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A entrevista, por se tratar da reunião de uma ou mais pessoas para o debate ou esclarecimento de algum tipo de assunto, pode ser considerada como um meio para o desenvolvimento do relacionamento humano e, para tanto, faz-se necessário o uso da psicologia para estabelecer essa relação, como base e suporte para a obtenção de informações verídicas. O objetivo de uma entrevista é obter conhecimento e compreensão do problema e da situação, de forma que possa ser eficientemente solucionado (GARRETT, 1991, p. 51). A técnica de entrevista pode ser usada indiscriminadamente, em qualquer lugar, pessoa ou situação.

Entrevista, também, pode ser chamada de interpelação, inquirição, acareação e interrogatório que é o encontro de duas ou mais pessoas com o objetivo de divulgar ou elucidar atos, ideias, planos etc. (FERREIRA JÚNIOR, 2011).

Durante a entrevista, a observação é empregada de diversas maneiras: (a) para investigar a vida do entrevistado em seu ambiente natural e em sua interação com seus familiares ou pessoas de trato cotidiano; (b) para notar como reage às perguntas, seu tom de voz, as hesitações e as atitudes para com o entrevistador; (c) para observar se o entrevistado age realmente como diz ao entrevistador.

Uma das atribuições / capacidades do contador forense é a condução de entrevistas com as vítimas, testemunhas e suspeitos, e tem como objetivo a coleta de informações sobre o fato ocorrido. Alguns dos grandes desafios no emprego dessa técnica são: a) obter o máximo de informações com detalhes dos entrevistados; b) obter informações verídicas, portanto, saber identificar declarações falsas e c) saber lidar com lapsos e incoerências resultantes da chamada “falsa memória”.

Neste contexto, na entrevista é necessário estabelecer uma relação de afinidade e de confiança, o que permite ao entrevistador obter revelações dos fatos ocorridos, ou seja, o entrevistado precisa se sentir seguro com o entrevistador. Nesse sentido, a psicologia dará subsídios, argumentos e base para o estabelecimento dessa relação pessoal ou interpessoal, caráter (possíveis tendências).

Esse é um tema que tem amplo campo de atuação, por envolver a análise dos aspectos físicos, psicológicos e sociais nas tratativas de situações e comportamentos de pessoas. A psicologia cognitiva é uma linha psicológica capaz de fornecer subsídios para o profissional forense que minimizam os efeitos de distorção e erros capazes de interferir nas lembranças do entrevistado. Isso se deve ao fato de utilizar, em sua teoria, a neurociência.

Como é uma relação de dependência um do outro, na qual o entrevistador depende das informações fornecidas pelo entrevistado (testemunha, vítima ou suspeito), então, tem que haver a possibilidade de o entrevistado devolver algo em troca (informações).

Para a criação do vínculo com o entrevistado, que proporcione a confiança, é necessário seguir alguns passos como: conseguir permissão; ter posicionamento; manter questionamento e obter esclarecimento.

Permissão: Podemos ter uma conversa agora?

Posicionamento: Qual é o objetivo da conversa?

Questionamento: Você tem conhecimento do ocorrido? Qual é sua opinião?

Esclarecimento: Elaborando perguntas mais específicas.

Pergher e Stein (2005, p. 3-9) descrevem, detalhadamente, algumas etapas que precisam ser seguidas para que uma entrevista cognitiva seja bem-sucedida. Conforme demonstrado no Quadro 11.

Etapa da entrevista Objetivo específico Contribuição esperada

1.Estabelecimento de Rapport e personalização da entrevista

 obter empatia do entrevistado.  trabalhar com a personalização da entrevista.

 transparecer segurança e confiança ao entrevistado.

 obter calma e o relaxamento do entrevistado, a fim de minimizar os riscos de memória distorcida.  obter o máximo de informações possíveis.

2.Explicação dos objetivos da entrevista

 definir as responsabilidades do entrevistador e entrevistado.  engajar o entrevistado a ser colaborativo.

 definir o foco da entrevista.

 o entrevistado ter um papel ativo.

 que o entrevistado não procure fazer suposições ou adivinhações.

3.Relato livre

 solicitar um relato livre dos fatos ocorridos.

 recriar o contexto original.  recuperar na lembrança o maior número de detalhes.

 o entrevistado relatar tudo o que conseguir lembrar.

 sem realizar nenhum tipo de julgamento.

4.Questionamento

 aprofundamento de detalhes.  coletar informações faltantes ou incongruentes.

 validar teorias, hipóteses ou suposições.

 validar as informações coletadas com o entrevistado ou com outros.  validar teorias ou suposições.

