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Entretanto ao falarem da cidade, quer de sua estrutura urbana, quer das

FIGURA 08 Bairro Castanheira

furadas 39 Entretanto ao falarem da cidade, quer de sua estrutura urbana, quer das

relações sociais que ali se estabelecem, os participantes da investigação ressaltam aqueles pontos considerados por eles como positivos.

Parece que se faz uma certa “descontinuidade no diálogo”, um certo “silêncio”, quando o assunto gira em torno da estrutura urbana de Laranjal do Jari. Os participantes da investigação só tocam na questão de se viver sobre o rio, em casas de madeira sobre palafitas, mesmo assim fugidiamente, quando o assunto aparece explícito nas conversas e aí vem a “descontinuidade”: o discurso não parece pertencer a eles. Ou seja, quando falam de tais assuntos, parecem estar tão somente repetindo um “discurso oficial”. Tanto que nas diferenças que apontam entre a Beira e o Seco, ou entre Laranjal e Monte Dourado, tais questões não parecem ter qualquer relevância; o destaque é dado para as relações sociais.

Creio que esta temática merece uma reflexão mais detida. Sobretudo quando é apontada – inclusive pelo poder público local – como “solução para os problemas de Laranjal”, a transferência de toda a parte da cidade construída em regiões “de risco” – ou seja, Beira e Alagado – para uma região “segura”, o Seco. Creio que seja necessário considerar pelo menos dois pontos: relações sociais e espacialidades são construídas mutuamente, não podem ser descoladas; o ”modo de ser” de um grupo cultural está em relação íntima com o “modo de viver”40 que se dá no espaço

deste grupo. O modo de viver sobre o rio e de ali construir suas vidas, seus mundos, pode ir muito além de um “modo de vida”: é ali, naquele emaranhado de madeira, pontes, passarelas e palafitas que, ao produzirem aquele espaço, os moradores se produzem nele e com ele.

37Moleques são os integrantes de gangues que andam sempre armados com armas brancas,

principalmente, e são, quase sempre, marcados por cicatrizes provenientes de furadas. Aliás, é muito comum serem encontradas pessoas com esse tipo de cicatrizes, mesmos homens mais velhos.

38Ondas são brigas, no linguajar local.

39Furada é o termo local usado para designar que a pessoa foi ferida por arma branca (as mais

usadas são os terçados).

40Brandão afirma que o “modo de ser” de um grupo cultural, ou seja, o “que se é”, ao se ser deste

grupo, nasce do seu “modo de vida”. Ou seja, de tanto se viver de tal e qual maneira acaba-se sendo também de tal e qual modo (BRANDÃO, 1983, p.103). É Claro que não há aqui um determinismo cultural, mas o que se pretende é apontar para algumas imbricações.

Localizando-se espacialmente em Laranjal do Jari.

Laranjal do Jari, pelas peculiaridades de sua estrutura urbana, apresenta uma organização espacial bastante característica, sobretudo no que se refere a referenciais de localização espacial. As regiões mais centrais da Beira, como Malvinas, Centro, Três Irmãos, Santarém e Sagrado Coração de Jesus, apresentam uma configuração urbana que dificulta muito, para quem não está “habituado” a se deslocar pelo emaranhado de pontes, trapichos e palafitas, em busca de localização de endereços e lugares.

Nestas situações, além do usual referencial do rio, são usados outros referenciais locais de espaço, como: a casa ou o comércio de alguém conhecido da própria comunidade e passarelas cujos nomes já estão consagrados no meio. Na verdade, além das passarelas que se ramificam formando uma rede complexa, ainda há o complicador de que a maioria delas não tem um nome “oficial”, isto é, registrado na prefeitura. Por outro lado, não há, para a absoluta maioria delas, qualquer indicação de nome, como placas, por exemplo. Estas somente existem em alguns raros casos e, mesmo assim, em apenas uma das “entradas” da passarela. Outro complicador, muitas vezes, é o fato de que a passarela e suas diferentes ramificações recebem o mesmo nome.

