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A PAISAGEM E O SUBLIME NA ARTE CONTEMPORÂNEA: PERMANÊNCIAS ROMÂNTICAS E O ENTRELAÇAMENTO DE

CAPÍTULO

2. ENTRE ESPAÇOS OBSCUROS AS LUZES DO ROMANTISMO PROJETAM-SE NA ARTE CONTEMPORÂNEA

Destroços e ruínas, pedaços de concreto perfurados por ferros retorcidos atraem nosso olhar sobre o peso do solo, de onde surgem torres gigantescas que sugerem caminhos que nos deslocam entre instabilidades, elevando nosso olhar em direção ao céu, às estrelas, à luz.

A exposição Monumenta 2007, através da obra de Anselm Kiefer, proporcionou a possibilidade de vivenciar, através da arte, uma paisagem que se abre a um horizonte de questões. Paisagens propositoras de reflexões sobre nosso papel diante de um mundo que não nos é revelado claramente. Ruínas, que no presente interligam o passado e o futuro, confrontam fatos e questões que passam a ser desvelados nos percursos propostos por entre espaços anacrônicos. Através da imersão nos subterrâneos do passado, envoltos pela escuridão e pelo caos, traz-se à tona a percepção e a apreensão da luz do nosso tempo.

Sob a obscuridade do mundo e da lacuna que se instaura ao final do período das Luzes - quando o racionalismo iluminista ao levantar confrontações com questões sagradas e espirituais gera uma atmosfera de inquietação –, em meio a insatisfações e desencantos surge a busca por transformações pautadas nos vários questionamentos oriundos desta época. É em meados do século XVIII na Europa, momento de turbulência no campo político, histórico, social e cultural, que surge o Romantismo, assim intitulado pela historiografia para classificar o período em que, segundo Guinsburg (1978, p.15-16) – especialmente na Alemanha -, os olhares se voltam tanto para frente como para trás, para dentro ou para fora, mas sempre “além” do atual, em devir constante, “sem nunca ser definitivamente”.

Pierre Watt (2013, p.272) afirma que é na Alemanha que surge o Romantismo. Porém, o autor alerta que essa consideração não se refere a uma primazia cronológica dos artistas alemães,

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pois, “certos criadores ingleses, sobre este ponto, poderiam reclamar o primeiro lugar”, mas pela maior exigência com que os alemães formulam imediatamente sua marca, de forma extrema, sob a condição de “não existir senão sob a forma trágica da derrota”. Assim, o Romantismo, segundo o autor, é delineado como “um projeto, uma maneira de ser – em outros termos uma atitude crítica -, que alguns seres opõem a um mundo onde eles sofrem por fazerem parte e onde eles vão tentar, interiormente, minar absolutamente.” (WATT, 2013, p.272 – tradução nossa).

O período romântico sucede à Klassik, um classicismo em que o tempo de vida é muito breve: uma dezena de anos em torno de 1780, entre um Sturm und Drang (“tempestade e ímpeto”) que é um movimento de revolta contra as regras, contra todas as formas de regras, sociais, religiosas, artísticas, e um romantismo que reata por uma parte com o Sturm und Drang. O romantismo vê na sabedoria clássica a transcrição em termos nobres de um domínio de si mesmo, de uma preocupação pequeno-burguesa de conforto resignado. Ele critica a versão “renunciadora” que propõe o classicismo, que lhe parece trair a arte, a poesia, em proveito de uma racionalidade econômica: o clássico é aos seus olhos um herói ordenado muito rápido, ávido por um estatuto e um reconhecimento social. (COHN, 2007a, p.68-69 – tradução nossa).

O Romantismo sugeriu muitas mudanças, atendo-se tanto às transformações necessárias ao momento presente como dirigindo seus olhares às origens dos povos em sua concepção mais pura. Ao mesmo tempo em que há uma procura - em produções de diferentes épocas - das particularidades da cultura do povo e da raça, o “mundo das ‘realidades’ no espaço e no tempo” também permanece, em função do curso do pensamento da sociedade, através de “um deslocamento do centro de gravidade social, cultural, filosófico, histórico e, em geral, antropológico, correspondente ao econômico e ao político” que se inscreve então em um tempo real. (GUINSBURG, 1978, p.18- 19.)

