• Nenhum resultado encontrado

Entretenimento e crença na fé, magia e sorte

3. A P ROCURA DE P RODUTOS DE L OTARIA

3.3 Teorias Baseadas no Contexto

3.3.1 Entretenimento e crença na fé, magia e sorte

Reith (1999) oferece uma visão compreensiva da história social e da filosofia do jogo, contextualizando-a num quadro social que se inicia com as origens dos jogos de sorte, superstição e divinação. É interessante denotar que só mais recentemente, na nossa sociedade racional, é que os comportamentos irracionais ou baseados na sorte ou fé

43 começaram a ser considerados de forma menosprezante. Por exemplo, muitos dos estudos dos efeitos psicológicos e sociais do jogo (especificamente, aqueles efectuados por Rogers 1998, Griffiths e Wood 2002, 2004) assumem, ou consideram que aqueles que se envolvem em actividades de jogo e a superstição e o “pensamento mágico” que lhes está subjacente, estão em desvantagem, quando comparados com o resto da nossa sociedade racional. Isto demonstra uma imposição de valores e implica uma avaliação diferenciada das vidas, experiências e práticas, baseadas em factores como o sucesso económico, nível educacional e a capacidade de racionalidade.

Um dos pontos fortes da abordagem abrangente de Reith (1999) é o que permite a observação da natureza constante e persistente das tendências de procura de risco, não como uma aberração do ponto de vista da visão racional dominante e supostamente inerentemente superior, mas como uma percepção de uma tendência constante e aparentemente inflexível. Curiosamente, Reith (1999:17) observa que mesmo os filósofos sociais, bastante relacionados com o desenvolvimento da racionalidade analisam e reconhecem que a “irracionalidade profunda” faz parte da vida moderna. A autora cita, por exemplo, Jean Paul Sartre, que afirma existirem certas actividades como o desporto que, embora absurdas se reduzidas a si mesmas, possuem significados que as transcendem (Sartre 1957: 60 citado por Reith 1999: 1).

“Win or lose, play is all; it is an end in itself and so the goal of the gambler is simply to remain in play.” (Reith, 2006:285).

Reith (2006) defende que gambling é um tipo especial de consumo com um componente experiencial único. Segundo a autora, referenciando Huizinga (1949), Caillois (1962) e Goffman (1961, 1963), o carácter peculiar dos jogos é essencialmente a sua separação da vida real, quer em termos espaciais quer temporais, onde o mundo

44 dos jogos é constituído por um conjunto de regras diferentes das do mundo real, pelo que os jogadores vivem um conjunto de motivações diferentes daquelas que constituem a rotina do dia-a-dia, aos quais são livres para experimentarem novos papeis e assumir novas identidades embora temporárias.

Giddens (2006) afirma que o jogo tem vindo a tornar-se mais importante no nosso ambiente – um ambiente em que temos, pelo menos, a ilusão de um grande nível de controlo sobre o nosso futuro. O autor argumenta que as noções de fé e destino não desapareceram de todo nas sociedades modernas, mas têm necessariamente de ser interpretadas de um modo diferente do que terão sido numa sociedade pré moderna, onde a vida quotidiana era composta de muitas incertezas e onde um sentido de destino, fé ou fatalismo acompanhava toda a nossa percepção do mundo. (ver Giddens, 2006: 9).

Este sociólogo explica que a noção de determinismo – não ter controlo sobre o nosso destino – é antiética aos olhos do mundo moderno e que o conceito de Sorte teve, ao longo da história ocidental, uma relação difícil com o Cristianismo (Giddens, 2006. 30). No entanto, apesar destes elementos da história humana terem sido parcialmente ultrapassados, eles não podem ser anulados. Actualmente eles manifestam-se, em parte, através da prática do jogo.

O jogo é claramente um fenómeno que, aparentemente irracional quando se tem por base o gasto de dinheiro e a promessa escassa de retorno, pode ser considerado como claramente racional. Os meios transcendem o simples julgamento de racionalidade/irracionalidade. A desaprovação actual quanto ao jogo e a outros comportamentos “irracionais” é o resultado de duas tendências aparentemente conflituantes. Uma, como mencionado, foi a ascensão da racionalidade durante a era do

45 Iluminismo. A outra, que surgiu aproximadamente na mesma altura, foi a critica religiosa crescente contra a natureza pecaminosa do jogo (ver Reith, 1999:5).

Porque o futuro foi “colonizado” e, de forma ostensiva, pouca incerteza reserva, a necessidade de um sentido de destino é procurada ou activamente cultivada. Este argumento implica que a consciência humana individual e colectiva tem a necessidade do risco e da incerteza, e tal necessidade implica que estes elementos suportam uma função útil.

No caso de desportos radicais, por exemplo, os indivíduos assumem riscos como forma de diversão. Lyng (2005) introduziu a expressão “Edgework” para revelar as formas voluntarias de arriscar dos indivíduos. Para este autor o acto de arriscar apresenta algumas contradições. Se por um lado pode ser identificado como um escape à rotina diária dos indivíduos em certos contextos sociais, por outro pode constituir uma resposta a questões da sociedade moderna, revelando em si mesmo uma resposta institucional e cultural aos imperativos da ordem social, como princípio extensível às actividades politica, económica, cultural e de lazer.

A gestão do risco Segundo Giddens (2006) aparece na segunda era da modernidade com manifesto interesse na segurança e nos riscos inerentes à sociedade. No entanto na mesma sociedade, os agentes são encorajados a cultivar o risco.

De facto, a percepção do risco alterou-se ao longo dos tempos. Em 1907, por exemplo, uma em cada sete crianças morria. Com o avanço da medicina isto já não acontece. No entanto, outros factores contribuíram para o risco das sociedades modernas, como é o caso do aumento da poluição, o consumo do álcool e tabaco, entre outros.

Segundo o autor, o ambiente de risco estruturado institucionalmente é mais proeminente nos dias de hoje do que no passado, e afecta todos. Exemplo desses sistemas institucionalizados de risco são os mercados competitivos, o poder laboral e os

46 investimentos financeiros. Estes ambientes institucionais de risco também ligam os riscos colectivos aos individuais de diversas formas que, através do fenómeno da globalização, estão agora ligados à economia capitalista global.

Nos dias de hoje, nada pode ser assumido como garantido quer a nível das práticas diárias quer a nível da interpretação filosófica. O que hoje é aceitável ou apropriado pode ser alterado amanha à luz do desenvolvimento do conhecimento. Para Giddens (2006), pensar em termos de risco tornou-se um modo de colonizar o futuro.

“The notion of risk becomes central in a society which is taking leave of the past, of traditional ways of doing things, and which is opening itself up to a problematic future.” (Giddens, 2006: 31)

Assim, uma função possível do jogo é servir como um teste de coragem ou integridade. O jogo pode preencher a mesma ou similar função que qualquer outro desporto, disputa ou contenda. Por outro lado, a introdução de um elemento de risco pode, também, servir para confirmar a segurança da vida quotidiana. Como Giddens (2006) defende, a exposição deliberada à incerteza permite à actividade em causa destacar-se como uma medida contra as rotinas da vida quotidiana (ver Giddens 2006:50).