Mesmo entre os moradores existem divergências quanto aos nomes de passarelas e ruas consideradas, por eles mesmos, as mais importantes ou mais conhecidas41: o principal eixo integrador da cidade, a avenida Tancredo Neves (que

corta toda a cidade longitudinalmente, ligando a Beira ao Seco), é também conhecida por rua Principal; a passarela que acompanha toda a extensão do Beira, e corta a cidade em sentido transversal, é conhecida por passarela Principal, Trapichão, passarela Beira Rio, passarela Rio Jari. Além disso, passarelas importantes para a cidade, como a São Jorge e a São Paulo (região de comércio intenso), interceptam-se (a passarela São Paulo termina na São Jorge) e é comum, segundo Marcos (SO NE-02-A), as pessoas referirem-se ao trecho a partir de onde elas se encontram como passarela São Paulo, mas, ele afirma: “não é mais São

Paulo, é São Jorge”. A rua Cesário de Medeiros42 (que vai desde o cais de Santa Lúcia até o Agreste) também é objeto de grande confusão, no que se refere à sua nomenclatura. Houve uma intensa discussão entre Marcos e Antônio (SO NE-02-A), neste sentido: Antônio dizia que se tratava da avenida Rio Branco e Marcos insistiu em tratar-se de outra rua. Quando, enfim, Antônio admitiu tratar-se de outra rua, não sabia o nome.

As dificuldades de localização agravam-se porque, muitas vezes, as pessoas, ao indicarem o nome de uma passarela, o fazem usando um identificador que se situa na entrada da passarela. Assim, a passarela Macapá é também conhecida por passarela da Assembléia (por haver uma igreja da Assembléia de Deus junto à sua entrada)43. É comum, também, as passarelas receberem nomes de um de seus

moradores, ou de quem a construiu. Um exemplo disso é dado por Pinduca (SO NE- 08-A) que afirma que a passarela onde mora, passarela Dona Maria Senhora, recebeu este nome devido à pessoa que a mandou construir, de nome “Maria Senhora”.

Portanto quando se deseja localizar algum endereço, o caso fica bem complicado. Os carteiros André e Gilberto (SO NE-05-A) confirmam isto. Eles afirmam que entregam cerca de quatrocentas correspondências por dia e que a dificuldade quanto aos endereçamentos, sobretudo na região de Beira, é muito grande. Gilberto, que está na profissão há dois anos, conta que, no início, achava muito complicado encontrar os endereços indicados. As dificuldades foram minimizadas pelo uso de um mapa (Figura 12) elaborado por André, que já está na profissão há cinco anos. André conta que elaborou o mapa para que o carteiro que cobria suas férias, e vinha de Macapá, pudesse dar conta das entregas. O mapa foi elaborado tendo como indicador para as passarelas o número da casa que se situa na entrada da mesma. Os números das casas são dados pela Companhia Amapaense de Esgoto, Saneamento e Água (CAESA). Também, após uma campanha liderada pelo próprio carteiro André para conscientizar a população quanto à necessidade de procurar indicar o endereço correto, segundo conta, a

42A rua Cesário de Medeiros é uma construção recente (não sei precisar a data de sua inauguração)

e, pelo que pude perceber, faz parte de um projeto de “aproximação” entre a região Seca da cidade e o rio, mais precisamente, o cais. O distanciamento do rio significa uma dificuldade de acesso aos meios de transporte, escoamento de mercadorias e recebimento de outras.

43Houve uma discussão entre Antônio e Marcos para decidirem a respeito de qual passarela estavam

falando, visto que Marcos afirmava tratar-se da Passarela da Assembléia e Antônio contestava, afirmando tratar-se da Passarela Amapá (SO NE-02-A).

situação está um pouco melhor. Entretanto mostraram duas correspondências cujo destinatário estavam tentando descobrir: uma delas indicava o nome do destinatário, uma mulher, e no endereço constava apenas “Laranjal do Jari”; a outra indicava como endereço “passarela do Laguim”44, sem numeração (que é muito comum), e eles afirmam não conhecer tal passarela. Entretanto muitas correspondências chegam até seus destinatários porque eles já conhecem bem as pessoas e, assim, podem efetuar a entrega. Segundo contam, até as contas telefônicas são emitidas com endereços errados pela Companhia Telefônica, sendo que muitos desses endereços simplesmente não existem tal como consta da correspondência. Neste caso, as pessoas precisam ir até a Agência dos Correios para retirarem suas contas, que são identificadas pelo nome do assinante.