Abre-se assim, na época romântica, uma nova visão do relacionamento homem-mundo, de sua situação ou da consciência do homem moderno, quanto ao seu “estar no mundo”.

Ao nos referirmos a esse período, acabamos por nos questionar, como citado por Jacó Guinsburg (1978, p.14), como seria possível definir o Romantismo: “como uma escola? uma

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forma? um fenômeno histórico? um estado de espírito?” Na incerteza de saber defini-lo em um só campo, ficamos menos inquietos ao acolhermos a resposta de Guinsburg (1978, p. 14), quando diz que “provavelmente tudo isto junto e cada item separado”. Segundo o autor, o Romantismo foi, sobretudo, “uma emergência histórica, um evento sociocultural”, consequência do processo real da história europeia e ocidental, que se concretiza como fato histórico assinalando “na história da consciência humana, a relevância da consciência histórica”.

Danièle Cohn compartilha desta ampliação do pensamento romântico quando afirma que “o romantismo não deveria ser reduzido à condição de movimento artístico. Ele não é somente um tempo definido na história dos estilos. Ele constitui uma atitude” (COHN, 2007a, p.68 – tradução nossa). A autora comenta como o caso da Alemanha é interessante dentro deste universo romântico, pois como um período de “intensa fecundidade”, houve uma teorização no momento do surgimento deste novo espírito romântico, desta mudança de atitude diante da vida, o que talvez tenha permitido uma “perenidade da posição romântica”.

Guinsburg (1978, p.261) salienta que devemos tomar o Romantismo como um movimento “de oposição violenta ao Classicismo e à época da Ilustração, ou seja, àquele período do século XVIII que é tido, em geral, como o da preponderância de um forte racionalismo”. Para Guinsburg (1978, p.15) há uma transformação emergencial percebida no período que chamamos de Romantismo, entre meados do século XVIII e XIX, quando “deixa de ser meramente descritivo e repetitivo, para se tornar basicamente tanto interpretativo quanto formativo”.

Mas a essência do Romantismo, que rejeita o ideal harmônico da visão classicista, reside antes na contradição. Se de uma parte, ele é presidido por um anseio radical de totalização e integração, numa comunidade quase utópica, de outra, opõe aos padrões de toda a sociedade – e não apenas a de ilustração racionalista – a grande personalidade, o gênio fáustico, que não pode ajustar-se a quaisquer limitações e estruturas sociais. Sua irrupção artística... é um grito de libertação anárquico no plano político e cultural. (GUINSBURG e ROSENFELD, 1978, p. 270).

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Para Guinsburg, o Romantismo surgiu justamente em contraposição ao iluminismo - período em que se acreditava fundamentalmente no poder exemplar e didático da razão, e o cosmo como uma harmonia universal operada por leis e funções mecânico-matemática de um Deus não intervencionista – porém, podemos ampliar o campo desta afirmação ao acrescentarmos a visão de outros autores sobre esta questão.

A crítica romântica da modernidade não se caracteriza como um simples “antirracionalismo” oposto às Luzes. Ao contrário, sua particularidade é de ser uma crítica moderna da modernidade: uma “autocrítica”. Mais que a esta decepção suscitada após 1789, que nos coloca sempre antecipadamente a fim de pensar o romantismo como reação, esta postura crítica seria coextensiva, nas suas raízes, àquela mais distante, mais profunda e mais lenta transformação do mundo que é a chegada do capitalismo. Longe de ser “antimoderno” o romantismo é então esta crítica que a modernidade, ela mesma, engendrou em seu seio. (WAT, 2013, p.272 – tradução nossa).

Pierre Wat (2013, p.285), ao referir-se sobre o Romantismo, não o faz de forma tão incisiva, indicando-o, como referido anteriormente por Guinsburg, como “oposição violenta à época das Luzes”, ele expande esta questão ao alertar que o Romantismo não estabelece novas normas para substituir aquelas que combatem. O autor salienta que não há, na verdade, um rompimento, a atitude romântica pode ser analisada sobre a forma de apoderar-se de alguns termos neoclássicos para então os subverter. O autor, portanto, analisa o Romantismo como uma estratégia de subversão, como construção de uma crítica do próprio momento que é vivido. Estabelece, para afirmar sua tese, duas recusas determinantes neste período, que se colocam em primeiro, sobre o terreno da mimesis e, em segundo, sobre a recusa das normas inerentes ao neoclassicismo.