5.Recuperação variada e extensiva

 recuperar informações perdidas.  focalizar em diferentes aspectos sensoriais da experiência.  não sugestionar hipóteses em avaliação.

 obter o maior número possível de informações da memória do entrevistado.

 preencher as lacunas da entrevista.

6.Síntese

 sintetizar os principais pontos abordados.

 conferir a acurácia da recordação.  nova tentativa de recuperação.  solicitar ao entrevistado a elaboração de um resumo.

 fortalecer o trabalho focal.  restabelecimento dos traços de memória.

7.Fechamento

 manter um canal aberto de comunicação.

 favorecer a cooperação.  demonstrar respeito e consideração.

 criar uma imagem positiva da entrevista.

 obter feedback.

Quadro 11: Entrevista cognitiva: etapas, fundamentos e implicações

As etapas citadas, no Quadro 11, são confirmadas no discurso de Jesus (2003, p. 50), no qual menciona que:

Para se fazer uma entrevista cognitiva é preciso se preparar: não se pode chegar para interrogar uma pessoa sem saber o assunto. [...] Está provado que estresse causa perda de memória. Se determinada testemunha for

colocada em um ambiente estressante, vai se perder informação. Primeiro, porque ela vai querer sair dali. Segundo, se o investigador não fizer as perguntas de forma adequada, não vai conseguir o resultado que queria. Terceiro, um fato perigoso é a falsa memória – quando a pessoa acredita piamente que determinado fato aconteceu de uma forma e não foi assim.

No entanto, Gomes (2000, p. 87) esclarece que a entrevista não tem como objetivo conseguir uma confissão, mas obter informações detalhadas que ajudarão a entender todo o ato fraudulento praticado na empresa.

O entrevistador deve abster-se de: emoções; prejulgamentos; sentimentos e preconceitos, para estabelecer uma relação de afinidade e de confiança o que lhe permitirá adquirir revelações dos fatos ocorridos, com as quais poderá compreender suas causas, seus efeitos e seus métodos, para, assim, estabelecer a forma de tratamento das deficiências dos processos internos (imparcialidade).

O entrevistador deve se policiar e evitar, também, não cometer excessos como, por exemplo, ir direto ao assunto em questão, se alongar demais em explicações, na intolerância, ser tendencioso, demonstrar repúdio a padrões e comportamentos opostos aos seus, demonstração de amizade pessoal, compreensão ou pena. No entanto, o inverso, também, é verdadeiro, se a relação estiver tensa demais, não é apropriado expressar qualquer forma de descontrole da situação, pois pode ser devido ao sentimento de peso na consciência pelos atos praticados.

Evitar, também, ir direto ao assunto mesmo tendo total conhecimento de toda a situação, pois isso possibilita ao entrevistado trazer detalhes que podem não ser do conhecimento do entrevistador. Algumas vezes, quando o entrevistador demonstra que não está entendendo os fatos pode ser interessante no sentido de incentivar o entrevistado a reafirmar aquele assunto ou buscar novas informações.

O entrevistador deve sempre manter o controle da situação, redirecionando as questões, mudando de tática ou técnica, buscando alcançar seus objetivos preestabelecidos.

Para Garret (1991, p. 61-87), o entrevistador deve aplicar os seguintes métodos durante uma entrevista:

Método Descrição Característica

Observar

Prestar atenção não somente no discurso, mas a mesma atenção no comportamento físico.

Agitação, tensão, nervoso, excitação, melancolia, hostilidade, agressividade. Ouvir Prestar atenção a detalhes

importantes.

Não interromper ou interferir, manter silêncio, saber esperar na pausa. Perguntar Indagações quanto a possíveis

dúvidas ou questionamentos.

Tom de voz: evitar de imediato questionamentos que causem desconfiança ou acusação ou ser sarcástico.

Conversar Pergunta ou comentários do entrevistador.

Demonstrar interação com o

entrevistado, tentar validar hipóteses. Dirigir ou

Liderar

Conduzir a entrevista para alcançar os objetivos definidos.

Direcionar a conversa para obter informações e detalhes, independente do perfil do entrevistado.

Quadro 12: Métodos de entrevista

Fonte: dados da pesquisa

Afirmação semelhante é feita por Ballardin (2010, p. 57-58), no sentido de que as principais características que facilitam a obtenção de testemunho são: o acolhimento; deixar a pessoa à vontade; saber ouvir; objetividade/clareza; transmitir confiança e calma.

Segundo Cobra (1976, p. 49), é importante ressaltar que as pessoas estão sujeitas à ação de algum sentimento, portanto, durante uma entrevista é possível que o entrevistado apresente mudanças de comportamento, o que pode levar ao relato de inverdades.