44Especulamos que passarela do “Laguim” poderia ser do “Laguinho”, mas também não existe

Relatarei, agora, uma situação que ocorreu comigo e é bastante descritiva das dificuldades de localizações e endereçamentos. Eu desejava ir à Passarela do Ceará, fazer uma visita domiciliar e resolvi pedir ajuda para me localizar45. Estava andando na Passarela São Jorge (no sentido avenida rio Branco-passarela Principal) e perguntei a duas mulheres (SO NE-27), que se encontravam sentadas na entrada de uma casa de altos e baixos46, onde ficava a Passarela do Ceará. Elas não souberam informar. Na verdade, não sabiam identificar qual é a passarela do Ceará. Elas moram na cidade há muitos anos. Uma delas, a mais velha, há mais de vinte anos. Ela veio de Almeirim ainda pequena. A outra nasceu em Laranjal mesmo e tem vinte e sete anos de idade. Enquanto conversávamos, apareceu um rapaz, conhecido por Jamaica, que entrou na conversa. Após conversarmos um pouco, perguntei-lhe se ele conhecia a passarela do Ceará. Ele respondeu positivamente. Pedi, então, que me explicasse como poderia fazer para chegar até lá. Primeiramente, ele me disse que era para ir pela avenida Rio Branco até que avistasse uma casa à esquerda, uma casa grande, diferente das outras, era a casa de uma pessoa bastante conhecida na região; quase na frente da casa ficava a passarela do Ceará. Então, disse que preferia ir pela ponte Principal: como eu faria? Ele afirmou que deveria ir andando na ponte Principal até chegar a um lugar que ele denominou de “ponto zero”47. Era só continuar e chegava lá. Como ele viu, creio eu, pela minha fisionomia, que não estava satisfeita, ele começou a explicar novamente riscando, imaginariamente, na tábua da escada. Pedi, então, que ele desenhasse no meu caderno de campo. Depois de virar o papel algumas vezes, para um lado e para outro, como que tentando situar-se espacialmente no espaço do papel, foi desenhando e explicando as passagens (Figura 13)48.

45Na verdade, trata-se de uma estratégia de investigação que se mostrou bastante produtiva. 46Casa de altos e baixos: é como a população local se refere a uma casa de dois andares.

47O chamado por ele “ponto zero” é mais conhecido por “curva da Dabel”, por causa de uma antiga

distribuidora de bebidas de mesmo nome, que agora encontra-se fechada. Creio que a nomenclatura “ponto zero” seja devido à existência de uma curva bastante acentuada, de aproximadamente 90º, formando uma “quebra” na passarela.

FIGURA 13

PASSARELA DO CEARÁ

PASSA POR SEIS CHEGADA

PASSARELAS

PONTO ZERO (local onde a ponte faz um “cotovelo”)

PONTE PRINCIPAL

Sentido de deslocamento Passarela São Jorge

PARTIDA

A partir daí, tentei, seguindo o mapa que Jamaica desenhou, chegar até a passarela do Ceará. Contudo tive muita dificuldade, principalmente em saber o que ele estava chamando de “passarela” após a passagem do chamado por ele “ponto zero” (que foi de fácil identificação). Havia várias entradas de pequenas passarelas (que depois fiquei sabendo que não são passarelas e sim becos), que só chegavam a uma única casa, ou a um emaranhado delas. Resolvi, então, contar somente aquelas que eu considerava passarelas: as maiores e mais largas e que eu percebia que tinham continuidade.

Não deu certo. Andei muito e então resolvi fazer outra tentativa, consultando uma garota, de nome Adriana (SO NE-29), de onze anos de idade. Ela estava sentada em frente a uma baiúca49 na qual trabalha todas as manhãs. Ela me explicou que estávamos no bairro Sagrado Coração de Jesus e que a passarela do Ceará ficava mais acima, no bairro Santarém. Portanto eu teria de voltar: havia passado por ela e não tinha sido capaz de reconhecê-la. Pedi, então, que ela detalhasse onde se situava a passarela, considerando minha dificuldade de localização dos pontos por ela indicados. Adriana disse que era para eu seguir reto,

49Baiúca é um pequeno comércio (do tipo mercearia) situado, normalmente, na frente da casa onde

passar pela curva do Falcão, (que tem esse nome devido ao dono de um comércio que fica bem na curva e agora se encontra fechado) e seguir direto até a Escola Irandyr Pontes. A passarela ficaria logo depois da escola, quase em frente a ela. Ela ainda fez um desenho (Figura 14)50indicando a Passarela do Ceará.

