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Entrevista com Clóvis Oliveira (18/03/16, São Paulo-SP)

Primeiro, eu queria te pedir para situar e contextualizar a relação, se ela existe, entre a permacultura e a agroecologia.

Na verdade, são a mesma coisa, no fundo. A diferença talvez seja um pouco mais da permacultura estar melhor estruturada, melhor sistematizada e estar indo muito além da produção no campo. Então a permacultura consegue pensar de forma mais ampla a construção, a condição social até, ela pensa muito mais a bioconstrução, a questão do manejo de águas no sentido principalmente de águas negras, águas cinzas, ela tem isso mais estruturado. A questão da agroecologia deve caminhar pra isso, mas no fundo eu acho que são duas coisas que caminham juntas, no mesmo caminho, falam a mesma língua e tão no mesmo processo produtivo, talvez é pela própria falta de cultura do Brasil, a própria falta de cultura brasileira faz com que a agroecologia esteja mais focada na questão produtiva, não tenha conseguido chegar ainda na construção, em outros aspectos que a permacultura traz.

Essa sistematização que existe da permacultura em princípios, uma estrutura teórico- filosófica, conceitual.

Sim, a flor da permacultura, onde você tem as pétalas bem delineadas, quais são as pétalas. E a agroecologia não avançou muito nisso ainda, embora internamente todo mundo pense isso.

E pra quem discute, estuda, faz agroecologia, a permacultura é algo que está presente no pensamento dessas pessoas?

Sim, muitas vezes na formação dessas pessoas. Muitas das pessoas que estão na agroecologia hoje, elas beberam dessas fontes, elas beberam de curso, de vídeos, de alguma

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Nas entrevistas, as perguntas do autor estão diferenciadas das respostas dos entrevistados pela fonte em negrito.

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forma eles se alimentaram da permacultura, porque isso já tá bem difundido no Brasil também.

Eu imagino também que quem está envolvido com a agrofloresta, quem hoje se diz 'agrofloresteiro' e que produz com agrofloresta, também tem essa relação com a permacultura, seja algo conceitual, na prática ou tácito.

Se você for pensar a agrofloresta dentro da Permacultura e da Agroecologia, a agrofloresta é uma ferramenta de produção, é um instrumento de produção. A agroecologia e a permacultura, são os modelos, os fundamentos, são o que dá o norte. A agrofloresta é só, mas eu não que falar que é só uma técnica, porque ela não é só uma técnica, é um processo de interação, tem todo uma questão que envolve isso, é uma ferramenta; porque na permacultura eu posso usar a agrofloresta, mas posso usar outras formas de produção que não só a agrofloresta, eu posso usar uma horta mandala, mesmo um cultivo consorciado rotacionado, uma coisa mais simples, eu não preciso me prender ou me limitar na agrofloresta, eu posso ir além posso usar outros modelos, outros instrumentos de produção, outras técnicas de produção além da agrofloresta, porque ela é uma técnica.

O que definiria então, todas essas possibilidades enquanto agroflorestas? O que define o modo de produção da agrofloresta?

Primeiro, a gente tem uma diversidade de tipos de agrofloresta, então desde consórcios de três ou quatro espécies que as pessoas chamam de agrofloresta, inclusive colocando veneno e colocando adubo químico, mecanizando muitas vezes e tem a linha que eu trabalho que é a agrofloresta biodiversa e sucessional, que é um sistema que vai mimetizar a natureza, vai mimetizar o funcionamento do ecossistema florestal, vai pensar que tem que ter os estratos, as plantas de ciclo curto, de ciclo médio e de ciclo longo, eu tenho que pensar no espaço temporal, físico e temporal, tenho que pensar no tempo também nas plantas que vão estar lá.

E existiria então nessa ideia de consórcio, uma ideia de causalidade entre uma planta e outra, do que uma faz a outra se beneficia?

A agrofloresta utiliza muito isso, no sentido de uma planta cuidar da outra, posso te dar o exemplo muito claro da bananeira ela é uma planta que junta água no seu pé, se eu caso

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uma Jussara ali, essa bananeira vai suprir a necessidade de água da Jussara no pé dela ali. Então, tem muito essa relação sim.

A agricultura sintrópica do Ernst Götsch, ela estaria como um modelo de agrofloresta ou algo mais conceitual e teórico?

Eu acho que casa, ele é conceitual e é teórico, no sentido que o Ernst quer divulgar essa ideia, mas ele também tem a ver com a dinâmica da agrofloresta, porque se eu pensar na agrofloresta biodiversa e sucessional, ela tem tudo a ver com o sintropismo da agricultura sintrópica, porque na verdade eu vou pensar no dia que eu estou agindo ali, como é que eu estou energeticamente fazendo aquele trabalho ali, por uma questão de biodinâmica, de entropia.

A palavra sintropia vem do contrário de entropia?

Exato.

Então é a ideia que você vai produzir mais energia dentro do sistema.

Sim.

Eu vi algumas coisas e isso é realmente interessante, essa ideia da sintropia, essa mimetização da vida, do elemento biótipo, como um elemento que, dessa cadeia de causalidades e que cumpre um ciclo natural dele, nisso que eu estou me interessando bastante nos aspectos técnicos.

No aspecto social, queria que você falasse um pouco sobre como a Permacultura, a agroecologia, como elas se mostram, como que elas enfrentam a crise socioambiental.

Acho que pelos próprios princípios básicos. No sentido que a permacultura tem nos três itens básicos, cuidar da terra, cuidar do social (as pessoas ao redor), cuidar do lugar que a gente vive. Então, é um pouco assim, tem um cara que talvez valha a pena ler, que chama Bernardo Toro, é a Ética do Cuidado, em algumas falas ele traz a ética do cuidado. Então, o que é a ética do cuidado, na hora que a gente resgata essa questão da ética do cuidado, cuidar da gente, cuidar do solo, cuidar da comunidade, a gente vai enxergar nisso as bases da permacultura e da agroecologia, então é exatamente o cuidado. Eu tenho um sistema que estava pouco se lixando pras externalidades e vou me ligar com um sistema da ética do cuidado. Na verdade a grande questão no sistema de hoje é o consumismo, a produção de

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coisas que não precisa utilizando os recursos naturais que são necessários pra a gente; então eu tenho uma super-exploração de recursos naturais pra produzir coisas que a gente não precisa, ou pra produzir coisas que podem ser melhor utilizadas se não tivesse obsolescência planejada. Então, quando a gente começar a pensar "eu não vou comprar esse brinquedinho porque ele não pode custar três reais! Porque nele tem trabalho, ele foi transportado, nele tem matéria prima, essa matéria prima sai do campo, teve um trabalhador que trabalhou, teve a fábrica, o transporte, o comércio, como que isso pode custar três reais? Alguém deve estar pagando por isso, esse preço tá em algum lugar, ou está na exploração do trabalho, ou na exploração do meio ambiente, ou tá no resíduo do lixo que ficou". Esse preço tá em algum lugar, então a gente precisa trazer esses preços, construir a precificação, no sentido que todos os processos que envolvem a produção daquela coisa ali.

É bem um pensamento do valor de um ponto de vista consciente e responsável, pensando o valor da mercadoria do ponto de vista ecológico.

Sim, e pensando 'será que eu preciso mesmo daquilo ali?‟

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