Garrett (1991, p. 47) descreve que: “Sabemos que uma pessoa, que aparenta estar zangada e agressiva, pode de fato estar cheia de ansiedade e medo. Outra, na aparência “pedinchona”, pode ser que não assuma outra atitude senão essa, para expressar seu orgulho ferido, bem como seu sentimento de culpa [...]”. A mesma autora destaca os seguintes tipos de sentimentos:

Ambivalência: são emoções em conflito. O fraudador sabe que cometeu um crime, passível de condenação, mas tenta demonstrar que está arrependido de tê-lo cometido. Assim, é possível que durante uma entrevista ele declare uma situação, mas o seu comportamento foi totalmente contrário ou inverso.

Antagonismo: situações de oposição, como, por exemplo: ansiedade; insegurança e desajustamento.

Negativo: recusa em falar (silêncio), não comparecimento, tendência em indução, aversão a fornecer respostas detalhadas.

As pessoas têm dificuldade na interpretação e no reconhecimento de seus próprios sentimentos, por isso disfarçam e torcem os fatos narrados. A hesitação, incoerência, ansiedade e o nervosismo são sinais de demonstração de falta de controle do entrevistado, e, portanto, podem ser muito bem explorados pelo entrevistador. Por essa razão, a atenção às expressões físicas como: alteração de respiração; nervosismo; suor; fechamento do punho; alteração do semblante; choro e tremor.

É preciso usar a linguagem do entrevistado para auxiliar na criação de vínculo. Dependendo da situação e do perfil de formação dos profissionais envolvidos não é aconselhável o uso de jargões, expressões demasiadas técnicas ou simplistas, como gírias ou o uso de palavras rebuscadas para entrevistados mais simples ou com pouca formação.

Conforme exposto até o momento, é necessário definir quais as técnicas disponíveis para serem utilizadas, como e em qual perfil psicológico favorável. Assim, Ferreira Júnior (2011) categorizou as referidas técnicas:

Técnica Descrição Característica Perfil aplicável

Natural Deixar o entrevistado falar

livremente Questão aberta

Expansivo e extrovertido Objetiva Focar no objetivo da

investigação Questão direta e objetiva

Tímido e reservado Indução Obter determinada resposta Questão astuta e direcionada Todos Convencimento /

persuasão

Persuadir o entrevistado ao esclarecimento de fatos

Percepção quanto à linguagem corporal, atitudes e

comportamentos

Todos Contradição Contradizer as inverdades

com provas

Obtenção da verdade ou nova

versão Todos

Contestação Contestar o discurso com provas

Argumentação com o

entrevistador Todos

Comoção Usar de sentimentalismo

Comoção com base em crenças, valores, virtudes e até familiar e social

Todos

Inversão da culpa

Demonstrar compreensão das razões pelos atos praticados

Utilização da perspicácia e experiência para vencer resistências Todos Psicológica Compreender de forma contextual o ambiente do entrevistado

Observação da linguagem não verbal, da conduta e das emoções no discurso

Todos

Quadro 13: Técnicas de entrevista

A sequência da entrevista é comumente estabelecida na forma de diversos "funis", de modo que, em cada tópico, a primeira seja mais abrangente, a segunda mais específica e, assim, sucessivamente até estreitar o escopo e esgotar aquele tópico. Há, porém, casos em que a sequência é um funil ao inverso, começando com uma pergunta mais estreita para outras mais amplas.

Para tanto, é possível aplicar uma entrevista por competência (método utilizado por entrevistadores de recursos humanos para a seleção de pessoas), em que o objetivo é captar o comportamento do entrevistado diante de experiências passadas, pois a tendência é a repetição dos comportamentos. Nesse momento, é importante se atentar para: o contexto; a ação e o resultado.

Durante o decorrer da entrevista será necessário adequar a técnica ao tipo de postura, do comportamento e andamento da dinâmica estabelecida pelo entrevistado. Assim, é de extrema importância que o entrevistador se mantenha focado em seu entrevistado. Para evitar a defensiva é necessário desativar, de forma psicológica, o sistema de proteção pessoal do entrevistado, para que ele possa compartilhar seus pensamentos e sentimentos com o entrevistador.

Perguntas abertas podem ser bem interessantes por forçar o entrevistado a responder de uma maneira muito mais abrangente o assunto, do que, simplesmente, um “sim” ou “não”, estimulando o entrevistado a falar livremente sobre o assunto.