FIGURA 14

Adriana não escreveu no desenho, mas foi me falando o que cada ponto de referência significava, enquanto desenhava. A partir daí, perguntei a ela quem lhe havia ensinado como encontrar pessoas e casas, considerando que ela já havia indicado a dificuldade de localização de endereços, uma vez que, ela mesma afirma, as passarelas não têm seus nomes indicados. Ela respondeu que sua mãe a ensinou, andando com ela nos locais, mostrando as passarelas e dizendo seus nomes.

Seguindo sua indicação, consegui, finalmente, chegar à passarela do Ceará. Porém precisei perguntar mais uma vez, visto que, no mapa da Adriana, a passarela do Ceará ficaria depois da escola e ela está, na verdade, antes da escola. Quando consegui encontrar a tal passarela, perguntei a uma moradora qual era o nome daquela passarela, na tentativa de confirmar, e ela, apesar de morar ali, não sabia seu nome. Ela então perguntou para algumas pessoas que se encontravam por ali, moradores locais, e, por fim, chegou à conclusão que aquela era, de fato, a passarela do Ceará.

Com essa experiência foi ficando claro para mim aquilo que Certeau declara:

A caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita etc., as trajetórias que “fala”. Todas as modalidades entram aí em jogo, mudando a cada passo, e repartidas em proporções, em sucessões, e com intensidades que variam conforme os momentos, os percursos, os caminhantes. Indefinida diversidade dessas operações enunciadoras. Não seria portanto possível reduzi-las a seu traçado gráfico (CERTEAU, 2001 [original 1980], p. 179).

Neste sentido, a experiência de caminhar ao longo de passarelas e trapichos me propiciou uma experienciação das práticas sociais de Laranjal que me leva a refletir acerca das vivências espaciais que ali se dão. São práticas sócio-espaciais, com suas regras, suas lógicas e suas racionalidades próprias que produzem a cidade. São também sentimentos, sensações (cheiros, cores, asperezas, saliências, sons), memórias que vão impregnando de Laranjal o seu morador, o seu visitante.

Essa história começa ao rés do chão, com passos. São eles o número, mas um número que não constitui uma série. Não se pode contá-lo, porque cada uma de suas unidades é algo qualitativo: um estilo de apreensão táctil de apropriação cinésica. Sua agitação é um inumerável de singularidades. Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares (p. 176).

Mas, igualmente, os “passos” são moldados pelo espaço: nesta modelação mútua, o caminhar vai além do “deslocar-se” e passa buscar por um “situar-se”. Em Laranjal, esse situar-se parece ser aprendido e apreendido no próprio caminhar. O aprendizado da locomoção-localização se desenvolveria segundo as próprias práticas cotidianas de espaço. Entretanto é muito difícil identificar e analisar tais práticas: “Nossas categorias de saber ainda são muito rústicas e nossos modelos de análise por demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível abundância inventiva das práticas cotidianas” (CERTEAU, 2000 [original 1994], p. 342).

De mais a mais, a organização espacial de Laranjal parece distanciar-se de um “espaço geométrico dos urbanistas e dos arquitetos”51, na medida em que lá, a cidade é, ela mesma, espaço vivido, espaço “figurado”, metafórico, com seus múltiplos sentidos. A polissemia da cidade se produz ainda com maior força na forma como são – ou, muitas vezes, não são – usadas as nomenclaturas para as passarelas e ruas: parece não haver uma preocupação, por parte dos moradores locais, com nomear ou numerar o espaço no qual vivenciam seus cotidianos.

51“O espaço geométrico dos urbanistas e dos arquitetos parece valer como o ‘sentido próprio’

construído pelos gramáticos e pelos lingüistas visando dispor de um nível normal e normativo ao qual se podem referir os desvios e variações do ‘figurado’” (CERTEAU, 2001 [original 1980], p. 180).

Construindo mapas, produzindo espaços.

