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O que é ser mulher?

Ser mulher, na redundância ser mulher, ser mulher com todas as suas atribuições biológicas no sentido da reprodução como no sentido afetivo, emocional, no sentido de abraçar, abrigar a sua cria, no caso pensando sempre no sentido, abraçar, cuidar dos seus filhos e como seres humanos a mulher extrapola essa função biológica, ela precisa dar o suporte emocional e espiritual para o seu filho, para sua família.Então, a mulher, nesse sentido, ela tem o papel muito importante na sociedade e no início da vida, nem muito tempo atrás à mulher só resumia sua atividade para o lar, e ultimamente a mulher teve que olhar para fora do lar, porque só cuidar da família, educar os filhos não dava mais a subsistência do lar, então também precisava que ir a luta para poder manter a subsistência de sua família e isso fez com que a mulher tivesse as tais jornadas duplas de trabalho.

Como você se vê como mulher educadora?

Tornei-me professora, não dizendo que foi ao acaso, mas foi uma oportunidade, uma visão diante do tempo que meus pais tiveram na década de 50, quando minha irmã mais velha, foi oportunizado para ela ir estudar; porque morando no interior trabalhando na roça como agricultores, uma agricultura de subsistência, não era comum filha mulher sair para estudar, o que era comum filho homem ir para um seminário, e ali ele conseguia um certo grau de estudo se ele queria continuar na vida religiosa ele continuava senão ele abdicava, mas o estudo ele tinha, e nós não, nos tínhamos que optar pelo estudo e o lugar mais próximo, no caso, era São Leopoldo, nós morávamos em Piedade, São Sebastião do Caí, naquela época, hoje São Vendelino, somente internato era viável, então, para o estudo feminino, ficava fora, longe da família. Como mulher educadora, eu devo isso aos meus pais, porque eles acreditaram que poderiam dar uma vida, não digo melhor, mas dar um pouco de estudo, porque entenderam que a instrução, que a educação fazia a diferença na vida das pessoas, e isso eles nos oportunizaram, minha irmã mais velha estudou no internato, depois foi a minha vez de ir, daí ela já podia ajudar a pagar o internato e em casa. E eu estudei na Escola Normal evangélica naquele tempo, em 1961 a 65,

naquele tempo ela era em São Leopoldo, hoje essa escola esta transformada no Instituto de Educação Ivoti, então essa escola sempre foi uma escola que falou e prezou a formação e a educação, nós recebemos dessa escola os principais valores e atitudes como educador, não só como professor, mas como aquele mestre que se coloca diante dos alunos como ser integral, e eu acho que esse aspecto formativo me tornou uma professora que durante 50 anos labutou na sala de aula e ainda não estava saturada, que ainda teria continuado se não fosse os problemas auditivos e de saúde.

Como era tratada a mulher naquela época?

Na minha família eu não vivi essa submissão da mulher, meus pais eram muito parceiros, iam juntos na roça, trabalhavam juntos, faziam tudo junto, claro quea minha mãe fazia mais o serviço de casa e o meu pai fazia serviço mais pesado referente a casa, o serviço era repartido, mas todos faziam, eu nunca vi meu pai bêbado, nunca vi eles brigando, discutindo sim, eles não viveram esse sentido que a mãe tivesse que ser submissa a figura masculina, havia muito respeito entre eles, nós não vivemos isso, claro que talvez um motivo seja que a Igreja Evangélica Luterana tenha um pouquinho mais aberta essa questão familiar de a mulher não ser submissa. A minha mãe sempre foi a “cabeça” da casa, ela decidia muito rápido as coisas, era prática, então essa questão de submissão eu não vivenciei isso na minha família, mas eu presenciei situações de amigos, pessoas conhecidas que isso acontecia, onde o medo da figura masculina era forte.

E com a segunda guerra, por serem descendentes de alemães, vocês tiveram medo, ou sofreram restrições?