Como, por exemplo, se o entrevistado permanece na postura aberta, ou seja, relatando todos os fatos, detalhe de forma não crítica, o entrevistador manterá a condução também de forma aberta. Mas se houver uma mudança de postura do entrevistado, como um bloqueio, será necessária a mudança da técnica adequando-a a nova situação, para continuar a obtenção de informações.

Para determinado tipo de personalidade é necessário definir qual o tipo mais adequado de técnica, a fim de formular a pergunta com base no nível de conhecimento do entrevistado, caso contrário não será possível atingir os objetivos definidos pelo entrevistador. Essa definição de qual a melhor técnica a ser aplicada dependerá da sensibilidade e experiência do entrevistador, para utilizar a linguagem adequada de cada tipo de entrevistado. Por exemplo:

se o entrevistado utiliza muito as figuras de linguagem, o entrevistador terá que utilizar o mesmo tipo de linguagem. Um CEO ou CFO, que devido sua formação acadêmica ou experiência podem apresentar certa arrogância ou prepotência podem não contribuir numa entrevista, nesse caso, a técnica a ser utilizada é deixar a pessoa falar dela, o que gosta de fazer, depois abordar pontos de escolha do entrevistado, se necessário interagindo, para, posteriormente, abordar o ponto principal.

Diga-se que o executivo seja o suspeito de ter cometido a fraude. Se demonstrar tensão, nervosismo, agressividade são possíveis sinais, psicológicos de que ele tem algo a dizer. Durante a entrevista o entrevistador deve conduzi-lo ao alcance de seus objetivos e, nesse momento, poderá direcionar as questões para detalhes específicos, afunilando a obtenção de informações. Se durante a conversa o entrevistado fornecer algum tipo de informação imprecisa ou inverídica, o entrevistador terá duas opções: contradizê-lo argumentando com as provas colhidas antecipadamente ou permanecer em silêncio e ao encerrá-la solicitar permissão para um futuro retorno. Esse retorno pode ser estratégico, visto que é uma oportunidade de validação das informações coletadas, apuração de novas provas para uma posterior contra-argumentação com o entrevistado.

Pessoas com tendência a apelar para a emoção durante o discurso usam expressões do tipo “que pena, que dó, não vamos fazer isso com ele, ele não merece, vamos segurá-lo mais um pouco, ele tem família”. Trata-se de uma pessoa que quer sensibilizar, então, nesse caso, a técnica apropriada seria a da comoção, utilizar dessa sensibilidade para comover o entrevistado a colaborar no fornecimento de informações.

Existem maneiras de formular perguntas do tipo cisão, planejamento, problema ou solução, tais como: Qual é a melhor maneira de entrar em contato com fulano de tal? Como você pode fazer diferente? Como eu poderia ter acesso a isso? O que o senhor me aconselharia a fazer? O senhor já passou por uma situação dessas, como foi?

Criar perguntas que façam o entrevistado fornecer o caminho para a busca da informação. Como eu posso ajudá-lo? Desse modo, é possível, na entrevista, partir de um assunto geral (situação ampla) até chegar ao detalhe (situação específica).

As perguntas elaboradas não podem denegrir a confiança estabelecida no início da entrevista. Como, por exemplo, a elaboração de perguntas complexas, capciosas, de duplo sentido, duplo conteúdo, sugestivas, sem propósito, evitando a pertinência.

A técnica de entrevista é muito importante e poderosa, mas não pode ser utilizada isoladamente. Faz-se necessária a validação dos fatos apurados durante as entrevistas, seja pela prova documental ou eletrônica (arquivos, e-mails), pois o contador forense emitirá sua opinião com base em dados factuais, ou seja, efetivamente comprovados.

Não obstante, dado a característica de um trabalho investigativo, pode-se utilizar informações qualitativas e que necessite de um olhar profissional.

Como se preparar para uma entrevista:

Pergunta Objetivo

Quem?

Tenha certeza de quem é a pessoa, cargo. Avalie o nível de formalidade da conversa, de acordo com o nível de educação, de grau de cultura e de posição hierárquica.

Participará da entrevista. Onde? Estabeleça um local neutro.

Evite interrupções (telefone, secretária etc.). Quando?

Lembre-se de que as pessoas possuem necessidades básicas (alimentação, água etc.). Avalie a duração da entrevista.

O quê?

Estabeleça um objetivo. Estabeleça um roteiro.

Aborde os assuntos de forma cronológica e por importância.

Avalie o histórico dos assuntos antecipadamente. Qual? Estratégia a utilizar.

Questões a serem realizadas. Como? Lidar com lapsos e incoerências.

Quadro 14: Resumo preparatório da entrevista

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