A maioria dos mapas esquemáticos produzidos pelos participantes da investigação foi elaborada, na minha interpretação, segundo uma “maneira de produzir” que estarei denominando de “a arte52 do observador-flutuante-

caminhante”. Isso que estou chamando de arte é uma maneira de proceder para

criar, inventar, gerar, ou seja, é uma poética, ou, ainda, “maneiras de fazer” ou “artes de fazer”53. O observador-flutuante-caminhante é aquele que, ao observar, o faz, simultaneamente, verticalizando (observa e representa aquilo que se vê se se estivesse flutuando sobre a cidade) e horizontalizando (observa e representa o que se vê quando se caminha por ruas e passarelas). Assim, os elementos participativos dos mapas são oriundos de um olho abstrato que produz uma “vista superior” e de um olho particular, encarnado em um sujeito, em suas práticas cotidianas.

O “olho abstrato” pretende dar conta de todo conhecimento do espaço: uma representação espacial abstrata, desvencilhada das armadilhas do viver cotidiano, do “olho encarnado”. Uma visão que só é possível quando se olha “de cima”, uma “vista superior”. Certeau, ao falar da vista que se tem – ou melhor, que se tinha - de Nova York a partir do World Trade Center, usa-a como metáfora para pensar o espaço e, mais amplamente, a questão do saber:

Aquele que sobe até lá no alto foge à massa que carrega e tritura em si mesma toda identidade de autores ou de expectadores. Ícaro, acima dessas águas, pode agora ignorar as astúcias de Dédalo em Labirintos móveis e sem fim. Sua elevação o transfigura em voyeur. Coloca-o à distância. Muda num texto que se tem diante de si, sob os olhos, o mundo que enfeitiçava e pelo qual se estava “possuído”. Ela permite lê-lo, ser um Olho solar, um olhar divino. Exaltação de uma pulsão escópica e gnóstica. Ser apenas este ponto que vê, eis a ficção do saber (CERTEAU, 2001 [original 1980], p. 170).

Em alguns mapas desta investigação, somente este “olho abstrato”, do

observador-flutuante entra em ação e as representações resultantes são

esquemas mais sintéticos, livres de ”qualidades sensíveis” do espaço. Manuel (SO NE-02-A) elaborou uma representação esquemática (Figura 15) deste tipo. Trata-se

52Arte, neste sentido, significa uma certa habilidade ou virtude para fazer ou produzir algo

(FERRATER MORA, 1998 [original 1993]).

de um esquema-síntese: seus elementos são aqueles que o autor considera de relevância para a cidade: o rio Jari, as passarelas Principal e Vaga-lume, as ruas Tancredo Neves, Rio Branco e Cesário de Medeiros e o bairro Agreste. Se comparado à Figura 11, do mesmo autor, podemos observar que ele, na presente figura, apenas esquematiza, com seu “olho abstrato”, aquilo que produziu na Figura

11, com seu olhar encarnado de “artista”, como imagem para Laranjal do Jari. Aqui

ele elimina os elementos advindos do observador-caminhante como as casas coloridas, as palafitas, o azul do rio, a mata. Trata-se, pois, de um “esquema geométrico”, no qual as cores são aplicadas a posterior e têm por objetivo não uma aproximação com a “imagem” do local, mas, antes, uma atribuição de valores a relações sociais. Este esquema (Figura 15) pode ser considerado uma representação matematizada da imagem que ele tem de Laranjal (Figura 11).

Rogério54 e Roberto (SO NE-03-A) elaboraram também representações que

privilegiaram, tal qual as representações espaciais na modernidade, o observador-

flutuante, ou seja, o “olho abstrato”, que produz uma “vista superior”. Rogério

(Figura 16) procurou representar a Beira e parte do Agreste: ele pretendia, na

verdade, representar um espaço que comportasse o campo de futebol, o Queirogão55, como é conhecido. A distância entre a Beira e o Agreste foi

subestimada, ou melhor, foi tratada com base em escalas vivenciais. Ele mesmo afirmou que “se fosse fazer do tamanho certo não dava não, mas eu queria fazer o Queirogão”. Os referenciais, como o Posto de Gasolina e a rua Emílio Médice, no Agreste, assim como a rua da Usina e a rua Beira Rio, na Beira, foram registrados. Roberto (Figura 17), por sua vez, concentrou-se na Beira, no centro comercial.

Grande parte dos mapas apresentam figuras “rebatidas”: o observador-

caminhante, que olha e representa o que o olho vê; capta e representa construções

civis, plantas, árvores em “vista de frente”; é o que o olho vê, e, enquanto caminha, olha para as coisas e as registra como as vê. Entretanto, o observador-flutuante, que olha tudo de cima e representa as imagens em um plano, veria essas figuras