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2 AS DIMENSÕES FORMATIVA, TÉORICO-INTELECTUAL E INVESTIGATIVA:

3.3 INSTRUMENTOS TÉCNICO-OPERATIVOS: ALIADOS OU VILÕES?

3.3.1 Entrevista, Visita Domiciliar e Parecer Social

Entendendo a importância dos instrumentos nas intervenções profissionais e considerando que estes materializam o modo de ser da profissão na sociedade, é relevante abordar, na dimensão da instrumentalidade, o papel e características acerca dos principais instrumentos mencionados na pesquisa empírica, quais sejam: entrevista, visita domiciliar e parecer social.

Não se postula fazer modelos, tipos ou uma receita para utilização desses instrumentos; objetiva-se propor indicativos sobre elementos35 que os constituem e fundamentam para uma intervenção comprometida com a defesa de direitos e com o projeto ético-político do serviço social.

A entrevista social é um diálogo que visa conhecer o usuário que se apresenta ao serviço social – seu modo de vida e como ele se relaciona com o mundo. A entrevista é uma relação face-a-face entre duas ou mais pessoas, sendo que os propósitos para o seu uso determinam a maneira e a intenção de quem a pratica. É utilizada para um trabalho de aprofundamento da realidade humano- social, priorizando-se o atendimento individual (SARMENTO, 1994), sendo fundamental a determinação de objetivos profissionais para a sua realização.

Portanto, a entrevista é um processo de escuta qualificada da fala do usuário, que deve apresentar o fato imediato (codificação) para ser decodificado com vistas a compreender suas necessidades imediatas. A ação do assistente social deve atender à necessidade primária do usuário, mas não se limitar a isso, compreendendo que a realidade deste na totalidade pode exigir outros encaminhamentos e intervenções.

Assim, a entrevista/diálogo é o movimento de codificação- descodificação- retotalização. Este movimento leva os indivíduos envolvidos a atitudes de discussões, inquirições, reforço de ideias, questionamentos, estímulos, valorização, apoio a situações pessoais, etc. É o processo de reconstrução crítica do real, é o ato de conhecer com ele (cliente36) a realidade que o desafia, dialogando (na

convivência) a partir das questões percebidas e analisadas no seu contexto mais amplo, nos seus determinantes estruturais e conjunturais. (SARMENTO, 1994, p.287).

Isso mostra a importância de se compreender, historicamente, as necessidades sociais, bem como imersas nas contradições da sociabilidade capitalista, para que não se atribua à pobreza um status subjetivo de dificuldades pessoais, cuja superação depende da ação do indivíduo isolado, desconfigurando-se a luta e os distintos interesses entre classes.

35 Alguns elemento irão aparecer repetidamente, mas é importante que eles sejam retomados a partir da dimensão de cada instrumento, entendendo universal e particular destes.

36 Esta terminologia era utilizada anteriormente pelo serviço social, todavia foi substituída pelo termo usuário, por se considerar que cliente está mais atrelado às relações de consumo, como se tratam de serviços prestados à população como resposta aos seus direitos usuário representa melhor esses sujeitos.

No momento de realização da entrevista, é importante um ambiente37 onde se assegure o sigilo às informações prestadas pelos usuários, considerando-se que os sujeitos confidenciam ao profissional dimensões íntimas da sua vida; por isso, é importante um ambiente propício e a atenção do assistente social às questões que estão sendo postas, como preconiza o art. 17 do Código de Ética profissional.

É interessante, também, o profissional fazer uso de um formulário ou roteiro para a entrevista, visando buscar junto ao usuário informações pertinentes para materializar a intervenção profissional, sempre com a preocupação de manter um caráter fluido de conversa, colocando uma linguagem acessível ao sujeito entrevistado e se afastando de julgamentos morais – por exemplo sobre a linguagem, o modo de se vestir, de se comportar, etc.

A visita domiciliar é um instrumento que subsidia a apropriação do real – necessário para pensar a totalidade – que propicia ao profissional aproximação com o conjunto das circunstâncias econômicas, sociais, culturais, familiares e morais dos usuários. Isso possibilita melhor conhecimento da realidade em geral e particular, bem como uma intervenção coerente com as necessidades do usuário e que defenda os seus direitos e interesses.

