológico que é coerente com as PAE.

132

Mesmo em Portugal, apesar da reconhecida importância das PAE, inclusive ao nível do investimento financeiro que tem sido crescente, existe pouca investigação que avalie a sua eficácia (Paiva, Pinto, Monteiro e Augusto, 2015). E os estudos que existem vêm confirmar que, de facto, as PAE nem sempre se refletem numa criação efetiva de emprego (Hespanha e Matos, 2000; Dias e Varejão, 2012; Paiva, Pinto, Monteiro e Augusto, 2015).

A própria OCDE, em 2013, vem chamar a atenção para o facto destas medidas, em Portugal, necessitarem de ser mais avaliadas, no sentido da avaliação do seu impacto:

“Moreover, the effectiveness of Portugal’s main activation programmes in improving the long-term employability of participants needs to be assessed”.

Como referido por Hespanha e Caleiras (2017, p. 30),

“mas, além dos riscos de desvirtuamento e instrumentalização, a verdade é que estas medidas não evitaram que os níveis de desemprego tivessem crescido substancialmente nos anos em análise (2008-2015), antes o camuflaram, em certa medida, acentuando, dessa forma, uma tendência para a partir delas expandir-se uma espécie de mercado de trabalho secundário, caraterizado por tarefas temporárias, desvalorizadas e inapropriadas à inserção profissional, no qual os utilizadores não gozam dos mesmos direitos laborais dos trabalhadores regulares, nem de liberdade e autonomia individuais. Neste sentido, o generoso objetivo de promoção da empregabilidade acaba por ter pouco ou nenhum sucesso. Ou, no limite, até poderá mesmo ter paradoxalmente um efeito perverso. Isto é, os utilizadores, ao repetirem a medida, ao “saltarem” de medida em medida, numa lógica continuada de marginalização do mercado regular de trabalho, acabam por reforçar a sua situação de risco”.

A reter no Sub-capítulo 3.2

Neste sub-capítulo focamo-nos na análise de medidas concretas das PAE, sobretudo no contexto português.

Reconhece-se, a partir desta análise, que o setor das políticas de emprego tem sido marcado por uma imensa e intensa mudança, decorrente das próprias mudanças do mercado de trabalho e das estratégias adotadas pela UE e pela OCDE que, como já referido, influenciam de forma determinante as opções de Portugal nesta matéria.

133

Os incentivos à contratação são muitos e variados e em Portugal, percebe-se que várias medidas foram sendo disponibilizadas desde os anos 80, havendo uma intensa alteração das medidas enquadradas nesta modalidade de políticas.

Conclui-se, no entanto, que a maioria das medidas que foram sendo adotadas desde os anos 80 traduzem a mudança de uma lógica assistencialista para uma lógica de ativação.

Tomando como analisador as medidas de caráter ocupacional, como os Programas Ocupacionais e os Contratos Emprego-Inserção, descrevemos as ambiguidades que deles transparecem, já que este tipo de contratos não oferece os mesmos direitos laborais a quem deles beneficie, embora exija o mesmo tipo de deveres.

Por outro lado, tentamos mostrar quais os intuitos que estas medidas permitem prosseguir, quer para o Estado, quer para os empregadores que delas beneficiam.

Terminamos esta análise descrevendo os resultados de alguns estudos da OCDE que colocam, de alguma forma, em causa a eficiência e eficácia dos recursos alocados a esse tipo de política de inserção, quer ao nível de investimento financeiro, quer ao nível de integração laboral após o término dos apoios, apesar de não ser totalmente claro qual a verdadeira agenda destes mesmos estudos.

134

3.3.Da globalização à territorialização e participação (regulada) dos atores nas políticas