Eu nasci em 1947, meus pais casaram, e na época minha mãe não sabia falar português, ela teve aulas em alemão, sabendo ler, escrever e falar perfeitamente o alemão, no seu casamento eles eram proibidos a falar alemão no Brasil, isso foi em 41. O casamento deles, o pastor, também descendente de alemão, ele tinha que ler em português o texto bíblico, enfim teve essas restrições, na minha comunidade, em São Vendelino, não houve perseguições, por ser uma comunidade pequena do interior, já Feliz sofreu, houve pessoas que sofreram perseguições, por exemplo, um professor foi preso por ter livros em alemão e era um líder comunitário, na nossa região falava-se baixinho para ninguém ouvir, tomavam cuidado, enfim, não

sofreram perseguição direta, mas tiveram que seguir algumas restrições e viveram com medo , mas sem nenhum incidente em relação à isso.

Você como mulher professora sofreu algum tipo de preconceito na sua trajetória, por ser mulher, por começar a lecionar muito jovem?

Eu não posso disser isso, porque já naquele tempo, na década de 60, começou o trabalho de universalização da matrícula, então, até essa época só tinha 40% dos alunos com aceso à escola. Na colônia alemã, eles construíam a escola e tinha o seu professor. Quem era o professor? Era aquele que melhor sabia, as comunidades luteranas tinham a escola, seu professor e dentro da escola funcionava a igreja, já as comunidades italianas a igreja e dentro da igreja funcionava a escola, então veja a importância que a cultura alemã naquela época deu para a escola, sendo que primeiro vinha escola e lá dentro era o lugar de celebrar a religiosidade, enquanto que o católico italiano fazia primeiro sua igreja e daí depois funcionava a escola, então essa é uma diferença entre as duas culturas e talvez por essa razão não se tinha esta discriminação, a igreja luterana não fazia essa discriminação. O meu pai, quando ia à aula na década de 20, ele já tinha professoras naquela comunidade, tinha professoras mulheres. Com a universalização, as escolas particulares se tornaram muito pesadas e o poder público começou a assumir a educação nas escolas comunitárias, e foi nesse período em que no RS, com o Governador Brizola, foram construídas inúmeras brizoletas, para que todas as crianças tivessem acesso à escola. Naquela época foram criadas 16 escolas municipais, na grande Feliz, onde nós hoje temos uma brizoleta bem conservada: é a escola da Picada Cará, que fechou esse ano.

Essa discriminação que muitos falam eu não senti. Minha mãe tinha o sonho de ser professora e não pode realizar o seu sonho pela dificuldade em continuar os estudos, por morar muito longe, então ela se sentiu realizada na minha tarefa, na minha atividade profissional. Eu nunca senti desrespeito por parte dos alunos, ou de pais, mesmo sendo jovem e mulher. Comecei a lecionar em 65, na cidade de Lajeado, onde, naquela época, as comunidades luteranas mantinham a prerrogativa de indicar o professor que eles queriam, mesmo a escola sendo municipal. A escola normal luterana era ligada às comunidades e formava professoras, especialmente para trabalhar nessas comunidades pequenas, quando me formei, com 17 anos, eu fui designada, em convênio com a igreja e a escola, fui trabalhar em Lajeado. Após

consegui contrato pelo estado e fui trabalhar em São Vendelino, em um grupo escolar com um quinto ano, tendo 36 alunos, sendo que dois alunos eram mais velhos do que eu e sempre fui muito respeitada. Claro que enfrentei dificuldades, mas eu nunca me senti desiludida com o magistério porque eu sempre acreditei na educação, não podemos ter um pensamento simplista que a educação resolva tudo, mas já é o primeiro passo, não adianta eu querer plantar se eu não preparo a terra, não vou colher nada se não semeio.

Qual a importância da religião luterana na sua trajetória?

Eu acho que se não tivesse sido pela religião, a participação na comunidade religiosa luterana e pela força que o pastor da comunidade deu para que minha irmã mais velha pudesse estudar, a vida teria sido totalmente diferente, porque se naquele tempo tinha que ser igual pra todos na família, então se minha irmã mais velha pode estudar eu também poderia ir. Eu acredito que isso foi uma coisa decisiva, foi muito importante para que pudéssemos estudar. Meu pai sempre tinha essa ideia, ele era muito observador, mas sem a ajuda da igreja acho eu não teríamos essa oportunidade.

Qual foi a sua maior alegria na profissão?