A autora Silvana Dóris Périn (2008) conceitua visita domiciliar como “um dos instrumentos que potencializa as condições de conhecimento do cotidiano dos sujeitos, no seu ambiente de convivência familiar e comunitária”. Sarmento (1994) contribui para essa reflexão, destacando que para conhecer a realidade é necessário se despir das preconcepções

um instrumento que potencializa as possibilidades de conhecimento da realidade (conhecendo com o cliente as suas dificuldades, e não o que já sei, que são pobres, que brigam, que bebem, etc..) e, que tem como ponto de referência a garantia de seus direitos (através dos serviços que lhe são levados) onde se exerce um papel educativo (colocando o saber técnico a disposição) de reflexão sobre a qualidade de vida (SARMENTO, 1994, p.300).

Nessa citação, o autor coloca ainda a necessidade de compreender a visita não apenas no sentido de “buscar alguma coisa”, mas também sob o propósito de

37 Aqui se reconhece que muitas vezes as condições de trabalho não possibilitam um ambiente de sigilo, mesmo que esta seja uma exigência prevista no Código de Ética.

“levar alguma coisa”, que o autor chama do papel educativo, entretanto sem retomar práticas conservadoras de vigilância e domesticação da pobreza.

Assim como qualquer instrumento, a visita apresenta os seus limites e possibilidades. As possibilidades relacionam-se com o descrito acima, no que diz respeito à questão de aproximação da realidade cotidiana do usuário. Conforme Périn (2008), os limites

dão conta do fato do profissional não conseguir previamente identificar rotinas da família que possam impedir a efetividade da visita domiciliar. Podem ocorrer situações do cotidiano daqueles sujeitos, que dificultem as condições ideais para uma entrevista com um outro membro da família, pelo fato de estarem, muitas vezes em grupos em suas casas e essas, de modo geral, não terem a proteção necessária ao sigilo (PERIN, 2008, p.06).

Nesse sentido, observa-se que é indispensável à realização da visita domiciliar uma postura profissional pautada nos princípios éticos, com conhecimento teórico- crítico para dar o direcionamento de defesa dos interesses do usuário, visto que, assim como a visita possibilita a apreensão da vida dos sujeitos, ela também é uma invasão da vida privada, o que significa “a presença do Estado na vida social particular” (SARMENTO, 1994, p. 300).

No que tange à abordagem da visita domiciliar, Périn (2008) elenca alguns aspectos importantes que ratificam a postura profissional acima apontada. A autora coloca que, para compreender a história de vida dos sujeitos, com suas particularidades e especificidades, é necessário o profissional se abster do pensamento moralista, preconceituoso e discriminatório, reforçando uma postura ética, respeitosa e não intimidadora, com uma abordagem mais informal na operacionalização da visita, para assim conquistar a confiança e receptividade dos sujeitos.

Ainda sobre a abordagem, segundo Périn (2008), é necessária clareza do assistente social a respeito do objetivo da visita, proporcionando a apresentação deste ao sujeito que está sendo visitado, pois o profissional deve buscar conhecer o que, de fato, é importante para a obtenção de elementos necessários à análise de situação, abstendo-se de satisfazer meras curiosidades. Além disso, deve manter o sigilo de tudo que lhe é confidencializado no decorrer da visita.

Outros pontos a serem observados no desenvolvimento da visita domiciliar, segundo Périn (2008), são o tempo de permanência da visita e o aviso prévio da sua realização. A respeito do primeiro ponto, é interessante que tenha uma duração breve entre trinta minutos a uma hora, mas deve estar condicionado à disponibilidade apresentada pelos sujeitos em receber o profissional.

Em relação ao segundo ponto, situa-se que a visita domiciliar é um instrumento de trabalho do assistente social, e da mesma maneira que este define a situação que se aplica o uso, avalia também a necessidade de haver ou não o agendamento prévio, resguardando a postura ética. Cabe, assim, ao profissional a responsabilidade de analisar se o agendamento da visita poderá interferir, de algum modo, na apreensão da realidade efetiva dos sujeitos, entretanto a preferência deve ser pelo agendamento, em respeito aos sujeitos; a visita inesperada só deve ocorrer em casos excepcionais.

Assim, diante do exposto, ratifica-se que

A visita domiciliar deve ser utilizada a partir da análise que o profissional efetua, sobre a situação social que está sob sua responsabilidade intervir, e dentre os distintos instrumentos técnicos disponibilizados para sua atuação, qual deles será mais efetivo para obtenção do resultado pretendido. O profissional que fizer a opção por utilizar a visita domiciliar como seu instrumento de trabalho deve se sentir à vontade com ele (PERIN, 2008, p.07).

