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5 METODOLOGIA

5.1. CONSTITUIÇÃO DA AMOSTRA

5.1.1 Entrevista

Labov (2008 [1972]) adverte que toda pessoa que começa a estudar a língua em seu contexto social se depara com a questão de como analisar a linguagem de um individuo em interação cotidiana, sem a interferência de algo diferente externo. Isso porque a mera presença do sociolinguista no ambiente de interação cotidiana já seria uma interferência, o que configura o paradoxo do observador: “deve-se descobrir como as pessoas falam quando não estão sendo sistematicamente observadas – no entanto, só podemos obter tais dados por meio da observação sistemática” (LABOV, 2008 [1972], p. 244).

Dessa forma, nos termos de Labov (2008 [1972]):

a fala da entrevista é fala formal – não por qualquer medida absoluta, mas em comparação com o vernáculo da vida cotidiana. Em seu conjunto, a entrevista é uma fala pública – monitorada e controlada em resposta à presença de um observador externo. (p. 63)

Hoffnagel14 (2005) afirma que, considerando gênero como um evento comunicativo, se pode pensar em entrevista como uma constelação de eventos possíveis que se realizam como gêneros ou subgêneros diversos. Isso porque o gênero entrevista abarca uma série de modalidades diferentes: jornalística, médica, científica. Costa (2009) em definição do gênero entrevista afirma que: “Trata-se, em qualquer caso, de um gênero formal de troca/busca de informações, em que o entrevistador deve estar seguro sobre o que vai perguntar a fim de obter informações relevantes” (p. 103). O que podemos afirmar é que todas as modalidades de entrevista têm em comum o modelo de

14 Aqui, citamos o artigo “Entrevista: uma conversa controlada”, publicada no livro Gêneros Textuais & Ensino, de organização de Dionísio, Machado & Bezerra (2005).

perguntas e respostas, ou seja, um questionário que norteia essa conversa controlada, nos termos de Hoffnagel (2005).

Em nossa interação com o informante, tentávamos romper com o modelo de perguntas e respostas. Conduzíamos a entrevista como se fosse uma conversa o mais informal possível. Por isso, o método de pergunta e resposta era bem mais flexível para nós. O informante é que, na verdade, orientava nossas discussões, como veremos em linhas à frente. Nossas entrevistas sempre se iniciavam com algumas perguntas do tipo: idade, escolaridade, origem e profissão dos pais, dentre outras, para preenchimento da ficha social. Em seguida, já partíamos para a entrevista. Muitas amostras, como as do PortVix e Projeto Censo, com as quais faremos nosso estudo comparativo, optam por dois encontros. No primeiro, faz-se o preenchimento dessa ficha social e, algumas vezes, perguntas básicas que nortearão o questionário a ser formulado para a entrevista propriamente dita, que será realizada no segundo encontro.

Contudo, em nossa amostra, devido ao fato de nossos informantes morarem em localidades de difícil acesso, optamos em fazer a entrevista logo no primeiro encontro. Frisamos que nossos informantes são de diversas regiões do município (Luxemburgo, Santo Antônio, Meia Légua, Retiro, Cabeceira de Santa Lúcia, Rio do Meio, Suíça, Fumaça, Ribeirão dos Pardos e Holandinha), o que dificultaria um possível reencontro. Além disso, nossas entrevistas ficaram restritas aos finais de semana, pois nossos guias tinham apenas esse tempo livre para nos orientar.

Acerca de nossos guias, é importante ressaltar que esses são pessoas ativas na comunidade, que conheciam uma gama de pessoas, o que facilitou muito o acesso aos nossos informantes. Em muitas de nossas entrevistas, fomos acompanhadas pelo senhor Luciano Föeger, pai de Camila, lavrador e comerciante da CEASA. Seu Luciano é o responsável por levar para CEASA seus produtos e de alguns companheiros que não dispõem de transporte (serviço pelo qual cobra uma pequena taxa, sendo muito querido pelos moradores e respeitado por todos). E ainda, a senhora Júlia Candeias Föeger,

mãe de Camila, leopoldinense e agricultora, que nos conduziu a comunidade em que nasceu, além de nos receber com muita hospitalidade, e preparar maravilhosos quitutes para nossas saídas sem hora marcada de regresso. Outros guias fundamentais foram: Anderson Föeger, leopoldinense e taxista da região; Patrícia Gonoring, professora de matemática de uma das escolas de Ensino Fundamental e Médio da comunidade; Ângelo Raimundo Maciel, leopoldinense, e hoje morador de Vitória, em decorrência de estudos acadêmicos; senhor Armando Barth, agricultor leopoldinense. Ressaltamos que essas pessoas foram essenciais em nossas buscas pelos perfis adequados, sem elas, provavelmente, nosso trabalho tornar-se-ia inviável.

Outro fato importante considerado foi a disponibilidade de nossos informantes. Nossos entrevistados, no decorrer da semana, estavam sempre impedidos de nos atender, devido à rotina exaustiva da vida campestre. Grande parte deles acorda entre 04 e 05 horas da manhã, trabalha na roça até as 16 ou 17 horas e, quando retorna para casa, faz uma refeição e deita-se para descanso por volta das 20 horas.

