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2. Opções metodológicas

2.1. Posicionamentos paradigmáticos e teóricos da investigação

Tendo em conta as questões que guiaram esta investigação, houve uma opção clara por uma metodologia qualitativa, cujo principal objetivo é entender o sentido, os significados da ação humana, através de um questionamento aberto sobre o fenómeno, no seu contexto e não tendo em conta hipóteses pré-determinadas (Creswell, 1998; Punch, 1998; Creswell, 2003; Snape e Spencer, 2003; Stake, 2007). Tal como referido por Bogdan e Biklen (1994, p. 47), “na investigação qualitativa a fonte directa de dados é o ambiente

natural, constituindo o investigador o instrumento principal”.

Os pressupostos teóricos e opções desta investigação assentam num paradigma fenomenológico-interpretativo ou construtivista (Creswell 1998; Snape e Spencer, 2003; Lincoln e Guba, 2006; Amado, 2013), uma vez que, ontologicamente, se privilegia o relativismo e a centralidade é conferida à compreensão das experiências, significações e intenções dos atores, em relação com o contexto nos quais se movimentam e com os quais interagem e segundo as suas descrições. Como referido por Creswell (1998, pp. 51-52),

“(...) a phenomenological study describes the meaning of lived experiences about a concept or the phenomenon”, sendo que os investigadores “search for the essential, invariant structure (or essence) or the central underlying meaning of the experience and emphasize the intentionality of consciousness (…)”.

Este paradigma, assentando numa abordagem descritiva, parte da ideia de que se pode deixar o fenómeno falar por si, com o objetivo de alcançar o sentido da experiência, ou seja, o que “a experiência significa para as pessoas que tiveram a experiência em questão e

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individuais, significados gerais ou universais são derivados: as “essências” ou estruturas das experiências” (Holanda, 2006, p. 371). Porque na abordagem qualitativa, de facto, é o

significado, os sentidos que os atores dão aos seus discursos, que assumem uma importância fulcral (Bogdan e Biklen, 1994), assumimos que, enquanto investigadores, o nosso principal objetivo seria traduzir o discurso privado dos atores, das narrativas que produzem, em discursos passíveis de serem explicitados em público. Desta forma, atribuímos um estatuto epistemológico e metodológico central à linguagem e às narrativas sociais, uma vez que consideramos que a realidade a que queremos aceder constrói-se narrando-se. Como refere Correia (1998, p. 184),

“não são apenas objectos dotados de uma realidade que transcende os seus discursos, mas são sujeitos que não só se narram como discurso, mas que também se constroem nessa narrativa. O facto de nos interessarmos por estas narrativas, de nos interessarmos tanto pelos textos como pelos contextos ou pelos pretextos, não significa que nos estejamos a afastar da “realidade” educativa, nem que tenhamos abandonado o propósito de contribuir para a sua elucidação”.

A própria forma como, ao longo deste texto, vamos usando recorrentemente as palavras dos entrevistados como citações enunciadoras das nossas interpretações, teve como intenção respeitar a importância chave que os seus discursos adquirem na nossa investigação.

Epistemologicamente, o paradigma fenomenológico-interpretativo e construtivista baseia-se na investigação das realidades sociais, tal como são experenciadas e significadas pelos seus atores, reconhecendo-se o carácter contextual, transacional e intersubjectivo dessas representações (Creswell, 1998; Lincoln e Guba, 2006; Stake, 2007). Consideramos que, ao nível da nossa investigação, nos situamos, assim, num pólo de epistemologia perspetivista (Tebes, 2005) assente em vários pressupostos.

Por um lado, reconhecemos que o conhecimento é sempre situado, resulta sempre do contexto, das pessoas, dos instrumentos adotados, pelo que o conhecimento se produz na interação com o contexto. Revela-se fulcral equilibrar várias verdades, pelo que é importante adotar uma abordagem assente no multiplismo crítico, isto é, privilegiando-se uma postura multidisciplinar na análise dos fenómenos e objetos de estudo, bem como um pluralismo metodológico. Desta forma, se a investigação deve assentar no conhecimento existente, também deve gerar conhecimento.

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Assim, os métodos a utilizar quando este é o paradigma no qual situamos a nossa investigação devem estar dependentes e adaptados não só aos atores, mas também aos contextos de investigação (Amado, 2013).

No paradigma que adotamos nesta investigação está evidenciada a visão subjetivista como perspetiva que corresponde a uma forma de ver o estatuto da realidade, uma vez que esta visão encara a sociedade como contexto de vida com estrutura significativa, sendo os contextos realidades flutuantes, ou seja, eles alteram os indivíduos, pelo que, para além de ser importante estudar os indivíduos, tem que se estudar os contextos em que se inserem.