Por meio dessa análise, ressalta-se a ideia de liberdade e autonomia profissional na escolha dos seus instrumentos de trabalho, voltando-se para análise de situação (no caso da visita domiciliar), encaminhamentos, ações sócio- educativas, dentre outros; distanciando-se da utilização do mesmo como um critério ou registro obrigatório para o fazer profissional.

O parecer social é um instrumento que expressa a opinião, avaliação do assistente social acerca de determinada situação, a qual deve ser embasada em prévio estudo social. O parecer, muitas vezes, possibilita ou não o acesso do usuário a determinado projeto, programa, benefício social ou mesmo fundamenta decisões jurídicas.

Por essas características, de acordo com Moreira e Alvarenga (2011), o parecer é um importante instrumento na busca por garantir o acesso dos usuários aos serviços institucionais e aos direitos. Mesmo assim, é preciso considerar que, na

realidade de precarização da política social, este vem sendo muito utilizado como meio de seletividade na viabilização do direito.

Assim, é fundamental que o assistente social realize um estudo para a emissão do parecer, de modo a apreender as situações de forma dialética, captando o que é posto como demanda e problematizando criticamente, entendendo a essência e determinações presentes em cada situação, para então intervir na realidade via parecer social.

Deve portanto, emitir uma conclusão coerente com os aspectos analisados, expondo a opinião de maneira clara, objetiva e comprometida com o projeto ético- político profissional. É considerada imprudente e vexatória a requisição de comprovações documentais das informações prestadas pelo usuário:

A opinião do profissional se dará pela integração da capacidade técnica – operacional, conhecimento teórico-metodológico e realização de compromissos ético políticos [...]. Ao respaldar o estudo em provas documentais, o profissional reforça a visão burocrática e legalista da instituição, e trabalha contra a luta pela autonomia técnica. (MOREIRA; ALVARENGA, 2011, p. 64).

Para o momento do parecer, enfatiza-se o princípio ético de “posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática” (CFESS, 2011, p. 23). Ademais, é indispensável, também, atentar-se para o respeito e o não preconceito às convicções religiosas, culturais, de orientação sexual, dentre outras, no momento de emitir a avaliação profissional.

Diante do exposto, verifica-se que os instrumentos profissionais se constituem de semelhanças e diferenças, de maneira que todos os princípios previstos no Código de Ética – sendo destacados apenas alguns na exposição acima – devem orientar o processo de elaboração e produção de tais instrumentais.

Na pesquisa realizada com os profissionais, quando questionados sobre o processo de produção dos instrumentos foi unânime a utilização de formulários “prontos” aplicados às diversas situações que incorrem no cotidiano do exercício profissional. Esse é um procedimento que se explica na dinâmica intensa que o assistente social tem no seu cotidiano profissional, todavia devem ser pensados os riscos presentes nessa prática.

Guerra (2012, p.48) aponta que, quando se reduz o fazer profissional à sua dimensão técnico-operativa, o Serviço Social se torna “um meio para o alcance de quaisquer finalidades”, e isso está propenso a ocorrer nas respostas funcionais, o que faz relação com a situação descrita acima. A autora coloca alguns mecanismos recorrentes na atividade profissional, que acabam se configurando como “vícios” do cotidiano do exercício profissional.

São estes, de acordo com Guerra (2012, p.52):

 Ultrageneralização, que corresponde a uma centralidade nas experiências e obscurece novas demandas, ou seja, pressupõe-se que a situação já é conhecida e este conhecimento passa a ser válido para outros casos.

 Confiança numa tese assimilada, induz a uma apreensão imediata e viciada da realidade, negando a dinâmica e processualidade desta; dessa maneira, evitam-se a dúvida e o questionamento, mantendo crenças e superstições.

 Analogia, trata-se da leitura da realidade por comparação entre semelhanças e diferenças expressas na mera aparência similar entre as situações, buscando categorizar e tipificar os objetos, sujeitos e processos sociais.

 Conhecimento das situações, nesse caso, estudos e experiências precedentes são consideradas modelos para a intervenção na realidade daquele momento histórico.

 Imitação é a ação “em razão do conhecimento e das experiências anteriores, do comportamento de outros, de um padrão que deu certo em situações anteriores ou para outros sujeitos”.

Nesse sentido, esses mecanismos empobrecem a dimensão técnico- instrumental, visto que ocorrem em razão de compreendê-la de maneira isolada ou autossuficiente, desconsiderando para a intervenção as outras dimensões prático- sociais do assistente social. Ou seja, a “prática” do serviço social é a sua razão de ser na sociedade e é o que dá visibilidade à profissão, devendo ser mais ampla que a formalidade instrumental.