Em nossas entrevistas, tínhamos o auxílio de um gravador, que possibilitou uma transcrição não instantânea de nossas conversas. Em todo momento, buscávamos minimizar o quanto possível nossa interferência, deixando que o próprio informante conduzisse a entrevista. Além disso, optávamos por uma linguagem mais coloquial, para deixar nosso informante com mais liberdade, a fim de motivar o uso do vernáculo. Observe esse artifício no trecho abaixo:

Exemplo (07):

Entrevistador – é::.. então a senhora:: não pretende sair daqui não?...

Informante – não... não... pretendo não... pretendo ficar aqui até::.. Deus me dê/me dê coisa né?... já sou aposentada quinze ano né? .. eu me aposentei com::... em noventa e se::te... aí:: eu fiquei trabalhando um ano na esco::la aí mesmo porque eles perderam meus papel em Santa Leopoldina na enchen::te eles perderam meus papel lá:: e:: fiquei mais um ano trabalhando na esco::la servindo de merenda pros alu::no .. eu servia meren::da botava os prato na me::sa né? ajuda a lavar os pra::to ... ficava servindo ao/...

E – a senhora já fez de tudo também [nessa vida já né?...

Inf – [fiz de tu::do tudo tudo tudo que existir na vi::da ... e a mulher:: ainda virou eu falei com ela que eu trabalhava disse “na::o ... vai se descansar” e nem descansei até hoje nem descansei porque em casa a gente não descansa né? (fem, fund 02, 72 anos)

Note que nossa pergunta inicial se referia à estadia da informante na comunidade. Em nosso roteiro de pergunta, o próximo questionamento seria sobre como é a vida em Santa Leopoldina, por exemplo, se ela gosta de viver ali, ou qualquer outra coisa do gênero. Contudo, a entrevistada começa a falar de sua vida trabalhista, e nós seguimos a conversa nesse sentido. Além disso, a todo o momento mostrava-nos interessados pelas anedotas contadas, experiência de vida, receitas, modo de cultivo de algumas plantas, dentre outros novos assuntos que surgiam a cada entrevista. Diante disso, dizemos que nossa entrevista é do tipo semi-monitorada ou semi-formal. Temos a impressão de que, em muitos momentos, conseguimos tecer um nível de proximidade com nossos informantes, e eles chegaram a se esquecer de nosso gravador – como sugere o excerto abaixo:

Exemplo (08):

Informante - Qual é seu nome? Entrevistador - Meu nome é Lays. Inf - Lays? [demonstra decepção] E - É... Num gostou?

Inf - Era pra ser Princesa. E - Ah!

Inf - O nome da princesa é qual? O mais bonito...

E - Tem a Cinderela... É princesa num é? Depois ele casa com príncipe.. Inf - Já sei... Branca de Neve.

E - Você que tinha quer ser a Branca de Neve. Você é branquinha, loirinha... Inf - A mamãe era pra botar meu nome Branca de Neve.

E - Aí, mamãe! [risos - falando com a mãe da menina]

Inf - Aí eu ia casar com um príncipe. E era aquele menino [referindo-se a um namoradinho, ao qual ela citara em outro trecho]. (fem, fund 01, 08 anos)

Algumas vezes, até nós mesmas esquecíamos do gravador:

Exemplo (09):

Inf – chuchu:: melão conhece chuchu japonês que eles fala?... aquele chuchu de ven::to que eles bota carne den::tro?...

E – não como que faz::?...

Inf- ela num conhece não [falando com o esposo]... cê fura ele um buraquinho em ci::ma e enfia carne gelada pronta den::tro cê bota pra cozinhar menina é uma delí::cia ...

E – coloca car::ne?...

Inf – carne dentro abre um buraquinho miudinho em ci::ma... [...]

Inf – eu também gos::to mas eu gosto mais do chuchu melão:: ... E – é? vou procurar::...

Inf – eu gosto de::sse... chuchu japonês... cê fala chuchu japonês::... E – chuchu japonês ...

Inf – é:: japonês... lembra do japonês que você.. [[risos]] E – lá em casa tem problema que o meu marido não gos::ta .. Inf – ah não::?... verdura não?...

E – hum hum... de jeito nenhum ... Inf – e seu marido é de on::de?... E - ele é de lá debai::xô também::...

Inf – ah é la debai::xô né? ... não é do outros estado ele não né?... E – não é lá de baixo também...

(fem, fund 02, 72 anos) Observe que, em alguns momentos, os papéis de entrevistador e entrevistado eram invertidos, e passávamos a ser os informantes. Em outro momento, pretendemos perceber se, nesses trechos de menor formalidade, houve alteração da percentagem de marcação de plural, comparando com outras partes em que essa proximidade entre os interlocutores não é tão nítida.

Concluímos que o período de campo foi maravilhoso, aprendemos muito com os habitantes da zona rural de Santa Leopoldina. Os leopoldinenses são pessoas encantadoras, com uma cultura muito vasta. As lendas contadas, as receitas ensinadas, as experiências de vida compartilhadas nunca serão esquecidas por nós. Consideramos que Santa Leopoldina abriga um povo pelo qual é impossível não se apaixonar.

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