Apreender o romantismo como estratégia de subversão faz supor que a mimesis romântica se constrói sobre uma continuação e um desvio das normas de imitação neoclássica. Subverter não é então elaborar uma normatividade nova, mas procurar tirar as normas antigas de seu estatuto de normas: transformar a lei comum em ferramenta colocada a serviço da expressão individual. Isto não é,

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então, não mais fazer tabula rasa, porque a subversão não é a destruição, mas transformação do interior. (WAT, 2013, p. 285- tradução nossa).

O Romantismo, portanto não está pautado na ideia de destruição, mas sim de transformação. Ele avança no campo político e estético, onde a crítica da modernidade poderá exprimir-se através da arte que, segundo Pierre Wat, será consagrada, como maneira de reavaliação da constatação de um desencantamento com o mundo, que de forma mais ambiciosa propõe a “reavaliação de toda a cultura antes do romantismo, quer dizer, daquela mesma que terá levado o mundo ao desencantamento”. (WAT, 2013, p. 285).

Pierre Wat (1998), ao analisar a concepção que alguns autores fazem do Romantismo, conclui que este período mostra-se envolvido em um constante trabalho de redefinições, e que invade uma diversidade de significados. Wat cita Morse Peckham5, quando este aborda a contradição romântica, sem procurar esvaziá-la nem resolvê-la, na tentativa de reconciliar estes campos de indefinições e incompletudes:

[...] contradições e valores comuns, ele (Peckham) vê no romantismo uma revolução no espírito europeu que o leva de um pensamento estático a um pensamento dinâmico, de um pensamento que separa os objetos do mundo a um pensamento organicista que reúne estes objetos em um mesmo movimento, um pensamento cujos valores comuns são a transformação, o crescimento, a diversidade, a imaginação criadora, o inconsciente [...]. (WAT, 1998, p.18 – tradução nossa).

Torna-se importante perceber que as transformações que incidem neste momento sobre o comportamento humano terão seu desdobramento na arte. Assim, a questão da subversão colocada por Wat traduz-se sobre o pensamento romântico que se afirma em um mesmo momento em que o neoclassicismo ainda mostrava sua presença.

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Morse Peckham, “Toward a Theory of Romanticism”, Romanticism Points of View, R.F. Gleckner et G.E. Enscoe dir., Detroit, Wayne State UP, 1975, p.232-241.

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Danièle Cohn (2007a, p.69) considera “a sabedoria clássica” como um poder de autocontrole que é transcrito no conformismo burguês, talvez como uma apatia ou aceitação do que lhe era sutilmente imposto. Assim o Romantismo necessitava se alimentar de uma liberdade que não poderia ser saboreada a partir das normas clássicas que estabeleciam limites e impunham fronteiras.

A escolha romântica é então concebida como a única a permanecer fiel à arte. À arte e à poesia. Do ponto de vista do romantismo alemão, a poesia – Dichtung – designa aquilo que é relevante na arte, varrendo as distinções e separações construídas pelo sistema das belas artes e as classificações por gêneros em uso. São poéticas a literatura em prosa tanto quanto o poema, a música, a pintura, em particular a pintura de paisagem, já que o romantismo reinventa a paisagem e uma certa relação com a natureza. O romantismo quer poetizar o mundo e mostrá-lo como infinito, recusa toda ideia de limite, de fronteira, de contorno e se agarra à possibilidade de uma circulação, uma combinatória em que reine, segundo ele, na natureza e deve reinar no pensamento e nos diferentes regimes de conhecimento. As passagens são múltiplas, as conexões estão a ativar, das ciências às artes, das artes à teologia, da teologia à filosofia, e da filosofia à magia. Os sistemas, como as obras, não são mais fechadas, mas sim abertas, sua incompletude, sua aplicação em série e o jogo indefinido das variações e transformações são as qualidades. (COHN, 2007a, p.69 – tradução nossa).

Portanto, o Romantismo parte da premissa de que o mundo expressamente pautado somente na razão não poderia sobreviver. Buscam-se transformações que agreguem valores mais sensíveis à vida, em que a natureza sensível do homem possa ser revelada. Com o desejo de poetizar o mundo, este período tomará a arte - com toda a liberdade que ela concebe - como principal instrumento das teorizações que surgiram nesta época, em que a sensibilidade estava à flor da pele.