Ainda na produção teórica atual, pouco se problematiza acerca dos instrumentos técnico-operativos do serviço social, mesmo estes se configurando como meios importantes para a execução das atribuições, sendo aliados estratégicos para um exercício profissional comprometido e contextualizado.

Por isso, os instrumentos, postos no conjunto da instrumentalidade, precisam ser debatidos e problematizados no âmbito acadêmico e profissional, uma vez que, no âmbito do exercício cotidiano do assistente social, quando esvaziados de objetivos, esses instrumentos acabam como vilões, que subordinam o exercício profissional à burocratização e à racionalidade formal-abstrata. No âmbito acadêmico, constitui-se em um desafio problematizar os instrumentos de maneira a superar duas tradicionais tendências da formação em serviço social: a primeira remete ao ensino dos instrumentos de forma pragmática, apresentando um manual/ receita, que desconsidera a diversidade dos espaços sócio-ocupacionais, dos processos de trabalho em que se insere o assistente social; na segunda, ao tentar fugir do pragmatismo, abandona-se a discussão e a abordagem dos instrumentos técnico-operativos em sala de aula, configurando um viés teoricista no ensino.

Assim, o instrumental e a dimensão técnico-operativa, como um todo, devem se articular às dimensões formativa, teórico-intelectual e investigativa, uma vez que estas subsidiam aportes para pensar a dialética da atividade profissional, apreendendo a realidade como uma totalidade dinâmica, todavia formada por totalidades parciais, em que, para a ação profissional, também é preciso considerar os sujeitos como seres sociais históricos, os quais interagem com a realidade e têm vivências próprias.

Ademais, essa articulação possibilita uma formação qualificada em serviço social, trabalhando-se teoria e prática como unidades que tem suas características particulares em razão da própria natureza de cada uma, incitando em sala de aula reflexões sobre o exercício profissional e seus instrumentos, de maneira a reconhecer criticamente suas possibilidades e limitações.

Quanto à dimensão ético-política, fundamenta valores éticos para o exercício profissional do assistente social, pautados nos princípios centrais da liberdade e justiça social, visando direcioná-lo numa postura progressista de defesa dos interesses da classe trabalhadora na luta por direitos e por emancipação humana – objeto de discussão do próximo capítulo.

4 DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA: DIREÇÃO, COMPROMISSO E POSTURA PARA O SERVIÇO SOCIAL CRÍTICO.

As dimensões formativa e técnico-operativa fornecem elementos às bases teórico-metodológicas e se alimentam da reflexão investigativa para o exercício profissional do assistente social. A dimensão ético-política, por sua vez, imprime, nas intervenções, a direção política para as ações. Ou seja, ao pensar “o que”, “como” e “com o que” fazer as ações profissionais, deve-se refletir “para que/quem”, articulando, assim, a dimensão ético-política ao seu trabalho enquanto assistente social (GUERRA, 2012).

Na dimensão ético-política, a pesquisa se preocupou em apreender o direcionamento ético e os objetivos políticos, importantes na elaboração e operacionalização do instrumental técnico de intervenção do assistente social. Para isso, basicamente três questionamentos nortearam o debate a seguir.

A primeira pergunta teve a preocupação de saber como é para o assistente social manter uma postura ética no cotidiano institucional, além de procurar entender as correlações de forças presentes na instituição, bem como os desafios para cumprir objetivos éticos e políticos, identificados pelos assistentes sociais, compreendendo os impedimentos da situação de subordinação ao contrato e às condições objetivas de trabalho.

Posteriormente, adentrou-se o aspecto do Projeto Ético-Político (PEP), buscando o entendimento dos profissionais sobre ele. Assim, investigou-se o conhecimento do projeto ético-político pelos assistentes sociais, considerando as tendências teóricas e políticas, presentes nas falas dos assistentes sociais.

Por fim, a última questão situou o Projeto Ético-Político no trabalho cotidiano, questionando se é possível articular o PEP ao exercício profissional (se sim, como; se não, por que). Dessa maneira, observou-se a presença (ou não) do PEP nos objetivos profissionais e, por conseguinte, nas intervenções.

Nesse sentido, a problematização deste capítulo se propõe a abordar os aspectos ora mencionados, buscando fazer uma discussão articulada com os aportes teóricos, que discutem a ética e os projetos políticos societários, e o contexto da realidade social em tempo de capitalismo financeiro.

4.1 A QUESTÃO DA ÉTICA: OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DESSA