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a) Entrevistas Preliminares

Jacques-Alan-Miller, em Lacan Elucidado, refere-se a entrada em análise a partir de três níveis, são eles: A avaliação clínica, a localização subjetiva e a introdução ao inconsciente. Sobre a entrada em análise, ele a apresenta como um trabalho que deve ser efetuado, construído para que o sujeito possa entrar no trabalho analítico.

Em relação à Avaliação Clínica, as entrevistas preliminares devem responder a pergunta sobre a estrutura que está presente no analisando. Trata-se de uma neurose, uma psicose ou uma perversão? Pois a direção do tratamento irá partir desta primeira avaliação. “As entrevistas preliminares se colocam para o analista como meio de se fazer o diagnóstico” (1987, pág. 255)

A partir deste ponto é importante introduzir o afastamento da psicanálise lacaniana das descrições fenomenológicas para responder ou não a um determinado diagnóstico. O que se apresenta é o instrumento analítico, isto é, a fala do paciente. Fala entendida como “a posição tomada por quem fala quanto aos próprios ditos e, a partir dos ditos, localizar o dizer do sujeito, retomar a enunciação (...)” (Miller, 1987, Pág. 236) A questão do sujeito do inconsciente se presentifica aqui. Para Miller, esta aparece como uma questão de direito e não atrelado à realidade objetiva. Trata-se de uma construção teórica.

“Dizer que o sujeito na clínica não é sujeito de fato, mas de direito, equivale a afirmar que não se pode separar a clínica analítica da ética da psicanálise, que constitui na experiência o sujeito”. (Miller, 1987, Pág. 235)

Miller chama atenção para a importância das entrevistas preliminares em relação ao diagnóstico da estrutura do paciente, pois, no caso das psicoses,“não desencadeadas”, existe o risco do sujeito deflagrar um surto. Uma análise pode produzir este efeito.

É fundamental para o analista que ele saiba reconhecer o pré-psicótico, o psicótico, cuja psicose ainda não foi deflagrada. Há uma regra, segundo a qual devemos recusar a demanda de análise do paciente pré-psicótico. Se isso não ocorrer, é necessário ter o máximo de cuidado para não desencadear a psicose, através de qualquer palavra. (Miller, 1987, pág. 226)

Miller afirma que o analista, em caso de dúvida, deve se pautar na existência ou não dos fenômenos elementares. Estes “são fenômenos psicóticos que podem anteceder o delírio e o desencadeamento de uma psicose” (1987, Pág. 227). Esta pode ser a “assinatura clínica” do paciente. Os fenômenos elementares são constituídos pelos fenômenos de automatismo mental, de automatismo corporal e fenômenos concernentes ao sentido e à verdade.

Ele segue o texto afirmando a posição da psicanálise lacaniana diante do diagnóstico e da necessidade do analista de saber operar com o saber clínico. Aqui, o conceito de Sujeito aparece como peça fundamental para a psicanálise lacaniana.

Ele chama atenção para a importância fundamental que a psicanálise dá ao que o paciente diz, e afirma haver uma necessidade fundamental para que possamos separar a dimensão do fato, para entrarmos na dimensão do dito. Freud, no inicio da sua obra, ainda estava preso a dimensão dos fatos, verificava os fatos relatados pelo

paciente. Porém, com o desenvolvimento da sua obra, irá se afastar cada vez mais do fato para entrar na dimensão do dito. Mas o autor revela que esta passagem por si só não é suficiente na psicanálise lacaniana; é necessário que o paciente questione e tome uma posição quanto aos próprios ditos.

”Desta maneira, ir dos fatos aos ditos não é suficiente; um segundo passo essencial é questionar a posição tomada por quem fala quanto aos próprios ditos; e a partir dos ditos localizar o dizer do sujeito, retomar a enunciação (...)” (Miller, 1986, Pág. 236)

Miller afirma que a modalização do dito também localiza a posição do sujeito. Assim, a Localização Subjetiva diz respeito a esta posição que o efeito sujeito se apresenta no dito do paciente. Existe uma diferença entre o dito e a “posição frente a ele, que é o próprio sujeito” (Miller, 1986, Pág. 238). Aqui, Miller volta a firmar a necessidade de se distinguir enunciado de enunciação e, paralelamente, o dito do dizer.

