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5 METODOLOGIA

5.3 VARIÁVEL DEPENDENTE E VARIÁVEIS INDEPENDENTES

5.3.1 Variável dependente – o fenômeno

Este trabalho estabelece como variável dependente a presença ou a ausência da marca de plural dentro do sintagma nominal, como evidenciado nos exemplos abaixo, extraídos de nossa amostra:

Exemplo (10):

Entrevistador - [...] E você ajuda seus pais?

Informante - Tem vez eu ajudo na limpada da casa um pouquinho. E - É? Você faz o quê?

Inf - Varro um pouquinho, limpo os móvel.

E - E você sabe varre, ou senão a mãe quando chega tem que varrer tudo de novo?

Inf - Eu sei.

E - Você sabe direitinho!? E o que mais você faz para ajudar sua mãe? Inf - Limpo os móveis.

(fem, fund 01, 08 anos)

Note que a não realização da concordância não é prejudicial para o entendimento da informação transmitida pela menina. Além disso, a criança alterna entre a estrutura não padrão - “os móvel” – e a padrão da língua - “os móveis” – sem prejuízo ou alteração semântica da sentença. Isso converge com o pressuposto laboviano, citado anteriormente, de que as variantes são formas diferentes de dizer a mesma coisa. Essa alternância feita pelos falantes será analisada aqui, em função de sua relação com variáveis sociais e linguísticas, das quais falaremos no capítulo sequente.

Bortoni-Ricardo (1998) defende a existência de três continua importantes para o entendimento do português brasileiro: rural-urbano, oralidade-letramento e monitoração estilística. Esses se relacionam no momento do uso linguístico. Contudo, em virtude dos objetivos traçados para esta pesquisa, optamos por restringir nossa reflexão ao primeiro continuum.

Segundo a linguista, ao longo do continuum rural-ubano, temos duas regras variáveis:

regras que definem uma estratificação “descontínua” e que caracterizam as variedades regionais e sociais isoladas, recebendo maior grau de estigmatização na sociedade urbana hegemônica, e regras graduais, que definem uma estratificação contínua e estão presentes no repertório de praticamente todos os brasileiros, dependendo apenas do grau de formalidade que conferem a fala (p. 102)

A partir desses esclarecimentos, percebemos que o fenômeno aqui analisado se situa em um ponto de interseção das duas regras propostas por Bortoni- Ricardo (1998). Em termos sociais, o processo de concordância nominal pode ser considerado como uma estratificação descontínua, uma vez que a ausência do plural é rejeitada pela sociedade.

Por outro lado, esse processo pode ser interpretado como uma regra gradual, já que se encontra presente na fala dos brasileiros como um todo, a depender do grau de formalidade e outras variáveis extralinguísticas, como veremos em linhas a seguir. Diante disso, frisamos que esperamos encontrar diferenças quantitativas no processo de marcação do plural em Santa Leopoldina, em relação ao do Rio de Janeiro e de Vitória, e não qualitativas.

Bortoni-Ricardo (1998) afirma ainda à influência do grau de isolamento da comunidade, de natureza geográfica ou social, deve ser considerado na análise do fenômeno. Quanto a isso, podemos afirmar que Santa Leopoldina tem uma natureza geográfica de difícil acesso, por ser situada na região montanhosa de nosso estado. Algumas comunidades leopoldinenses ainda têm o agravante de sofrerem com o isolamento em períodos de intensas chuvas. O percurso de Santa Leopoldina para outras regiões, como Vitória, Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa, contam com o auxílio de ônibus. Contudo, o horário das conduções tem grandes intervalos de tempo, de Santa Leopoldina para Vitória e, também, de Santa Leopoldina para Santa Maria de Jetibá, o espaçamento é de até 03 horas entre um ônibus e outro. Na linha Santa Leopoldina para Santa Teresa, há apenas 03 ônibus, gerando intervalos de até 05 horas.

Quanto à ordem social, dizemos que a comunidade leopoldinense é diferente das capitais com as quais realizaremos nosso estudo comparativo, justamente por ser uma comunidade rural de economia basicamente agrícola. Além disso, os habitantes da região não se deslocam para Vitória com frequência, apenas em casos específicos, como para atendimento de médico especialista. O translado para Vitória é feito com maior frequência pelos homens que comercializam produtos na CEASA, cerca de duas vezes na semana.

