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Entrevista com crianças: considerações relativas aos procedimentos

CAPÍTULO I – A pesquisa e seu contexto

1.4 Implicações metodológicas

1.4.2 Entrevista com crianças: considerações relativas aos procedimentos

Sinalizada a importância da participação das crianças nos processos investigativos, há de se considerar a relevância e abrangência da coleta e da validade dos dados no formato de entrevistas e, para tanto, Oliveira-Formosinho (2008, p. 19), destaca em seus estudos “algumas considerações relativas a três aspectos diferentes, mas complementares, da investigação com crianças feita com recurso central a entrevistas: os procedimentos metodológicos, a consistência e validade dos conteúdos e as considerações éticas.”22

No que diz respeito aos procedimentos, a coleta dos dados poderá constituir um processo bastante complexo, “sendo que a negligência relativa a aspectos desse processo poderá fazer perigar a validade dos dados coletados” (OLIVEIRA- FORMOSINHO, 2008, p. 19). Para tanto, merece especial atenção a definição do contexto no qual a entrevista será realizada, o papel do entrevistador e a utilização de estímulos que auxiliem o envolvimento e na expressão da criança sobre o objeto a ser captado. Destaca-se a importância do contexto da entrevista a partir dos domínios as crianças, proporcionando-lhes motivação e reduzindo a ansiedade, o que se explica pelo fato de comportamentos e atitudes dependerem do contexto e influenciarem a forma como as crianças respondem ao que lhes é questionado. Frente a isto, dois importantes contextos se destacam na análise realizada por

22 Segundo a pesquisadora, a razão para nos centrarmos nas entrevistas reside no fato de existir informação

Oliveira-Formosinho (2008), sendo o primeiro deles o ambiente familiar e o segundo o ambiente escolar, ao qual nos reportamos com maior especificidade na realização dos estudos de nosso objeto.

Nas entrevistas realizadas no ambiente familiar as crianças são consideradas membros da família e, consequentemente, o risco encontra-se na possibilidade de suas respostas serem influenciadas, haja vista que a presença do pesquisador neste contexto necessita ser negociada a partir das próprias condições oferecidas tanto pela família quanto pela própria criança. Por sua vez, cuidados também se fazem necessários, pois tanto o pesquisador pode dar a entender que busca respostas corretas, quanto a criança pode se sentir pressionada a dizer algo que seja aceito pelo seu grupo de referência, já que neste modelo optamos por realizar a entrevista com pequenos grupos.

No caso do papel do entrevistador, possíveis erros podem interferir no desenvolvimento do processo investigativo, caracterizados, num primeiro momento, por uma postura que considere as crianças enquanto imaturas em sua capacidade de conceituar, somada às ideias de que elas assumirão a entrevista tal como um adulto ou que devam se render a busca de uma resposta certa que satisfaça as perspectivas de quem as questiona. A este respeito, é Oliveira-Formosinho quem favorece uma melhor sistematização deste processo, no qual o entrevistador poderá superar estes erros a partir do momento em que:

 oferecer às crianças as suas próprias perspectivas, ideias e observações, de modo a estimular o pensamento da criança;

 entrevistar as crianças em pares ou pequenos grupos, normalmente confortável para que o diálogo flua e a troca de informações favorece a construção de respostas;

 respeitar o momento da criança, flexibilizando as orientações para que elas compreendam o assunto em questão;

 a inibição diante de alguma questão possa ser superada por um contexto que a valorize na troca com seus pares.

Para tanto, o uso de estímulos, sejam eles materiais, visuais, sonoros possibilitam maior interação e promovem o interesse da criança, tais como

brinquedos, fotografias e desenhos, entre outros, e neste caso optamos por considerar na realização desta pesquisa a representação gráfica com uso de lápis de cor e folhas de papel sulfite, solicitando às crianças a ilustração do contexto escolar a partir da seguinte comanda: “Vocês conhecem o que é uma escola, sabem como

ela funciona, o que nela tem e com uso destes materiais irão desenhar o que sabem sobre ela”. Consequentemente, estes desenhos tornaram-se materiais de apoio

imprescindíveis, porém, o foco em análise dedica especial atenção à verbalização das crianças sobre o objeto em estudo, no caso a representação social da escola, captando suas vozes em relação a este vasto universo.

Delimitado o formato, há de se considerar a importância da consistência e da validade dos conteúdos das entrevistas, reconhecendo a adequação da temática e das questões pertinentes e relevantes à experiência social e emocional da criança e às suas realidades familiares e culturais, bem como atentar aos desafios éticos que perpassam todo o desenvolvimento da pesquisa com crianças. O maior deles encontra-se no respeito pelas crianças, reconhecendo-as como sujeitos co-autores do processo de investigação. Para tanto, importantes orientações foram seguidas, em vista de garantir a necessária permissão para adentrar a vida das crianças e com elas compartilhar a análise das questões referentes à representação social da escola a partir de suas vozes. São elas23:

a) Consentimento informado da criança;

b) Consentimento informado dos pais e/ou responsáveis da criança;

c) Finalizar qualquer sessão em que seja visível algum tipo de desconforto na criança;

d) Promover por meio de agradecimento, ao término da sessão de entrevista, a autoestima da criança;

e) Garantia da privacidade no que concerne à sua imagem física e psicológica; f) Garantia do anonimato no momento da divulgação dos resultados da

investigação.

Estes, dentre muitos outros elementos, tornam-se critérios fundamentais no desenvolvimento de um estudo que prima pela valorização dos sujeitos envolvidos.

Por se tratarem de crianças, há de se primar eticamente pelas suas participações, reconhecendo as limitações e as potencialidades do processo de investigação. Superar situações que possam reprimir e até mesmo interferir precariamente na dinâmica de trabalho torna-se condição ímpar para o alcance dos objetivos a serem atingidos.

CAPÍTULO II – INTERLOCUÇÕES HISTÓRICAS E SOCIOLÓGICAS SOBRE UM TEMA QUE NOS É CONTEMPORÂNEO

Uma palavra é um microcosmo da consciência humana.

Vygotsky