“A posição subjetiva de um histérico frente às alucinações é muito diferente da de um psicótico, para quem, mesmo não lhe conhecendo todos os detalhes, a alucinação é um ponto de certeza. (Miller, 1986, Pág. 243)

Outro ponto importante nas entrevistas preliminares é a função essencial do mal entendido, o qual abre para a pergunta: que você quer dizer com isso? Esta pergunta é a entrada na associação livre e esta apoiada na idéia de que quem não se entende é o próprio sujeito; há algo que precisa ser construído.

“Assim, localizar o sujeito consiste em fazer aparecer a caixa vazia onde se inscrevem as variações da posição subjetiva. É como pôr entre parênteses o que o sujeito diz, e fazer com que

ele perceba que toma diferentes posições modalizadas para com o seu dito”. (Miller, 1986, Pág. 247)

Mais adiante:

Como tentei mostrar, o analista, separando enunciado e enunciação ao reformular a demanda e introduzir o mal-entendido, guia o sujeito para o encontro do inconsciente: leva-o ao questionamento de seu desejo e do que pretende dizer quando fala, fazendo-o assim perceber que há sempre uma boca mal-entendida. (Miller,1986,pág 250)

Desta forma, Miller afirma que a entrada numa análise é constituída por um processo que deve ser manejado pelo analista e que não se reduz a uma simples avaliação da adequação do caso para a psicanálise. Neste tempo inicial, é necessário uma mudança efetiva da posição do sujeito. O analisante, ao final do processo, pode se referir ao que diz a partir de uma certa distancia do dito. Este efeito é o que chamamos de retificações subjetivas.

“A que é conduzido o sujeito com a primeira localização? A aceitar a associação livre, a falar sem censurar o que diz, buscando-lhe o sentido, a abandonar a posição de mestre”. (Miller, 1986, Pág. 250)

É importante marcar que, numa analise, estamos diante do Sujeito e a abertura para um espaço analítico se constitui no encontro com este.

(...) O sujeito é a própria perda, amais contável em seu próprio lugar, ao nível físico,ao nível da objetividade. Nesse nível ele não existe, e é responsabilidade do analista produzi-lo num outro, que lhe seja apropriado. (Miller, 1986, Pág. 253)

Desta forma, Miller marca que a introdução ao inconsciente é uma introdução à falta-a-ser. Portanto, operar com o sujeito do inconsciente, neste tempo inicial

consiste em abrir espaços para que exista as variações na posição subjetiva e assim possa apontar para o fato de que o sujeito sempre toma uma posição diante do seu dito; e é desta mobilidade que a psicanálise põe em jogo no tratamento.

Assim, nas entrevistas preliminares, temos o sujeito se havendo com uma posição, na qual se abre ao questionamento do próprio desejo. O que aparece como efeito é uma mudança efetiva de sua posição diante de sua queixa inicial. É aqui que se presentifica a falta-a-ser, o inconsciente, a castração. Desta maneira, as entrevistas preliminares tem como objetivo abrir um espaço de fala sobre a queixa inicial, para que, a partir desta, o sujeito possa se localizar diante dela e assim produzir inversões dialéticas que a conduza a uma questão na qual possa se abrir a pergunta sobre o saber do Outro.

Sobre a retificação subjetiva, Miller afirma que, neste tempo, o ato analítico consiste em implicar o sujeito no seu queixume, em seu próprio motivo de queixar-se. A retificação subjetiva está atrelada ao fato do sujeito apreender sua responsabilidade essencial no que ocorre. Aqui, ele afirma que estamos diante de um paradoxo, no qual o lugar da responsabilidade do sujeito é o mesmo do inconsciente. A Psicanálise irá operar a partir deste ponto.

O autor chama atenção para o fato de Lacan, no final da sua obra, não se referir mais a retificação subjetiva e sim a histerização do sujeito.