Eu tive muitas alegrias e muito reconhecimento também, mas acho que satisfação que eu pude experimentar foi o reconhecimento do município por me declarar como cidadão pelos trabalhos prestados e, juntamente nesse trabalho, está inserido que Feliz foi declarada a cidade de melhor qualidade de vida em 98, sendo que esse ano eu fui secretária de educação. Os dados que oportunizaram Feliz a ter esse índice de desenvolvimento humano de 1992 ano, que eutambém fui secretária de educação, então, eu me sinto duplamente honrada nesse sentido, que Feliz teve reconhecimento brasileiro, quando dos cinco indicadores que dão a parte de desenvolvimento humano, três são da educação, mais que 50% é tirado da educação. Foi no meu tempo que, pela primeira vez, Feliz foi declarado o município com o analfabetismo erradicado, foi um dos primeiros municípios que compôs um sistema de educação, sendo várias coisas que conseguimos fazer que me proporcionaram muito prazer e alegria, então eu me sinto realizada porque isso representa pra mim o trabalho que realizei na Feliz como um todo, eu não conseguia separar as escolas estaduais e municipais, se tinha algo a ser agregado para

melhorar a educação assim se fazia. Quando me chamaram, em 2010, pra essa homenagem, minha mãe ainda vivia, ela, ao entender o que isso significava, ficou muito feliz, fez referência a meu pai, pois ele dizia que tinha dado estudo pra nós e isso nunca chegava, nós sempre íamos em frente, tínhamos que nos especializar para sermos bons profissionais e as coisas mudam.

Alguma dificuldade da profissão?

Eu tive dificuldade sim, uma das maiores foi que eu tinha que continuar a estudar para poder continuar trabalhando, apesar da minha boa vontade, com as novas exigências para poder lecionar tive que fazer o segundo grau como supletivo naquele tempo e depois fui para a faculdade. Surgiu naquela época, em 75, cursos de licenciatura curta, principalmente para suprir necessidades de atender as turmas de quinto a oitavo ano das escolas, na época eu já tinha começado a estudar na Unisinos, mas como surgiu o curso de férias eu fui fazer esse, por ser mais rápido, e depois retornei a Unisinos. Foi bastante trabalhoso, todos os dias íamos, estudávamos durante o período de férias, e depois, não era bem a distância, o estudo era misto, fiz ocurso na PUC em Porto Alegre, ia em janeiro, fevereiro e junho. Isso foi a maior dificuldade que tive, um período que exigiu muita persistência. No entanto, minha família sempre me apoiou, principalmente meu marido sempre me deu força para continuar crescendo profissionalmente. Por outro lado, os familiares dele não viam isso com bons olhos, uma mulher sair para estudar fora, e mesmo com o passar dos anos essa resistência continuou, não acharam merecido o meu reconhecimento junto à sociedade Felizense.

Na sua opinião, o que mudou na educação e na sociedade historicamente, foi positivo, foram significativas ou não?

O que eu te dizer pode estranhar, soar estranho, eu comecei em 65 naquele tempo a lei era 6044 de 61, daí a educação era pré-escola, primário, ginásio, clássico científico, técnico e a faculdade, essa lei tinha os ideais da Escola Nova. Depois, em 1971, entrou a 5692, ela era baseada nos ideais tecnicistas pra formar gente para trabalhar, executar ordens, sem questionar, isso já foi quase no final da ditadura militar, o auge da ditadura foi 65, 67, 68 com AI 5, ate 71, 72, esse foi o auge da ditadura, até ali tinham dirimido as guerrilhas ligadas ao socialismo, o comunista não ao socialismo social, vamos dizer assim. Eu comecei a trabalhar no

tempo da ditadura militar, meus pais sempre foram do PTB, do Brizola, partido de oposição, eu tive, claro, que fazer a folha corrida lá no DOP, deu tudo bem, tudo certo e não perguntaram de que partido eu era, se eu era a favor ou contra, isso nunca. Mas anos depois, ao chegar à Secretaria Estadual de Educação fui questionada sobre meu partido político, ao falar que era filiada a um partido, ela corajosamente pediu se isso ia fazer diferença pra eles, que se dizem democráticos, pois na época da ditadura isso não fez diferença. Acredito e sei que tem gente que sofreu muito com a ditadura militar, mas eu não posso me queixar, pois comecei a trabalhar nesse período, fiz concurso público nesse período, fui nomeada em 71, quando estava amenizando a ditadura entrou a nova LDB, foi estimulado a preparação para o trabalho, ensinando aos alunos práticas para a vida, como técnicas agrícolas, bordado, artesanato, voltada para uma formação geral da pessoa.