As leis/enunciados gerais só são úteis se se inserirem em dispositivos de comunicação que permitam que os seres falem de si próprios. A validade dos enunciados científicos está, assim, dependente da sua pertinência comunicacional. As leis gerais não existem para serem aplicáveis, mas para permitirem reconhecer as singularidades, reconhecendo-se, desta forma, a pertinência de uma aplicação hermenêutica da ciência. A aplicação hermenêutica dos saberes teóricos ao campo social é fundamental, pois é essencial perceber como é que os seres se reconhecem e se narram.

Nas Ciências Sociais e Humanas o objeto não pode prescindir da comunicação, já que o que se torna relevante é o sentido. O sentido implica uma interpretação, uma necessidade de se ouvir e de se estar atento ao outro. Correia (1998, p. 184) refere mesmo que “no campo da produção científica não é apenas o sujeito que cria o objecto, mas o

próprio objecto que constrói o sujeito, [o que] sugere a necessidade de se pensar a prática epistemológica não no registo da observação (…), mas também como prática de escuta – como relação (dia)lógica entre sujeitos/objectos que se narram”.

Esta forma de posicionamento enquadra-se na hermenêutica, que é a ciência que procura a verdade através de tentativas de interpretação de acordos, com critérios de aproximação, testados a partir de documentos ou contributos, mediante a linguagem comunicacional. E é exatamente ao nível metodológico que se situa a hermenêutica nos paradigmas fenomenológico-interpretativo e construtivista (Lincoln e Guba, 2006). Como referido por Berger (2009, p. 190),

“se nos interrogarmos sobre a especificidade da investigação em educação, entendida como pesquisa que incide e é construída numa relação com o sujeito, verificamos que uma reflexão em torno daquilo que esboçamos como sendo uma epistemologia da escuta é fundamental para a definição da sua diferença, para a distinguirmos dos modelos, mais clássicos, dos modelos da observação. (…) Ao contrário da observação cujo ideal é o espelho transparente que permite ver sem ser visto, a escuta não existe sem uma relação,

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sem uma ligação entre dois sujeitos. Aquele que escuta também está presente na escuta e, mesmo quando pode gravar um discurso e escutá-lo no gravador, ele está sempre presente face a alguém.”

Considerando-se que nesta investigação lidamos com “sujeitos‐objetos” que não se limitam “a ser olhado, escutado ou interpretado, mas olha, escuta, interpreta e também

interpela o sujeito” (Correia, 1998, p. 185), importava reconhecer-lhes o seu direito à

narrativa. Para tal, privilegiou-se a fala, o diálogo, no sentido de, a partir deles, se revelarem as condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos e se transmitissem, através dos seus discursos, representações de grupos determinados em condições históricas, socioeconómicas e culturais específicas (Minayo e Sanches, 1993).

É exatamente nesse nível dos significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores, expressos pela linguagem comum e na vida quotidiana, que se enquadram os

“sujeitos-objetos” desta abordagem qualitativa, cujo “material” preferencial é a palavra. Até

porque, no paradigma que adotamos, a natureza do conhecimento reside nas reconstruções e significados que os indivíduos atribuem, sendo que, aquilo no qual centramos a nossa investigação, é, desta forma, na compreensão dessas reconstruções (Lincoln e Guba, 2006).

Nesta investigação tentou-se recolher dados de múltiplas fontes de evidências (Yin, 2009), nomeadamente através da revisão bibliográfica sobre as problemáticas em estudo, a análise dos discursos oficiais sobre as políticas de inclusão, empregabilidade e educação/formação e os discursos de atores que se movimentam no “cenário” dos fenómenos da inclusão/exclusão social. O objetivo foi sempre o de triangular dados, atores e métodos, que nos permitissem aceder a várias interpretações sobre os mesmos fenómenos.

Desta forma, para conduzir esta investigação tentou-se sempre que os objetivos e as questões fossem bem formuladas e também interpretar as respostas dos sujeitos, os seus discursos, escutando-os verdadeiramente, sem se ser “aprisionado” por pré-conceitos originais (ibd.). Até porque, como referido por Dominicé (1988, p. 145) (ainda que no âmbito de uma investigação biográfica, mas cuja ideia consideramos pertinente no âmbito desta investigação), “não pode impor-se um plano de pesquisa quando se quer que o

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