• Nenhum resultado encontrado

Ao ser questionada sobre sua vocação, a professora Nair escreveu a próprio punho, o seguinte relato:

Fui professora durante 50 anos. Comecei em agosto de 1965 e parei em dezembro de 2015.Durante esses 50 anos, além de ensinar, exerci várias atividades relacionadas a ação docente, como diretora de escola,supervisora, coordenadora de curso e supervisora da rede municipal e secretaria municipal de educação, por duas gestões.

No exercício dessas funções, sempre afirmei que o melhor lugar na escola é a sala de aula, o trabalho direo com o aluno traz frutos e recompensas muito gratificantes (SEIBERT, 2015/2016).

Nesta linha de pensamento, com a inserção da mulher na sala de aula, sendo a profissão escolhida por amor, vencendo preconceitos e lutando por direitos, Almeida destaca:

Se por um lado educar e ensinar é uma profissão, por outro lado, não há melhor meio de ensino e aprendizagem do que aquele que é exercido de um ser humano para outro, isso também é um ato de amor. E indo mais além, gostar desse trabalho, acreditar na educação e nela investir como indivíduo também se configura como um ato de paixão, a paixão pelo possível [...]. Talvez resida aí a extrema ambigüidade do ato de ensinar e da presença das mulheres no magistério (1998, p. 76).

A professora Nair segue seu relato:

Até a década de 80, meu trabalho docente era mais intuitivo,desempenhava a ação de ensinar do melhor jeito que podia, pois os recursos eram muito escassos. Era gratificante preparar os alunos parao Exame de Admissão ao Ginásio, que era o vestibular da década de 1960/1970. Em 1971 com a chegada da Lei 5692/71 o Sistema de Ensino foi reordenado, juntando o primário e o Ginásio para constituir o Ensino Fundamental de 8 séries, distribuído em duas etapas: curicular por atividades e curricular por área. Esta lei fortaleceu a ideia do aprender a fazer para preparar a mão de obra sem a construção dos saberes básicos. Esta lei vigorou até dezembro de 1996 quando foi aprovado a lei 9394 que reorganizava mais uma vez a educação. Durante a década de 1960/1970 e início de 1980 pouco se refletia sobre os princípios que reagiam a ação pedagógica na época. O professor ensinava os conteúdos propostos pelo sistemade ensino, os recursos eram escassos mas as crianças aprendiam.

Sempre busquei fazer o melhor pormeus alunos, e me alegrava quando os olhos das crianças brilhavam por terem aprendido saberes, transformando- os em conhecimento. Com as ideias de Ester Grossi, que diziam que todos tem condições de aprender, desde que fosse resopeitado o seu ritmo, desencadeou em mim a vontade de estudar mais e aperfeiçoar-me para contribuir com meu saber, tornando os professores da rede municipal mais

cientes da função de ensinar. Então eu estudava a teoria para melhorar a prática .

Vivenciei muitas experiências gratificantes neste períodoe foi um crescimento pessoal muito significativo. Já em 2000, dediquei meu trabalho no Colégio Prof. Jacob Milton Bennemann com o curso nomal, claro que em plena virada do século as coisas mudaram, as meninas agora podem frequentar a escola(risos). Como professores sempre somos e seremos semeadores, mas temos o compromisso de semear a “boa” semente...pois ela dá frutos que também precisam ser bons, estamos trabalhando com seres humanos. A lei da vida afirma que sempre colhemos o que semeamos, por isso sempre procurei dar o melhor de mim, e fui reconhecida por isso (SEIBERT, 2015/2016).

Neste viés, ressaltando sobre a profissão professor, Almeida nos diz que:

Se por um lado, é mal remunerada e pouco reconhecida pelo poder público, por outro lado é detentora de um determinado prestígio resultante da questão cultural, que aloca os professores e professoras como os principais agentes de sua divulgação (ALMEIDA, 1998, p. 206).

Analisando essa conjuntura, percebe-se que a figura do professor tinha um papel de reconhecimento e prestígio, ser professor era um orgulho e todos o respeitavam. Claro que, com o passar das décadas, os valores foram mudando, a sociedade capitalista cada vez mais preocupada com o ter, onde todos nós estamos correndo contra o tempo,em busca de certo status social e de felicidade. Mas, ainda assim, o papel do professor é de fundamental importância, que vai além do ensinar conteúdos, tendo que desempenhar um papel de amigo, mãe, psicólogo, enfim, ajudar esses jovens a se tornar pessoas mais críticas, autônomas a serem sujeitos melhores. Não podemos esquecer das dificuldades que a educação enfrenta, os baixos salários, os preconceitos referentes a classe ainda perduram, mas por outro lado, o reconhecimento da sociedade e dos alunos ainda fazem a diferença. A professora Nair continua a falar sobre o seu amor pela educação:

A paixão de ensinar nasceu comigo. Acredito que foi um dos talentos concedidos pelo Altíssimo e procurei servir a sociedade com aquilo que melhor sabia fazer: ensinar, despertar a curiosidade, mediar a aprendizagem, observar e verificar se o aluno realmente aprendeu. Do meu legado profissional não tenho muitas fotos, mas tem-se muitas experiências e vivências compartilhadas e resultados que confirmam o acerto da minha ação de professor e mestre, por exemplo, tive o prazer de ser professora de três gerações de uma mesma família. Hoje, com 68 anos de idade, dos quais dediquei 50 anos a educação, sinto que cumpri meu dever e estou muito feliz pelo trabalho realizado, pois nunca poupei esforços para fazer bem feito o trabalho de ensinar. As marcas da minha presença estão presentes em muitas escolas, na secretaria de educação e em muitos cadernos de alunos. Contribui com pensamento, ações e palavras para tornar a sociedade um pouco melhor. Olho pra traz com nostalgia e sinto- me abençoada e grata pela profissão que escolhi (Professora Nair).