Teixeira Coelho (2010, p.8) destaca que talvez a principal marca do Romantismo tenha sido a questão centrada no subjetivo, quando o indivíduo reivindica seu espaço e mostra sua existência. Assim, cria-se uma atmosfera de recolhimento, que torna possível ao indivíduo mergulhar dentro de si mesmo:

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[...] mergulhar nas forças desconhecidas, obscuras e inconscientes e pelo menos expô-las à superfície para ver o que se pode descobrir nelas, já que no contrário disso – a claridade e a consciência atenta – pouco ou nada se revela além de ilusão e enganos. Schelling propôs que quem poderia dar esse mergulho era o artista, que era do artista que poderia vir o impacto (Anstoss) revelador, caso houvesse um, estabelecendo desde logo um elo fortíssimo entre o espírito romântico e a arte, muito mais do que entre o espírito romântico e a filosofia. (COELHO, 2010, p.8).

Mas, porque falar em Romantismo se, nas imagens que iniciam este texto, temos determinantemente um espaço marcado pela obra contemporânea de Anselm Kiefer? Sabemos que se trata da obra de um artista alemão e que foi principalmente o Romantismo alemão, como vimos, que teve seu papel intenso e profundo, entre meados dos séculos XVIII e XIX, na formação do projeto romântico. Mas este fato não seria suficiente para introduzirmos, aspectos do Romantismo, como o início de uma discussão para a arte da atualidade. As considerações sobre aspectos relevantes que marcaram este momento de transformações radicais, então chamado de Romantismo, serão abordadas nesta proposta - no que se refere estritamente ao campo das artes visuais -, de forma a percorrer espaços que não se atém ao tempo cronológico de um período, mas sim a expansão do mesmo ou aos desdobramentos que foi sofrendo ao longo do tempo, para o reencontrarmos agora, por entre os escombros e ruínas, na imagem da exposição Monumenta e em outras obras de artistas da atualidade, através de um olhar atento e desvelado.

É como se reencontrássemos alguém que conhecemos quando ainda jovem, talvez em outro país ou em outra situação, muito diferente do contexto atual. Este reencontro poderia se dar agora em qualquer lugar, em um ambiente pertencente a qualquer cultura. Mesmo assim haveria a percepção de que, com certeza, seria aquela mesma pessoa que conhecemos no passado que estaria ali, diante de nós, porém com outra aparência. Transformações teriam sido provocadas pelo tempo, transformações físicas, morais e espirituais, mudanças perceptíveis em seu modo de pensar, em seus questionamentos, revelariam as marcas e cicatrizes dos avanços e tropeços deixados pelo do próprio curso da vida. A essência, porém desta pessoa estaria presente, a

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genética de seu corpo, suas singularidades, seu espírito, poderiam ser identificados por entre as metamorfoses conferidas pelo tempo que passou. Talvez tivéssemos tido a capacidade de reconhecer tal pessoa, por seu entusiasmo inconfundível, pelo seu idealismo ainda presente ou para resumir tantas outras colocações que poderiam aqui ser feitas, por sua luz que então teria permanecido.

A luz que determina este trabalho se difunde em algumas vertentes. O sujeito que reconhecemos após ter passado algum tempo sem nos encontrarmos, seria o sujeito romântico, ou o objeto de arte criado por este sujeito, que liberto de normas torna-se criador de suas próprias regras. O Romantismo passa então a ser como uma fonte de energia, que vem sendo armazenada há mais de dois séculos e que, em certos momentos, se faz reaparecer por um transbordamento que então se revela à superfície.

Neste trabalho, citaremos alguns autores que percebem o Romantismo como um projeto que, iniciado em meados do século XVIII, deixou sementes que, deslocadas no tempo, ainda mostram seus frutos no processo artístico de alguns artistas da atualidade. Os autores aqui citados seguem, dependendo da metodologia adotada por cada um deles, uma vertente diferenciada, visto que o período romântico criou esta possibilidade ao promover muitas aberturas para o campo artístico.