Como você vê as professoras hoje, como elas se situam como pessoas e profissionais na área da educação?

Eu vejo as professoras hoje, a nova geração, elas não entenderam o sentido da educação, o sentido do educar, o sentido de fazer, o aluno precisa aprender, não se importam com o que já sabem, ou com o pouco que já aprendeu e isso o professor não aceita, ou o aluno sabe tudo ou não sabe nada, meio termo não pode. Outra coisa que os professores ainda fazem, principalmente os de quinta a oitava séries, eles treinamos alunos. Uma dificuldade do professor hoje em dia, ele tem que ensinar competênciase não sabe o que precisa ser trabalhado como requisito mental pra que ele possa realizar estas competências em todos os sentidos. Quem não está ensinando o professor a ensinar é a faculdade, ocorrendo uma quebra, as professorasse situam perdidas no ato de ensinar, elas não estão conseguindo ensinar e assumir o compromisso com o sucesso do aluno, em todas as aprendizagens. O sucesso do aluno é a minha alegria como professor.

Marcas que ficaram, a satisfação e a alegria de ter de sentir o reconhecimento dos meus ex alunos, pois eles tem prazer em dizer: “Ela foi minha professora”.

Historicamente o que a senhora vê a mudança na educação, a entrada da mulher... Foi positivo essa conquista?

Eu acho, que de forma geral, a vida da mulher melhorou bastante, por que ela ganhou independência, ela adquiriu autonomia como pessoa, e mesmo eu ela ainda hoje em dia ela vai a qualquer lugar sozinha, anos atrás isso era inviável, essa questão de autonomia, de direitos iguais, mesmo que muitas mulheres ainda não sentem isso, mas acredito que já melhorou muito. Além disso, essa perspectiva toda de mulher como pessoa que se cuida, mais vaidosa, isso acho que é uma coisa bem mais marcante nesses últimos anos, anos atrás, ao chegar em uma certa idade, lá pelos 40, a mulher de qualquer classe social parecia que deformava o corpo e as marcas do tempo e sofrimento estavam estampados em seus rostos, hoje a maioria consegue manter, modificar o corpo, se preservar por mais tempo, a mulher não esta sendo tão judiada como antigamente, no sentido do trabalho, não ter nada pra si, ela se contentava com pouco e sofria calada. Com as lutas feministas abriu-se um leque de possibilidades em prol das mulheres, elas assumiram lugares em todas as profissões, principalmente no magistério onde praticamente só tinha homens lecionando, a mulher foi ganhando espaço, tornando essa profissão essencialmente feminina, agora os homens estão retornando as salas de aulas, mas não faz o magistério, parte logo para a licenciatura, e essa peca no sentido de ensinar a ensinar as quatro aprendizagens essenciais bem como o lado afetivo.

A senhora disse que a educação se tornou feminina, pelo fato deque a mulher sempre foi vista como cuidadora e foi preparada para ser mãe.

A questão de cuidadora ainda persiste nas EMEIS, quando as creches faziam parte da ação social, em 96, com a nova LDB as coisas começaram a mudar, mas ainda se tem essa concepção do cuidado, onde o foco era cuidar. A mulher é dotada de dons como a paciência e o amor materno, e isso influenciou sim, muitas vezes, na escolha da profissão, ora por fuga de sua realidade ora por querer ensinar, uma pessoa que sempre me inspirou foi minha mãe. Eu sempre fui muito curiosa, e a Esther Grossi sempre me influenciou, pois ela acreditava em todos os alunos, assim como eu. Cabe a nós encontrar o jeito de chegar até o aluno, todos têm condições de aprender alguma coisa. (Maria Montessori).

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