Nair Seibert Melita

Aqui pode-se citar Hegel, que nos diz: “nada de grande se faz sem paixão” (PENSADOR, [2016]), pois sem amor, dedicação não se pode almejar grandes resultados. No caso da entrevistada, professora Nair, a paixão pelo magistério a fez buscar sempre mais: mais dedicação, mais conhecimento, mais envolvimento com o processo ensino-aprendizagem, tendo na escolha de sua profissão uma realização pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Começo minha reflexão com uma frase da célebre Bertha Lutz, “faça da educação um prazer” (apud LÔBO, 2010, p. 11). Ela é uma feminista que lutou por igualdade de gênero e é conhecida como uma das líderes na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, buscando assegurar às mulheres direitos básicos, respeito e reconhecimento social. Analisando a conjuntura da vida da professora Nair e todas as suas conquistas, dá pra se dizer que tudo o que ela fez foi com amor e encontrou na educação a felicidadeque tantos almejam.

Seguindo essa linha de pensamento, Bertha Lutz (apud LÔBO, 2010) ainda nos diz que: “Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça à metade da população”. As mulheres foram oprimidas durante séculos, tendo seus direitos usurpados em muitos casos, tendo sua voz calada em prol de uma sociedade dominada pela opinião masculina, devendo a mulher ser submissa aos seus pais e ao seu marido. Com o avanço tecnológico e as lutas feministas em todo o mundo impulsionou-se a acenssão da mulher no mundo do trabalho, e a abertura da educação para as meninas contribuiu muito para esse processo. Com a feminização do magistério, as mulheres foram conquistarando respeito frente à sociedade patriarcal, conseguindo articular trabalho com os afazeres domésticos dando ênfase as lutas e conquistas feministas. “Para as mulheres, educar-se e instruir-se, mais do que nunca, era uma forma de quebrar grilhões domésticos e de sair para o espaço público, adequando-se às normas sociais e às exigências da vida pessoal” (ALMEIDA, 2000, p. 9).

Na esteira das ideias de Almeida (2009), pode-se dizer que para vencer as amarras sociais a única maneira encontrada pelas mulheres seria a instrução, pois por longo tempo elas se mantiveram praticamente analfabetas. A permissão legal de acesso geral a educação, sem restrições deu-se de forma concisa com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1971, que dava acesso ao ensino secundário nas instituições públicas.

Conclui-se que o processo de feminização do magistério abriu portas para quem não podia frequentar a escola, e que as instituições religiosas auxiliaram e

muito nessa escolha, dando ferramentas e o suporte para as moças poderem estudar em colégios religiosos, contribuindo para que as meninas, no caso, a Dona Nair, pudessem sonhar com uma profissão de respeito na época, sem abrir mão do papel de mulher, dona de casa e mãe, pois se via no magistério uma extensão da maternidade. Pode-se afirmar que com a inserção das mulheres em sala de aula, os homens, antes tidos como detentores desse setor, foram perdendo campo de atuação, sendo que o magistério se tornou uma profissão essencialmente feminina. Todavia, aos poucos eles vêm retornando para o trabalho docente, sendo que muitas vezes, no contexto atual, quem sofre com preconceitos é a classe masculina.

Então, para poder entender o contexto atual, faz-se necessário conhecer a história da educação, no caso em especial, pelos olhos de uma professora, que vivenciou esse processo, sendo que conseguiu conquistar o que tanto buscou, ajudou na construção histórica da educação de sua cidade, estando sempre à frente de sua época para, assim, tornar o ensino de qualidade. Espero que como futura professora possa realizar trabalhos tão grandiosos como o da Dona Nair e que ela seja exemplo para muitos que desejam seguir na difícil tarefa de ensinar e educar.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível.São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

ALMEIDA, Jane Soares de. As lutas femininas por educação, igualdade e cidadania.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 81, n. 197, p. 5- 13, Abr. 2000.

ASSMAN, Beatriz Edelweis Steiner. Feliz: ontem e hoje. (Org.) 3. Porto Alegre: Corag- Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas, 2009.

DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no Brasil. 9. ed.São Paulo: Contexto, 2007.

Depoente U.H- Depoimento oral, dia 07/05/2016.

HAHNER, June Edith. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940.Santa Cruz do Sul:EDUNISC, 2003.

LÔBO, Yolanda. Bertha Lutz. Recife: Editora Massangana, 2010. PENSADOR. Hegel, Frases e citações. [2016?]. Disponível em:<http://pensador.uol.com.br/hegel/>. Acesso em: 14 Mar. 2016.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FELIZ. História da cidade de Feliz.[2016?]. Disponível em:<http://www.feliz.rs.gov.br/municipio/historico/>. Acesso em: 20 Jan. 2016.

SEIBERT, Nair Mellita. Depoimento oral. Entrevistadora: Aline Moraes. Feliz, 2015/2016.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A história da mulher no Brasil: tendências e

perspectivas. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 27, p. 75-91, 1987. SILVA, Maria Beatriz Nizza. A Educação da Mulher e da Criança no Brasil Colônia. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara (Orgs.). Histórias e

Memórias da Educação no Brasil, Vol. I: Séculos XVI-XVIII. 4. ed. Petrópolis, RJ:

APÊNDICE C– ENCONTRO DA TURMA DO CURSO NORMAL APÓS 50 ANOS DA FORMATURA

Documentos relacionados