Para Quinet, as entrevistas preliminares são constituídas por três funções: a função sintomal, a função diagnóstica e a função transferêncial. Na função sintomal, o que aparece é a oferta de uma escuta analítica, para que, desta forma, seja possível se constituir uma demanda do sujeito. Isto significa que isso que o paciente chega se queixando deverá se transformar, transmutar para um sintoma analítico. “A demanda de análise é correlata à elaboração do sintoma enquanto ‘sintoma analítico’” (Quinet,

1991, Pág. 16). Para Lacan, a única demanda de uma análise é a demanda de se desvencilhar de um sintoma.

Assim, o que está colocado nestas entrevistas preliminares é possibilidade de trabalho com o sintoma. Esta “analisabilidade” do sintoma deverá ser construída através destas experiências dialéticas que o sujeito deverá experiênciar neste primeiro tempo. É este o trabalho que o analista deverá fazer operar, no qual a queixa que o sujeito apresenta deverá se transmutar num sintoma analítico.

Para isto, é necessário que a queixa se transforme numa demanda endereçada ao analista e que “o sintoma passe do estatuto de resposta ao estatuto de questão”( Quinet, 1991, Pág. 16) e, desta forma, possa ser endereçada a um analista. Isto significa que é necessário que o sujeito seja implicado na análise e que se instale o Sujeito Suposto Saber, conceito lacaniano.

Neste ponto, é necessário retornar ao conceito de transferência simbólica, pois é isto que se instala quando ocorre esta demanda ao analista: o analista está colocado no lugar do Outro. E é deste lugar que o sujeito é solicitado a decifrar seu sintoma. Este momento em que “o sintoma se transforma num enigma, é um momento de histerização” (Quinet, 1996, Pág. 17).

Para Quinet, “o analista procurará saber a que esse sintoma está respondendo, que gozo esse sintoma vem delimitar”. (Quinet, 1991, Pág. 19). É importante ressaltar este ponto, pois todo o sintoma porta um gozo. O sujeito está atrelado a este a mais. A partir destas manobras, o que se constata é a instituição do analista como grande Outro, este tem a verdade sobre o sintoma. O sintoma aqui representa a divisão do sujeito, pois esta questão apresenta-se como uma questão que atravessa o sujeito, chamando-o ao trabalho, já que a divisão instaura a falta, e assim pede trabalho.

A função diagnóstica também está presente, pois, para a psicanálise, é na relação transferêncial que se instaura o analista como Outro e é para esta estrutura que o diagnóstico aponta, isto é, para a estrutura em que o sujeito se apresenta. A modalidade da relação do sujeito com o Outro é o que se estabelece no diagnóstico psicanalítico, pois este serve para a psicanálise como ponto de orientação para a condução da análise. Quinet afirma que é apenas a partir do simbólico que o diagnóstico é colocado, isto significa diagnóstico estrutural é lido por meio dos três modos de negação do Édipo. “Cada modo de negação é concomitante a um tipo de retorno do que é negado”. (Quinet, 1991, Pág. 19)

Ainda há a função transferencial, sobre a qual Quinet afirma que “o surgimento do sujeito sob transferência é o que dá sinal de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber“ (Quinet, 1991, Pág. 25). Será em torno deste saber que a análise irá se desenrolar. Existe um saber em jogo no sintoma. O paciente já traz no inicio dos encontros com o analista uma “teoria” sobre seu sintoma. No transcorrer das entrevistas preliminares, esta “teoria” será revista afim de que se possa ser transformada numa questão, e assim ocorrer a implicação do sujeito. Desta forma, o analista possibilita o trabalho com a engrenagem inconsciente.

Ainda sobre este tempo preliminar, Quinet aponta um tipo de interpretação chamada por Lacan de retificação subjetiva. Esta tem como efeito a implicação do sujeito pelo seu sintoma. Ele chama atenção para o caso Dora, quando Freud pergunta a ela sobre “qual a sua participação na desordem da qual você se queixa?” Aqui, o autor ressalta a dimensão ética na qual o sujeito está implicado pelas suas escolhas e é chamado a responsabilizar-se por elas.

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