Observamos que a grande maioria de nossos informantes sente orgulho de serem leopoldinenses e não demonstram interesse em sair da região.

A partir das particularidades do município de Santa Leopoldina, nossa hipótese é que o índice de marcação do plural na zona rural leopoldinense seja inferior aos encontrados nas zonas urbanas do Rio de Janeiro e de Vitória. Essa afirmação é baseada nos dados de Dias (1993). A autora analisou o processo de marcação de número no português falado na zona urbana e também na rural de Brasília. Os entrevistados tinham entre 10 e 15 anos. Notou-se que os falantes da região urbana aplicavam a marcação do plural em 73 % dos casos, enquanto os da zona rural em 46% das ocorrências.

Na descrição de seus informantes, Dias (1993) expõe que os falantes da zona rural, habitantes da comunidade Fazenda Boa Vista, vivem em chácaras agregadas por seus pais, em que o acesso à informação pelos meios de comunicação de massa é limitado. Os falantes da zona urbana são, em geral, filhos de professores, profissionais autônomos e comerciantes. Residem próximos ao centro de ensino em que estudam, praticam atividades esportivas, participam de passeios a shoppings, zoológicos e clubes e chácaras nas proximidades de Brasília.

Acerca do contato com a mídia, Naro e Scherre (2009) analisam o uso da concordância verbal relacionado ao acesso do falante aos meios de comunicação. Os autores destacam que essa proposta foi motivada pelo estudo de Naro (1981) com falantes do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Naro (1981 apud NARO e SCHERRE, 2009) observaram que alguns falantes, mesmo sem saber ler e escrever, apresentavam considerável sensibilidade à marcação da concordância verbal. O autor observou que os informantes com elevadas taxas de concordância tinham maior acesso aos meios de comunicação, como novelas de televisão.

Contudo, Naro e Scherre (2009) constataram, nos dados da década de 1980 e 2000, que o efeito da mídia no processo de concordância verbal cede lugar às variáveis faixa etária e escolaridade. Em Santa Leopoldina, mesmo na região

rural, diferente dos informantes do Mobral, a população, em geral, tem acesso à televisão. Entretanto, são raras as residências que contam com acesso à internet, algo comum no ambiente da capital capixaba. Alguns informantes em idade escolar contam com internet em ambiente escolar, mas nem sempre esse serviço funciona com eficiência. A veracidade dessas informações pode ser comprovada através da fala de alguns de nossos informantes:

Exemplo (11):

E: Uhum... e os seus professores passam trabalho para fazer em casa em grupo?

Inf: Sim... tem uns que passa... tem uns que num passa porque sabe que é difícil... tem uns que têm internet... outros que não têm...

E: Uhum...

Inf: Aí... tem uns que não vão...mas tem gente que passa também... E: E como que você faz para fazer seus trabalhos?

Inf: Eu... como eu tenho internet... eu consigo fazer E: Aham.

Inf: Aqueles que não têm... quando é do meu grupo... eu tento ajudar o máximo .... aqueles que não têm... se pedir ajuda eu tento ajudar também... não dou a resposta igual ao meu... mas tento ajudar... com a internet no caso...

(fem, fund 02, 12anos)

Exemplo (12): E – E internet?

Inf – Ih internet eu não tenho. E – Hum.

Inf – Pai resolveu… pai falou que ia botar [inint] Que ia botar mais não ia dar certo por causa que tá enrolando demais... O homem da internet ainda não botou.

E – Esse povo sempre enrola. Inf – Uhum.

E – [risos]

Inf – Aí vai lá eu… daqui… vai… aqui quem vai usar é Roberta… lá da casa de Raquel… Nanda… e a gente… Só.

[interferência do pai]

Inf – Demora demais… enrola demais…

(fem, fund 02, 11anos)

Assim, esperamos que essas particularidades da região rural de Santa Leopoldina proporcionem uma configuração de marcação de número nominal diferente das de Vitória e Rio de Janeiro, com taxas inferiores de marcação.

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