Jacó Guinsburg aponta-nos outro caminho, por essa luz em que foi envolto o Romantismo, através da figura do herói romântico. Segundo Guinsburg (1978, p.15) o herói romântico é o indivíduo fantasioso, imprevisível, de alta complexidade psicológica, centrado na sua imaginação e sensibilidade, intuitivo, investido de missão por lance do destino ou impulso inerente à sua sensibilidade.

De um lado, encarnação de uma vontade antes social do que pessoal, apesar da forma caprichosamente subjetiva de seus motivos e decisões, e, de outro lado, num ser ou organismo coletivo dotado de corpo e alma, de alma mais do que de corpo, cujo espírito é o centro nevrálgico e alimentador de uma existência conjunta. (GUINSBURG, 1978, p.15).

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Talvez se pensarmos de forma a traçar um panorama dos impulsos que movem os artistas contemporâneos não nos distanciássemos muito da descrição acima, da figura do gênio, tão ressaltada durante o período romântico. O artista atual também possui esta dinâmica de reter dentro de si este organismo coletivo citado por Guinsburg e, na necessidade de exteriorizá-lo, deixa que ele escape de si, no momento da criação. Momento no qual faz prevalecer a alma e, assim, revela, através de sua subjetividade, o espírito “alimentador de uma existência conjunta” que engloba questões sociais, culturais e políticas. As questões culturais, sociais e políticas são condensadas na obra artística contemporânea, questões estas que parecem mover uma grande parte dos artistas da atualidade, que através de outra aparência, refletem a herança própria do que impulsionou o projeto romântico, a crítica do próprio momento vivenciado sem deixar de olhar para as sombras do passado, buscando uma autocrítica. Segundo Guinsburg (1978, p.268), no Romantismo não é mais a obra em si que prevalece, mas o ato de criação e o sujeito criador – assim, aproximando-se de questões contemporâneas. A obra romântica deveria exprimir “o ser profundo do autor”, o sujeito criador, portanto, seria aquele que se revelaria “como explosão subjetiva e não como perfeição objetiva”. Quando é dito que no período romântico o gênio era “o porta-voz do mensageiro divino, mediador do finito e infinito”, não podemos esquecer sua então mudança de atitude, na busca por alcançar a liberdade dentro de suas convicções morais ou espirituais, seu ímpeto de desestabilizar a regra, de provocar mudanças e de transformar as normas instituídas.

Ele, na sua pequena obra de arte, de alguma forma expressa o cosmo que está na sua alma. Tampouco imita a natureza, como fazem as regras do Classicismo. É criador como se fosse em si a natureza, porque ele é força natural, é gênio. [...] Tal concepção determina sem dúvida, uma ruptura brutal com os cânones eruditos, que poderiam converter-se em camisa-de-força da livre vazão do eu ciclópico, das inspirações emanadas de suas profundezas. (GUINSBURG e ROSENFELD, 1978, p.268).

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Gostaríamos de nos referir, neste trabalho, não somente ao artista qualificado como gênio durante o período romântico, mas ao artista de hoje. Ao artista que ao criar imagens busca lançar novas possibilidades de entendimento do mundo, junto a cada observador que se coloca frente a sua obra. Aquele que se mostra consciente quanto à dificuldade do poder que sua arte pode alcançar, e, mesmo diante do inalcançável, permanece fiel às suas convicções, isto é, do que para ele é verdade.

No decorrer deste texto selecionaremos, portanto, algumas imagens de obras de artistas que ainda parecem guardar esta luz, esta luz própria do espírito romântico. Que através do desejo de transformação do presente, busca a reflexão sobre alguns fatos que a história estabeleceu como verdade.

Jacó Guinsburg (1978, p.50), ao referir-se ao período romântico, cita que “os empreendimentos artísticos da época podem ser encarados como reflexos de uma grande luz” entre os entusiasmos e paixões, as aspirações, as ilusões e as desilusões, além de muitas contradições.

Segundo Danièle Cohn, devemos olhar o Romantismo como uma atitude a não deixar nada escapar. “Nada de humano e nada de natural, de cósmico deveria escapar da pulsão do saber” (COHN, 2007a, p.69 – tradução nossa). Tudo então deveria ser formulado a partir da experiência artística, que neste período tem como valores primordiais tanto a estética como a ética, que, então, passa a ser revelada através da mais nobre atividade humana, a criação.