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Os gêneros e tipos de discursos presentes em nosso corpus se agrupam campos discursivos nos quais diferentes estruturas são percebidas durante o vídeo e nas transcrições, ou seja, posicionamentos que são construídos na relação entre os enunciados, como no exemplo:

[...] eu acho que a gente tem o direito de escolher... eu assumo o risco de ir em tal jogo... (...) fazer uma/algumas propostas... chegar algumas propostas na diretoria... (TORCEDORA01, eixo de crítica).

[...] acredito que não temos a voz que gostaríamos... mas aos poucos a gente tá lutando para chegar lá... (TORCEDORA02, eixo de crítica).

[...] a minha outra sugestão também/fica... é uma vertente ou um braço... é uma delegacia da mulher dentro do estádio... (TORCEDORA05, eixo de pertencimento).

[...] também concordo em ter delegacia da mulher dentro do estádio sim (TORCEDORA06, eixo de pertencimento).

Nesse exemplo, a retomada acontece de maneira explícita, em que a sugestão da torcedora05 é levantada novamente no depoimento da torcedora06 e, posteriormente, no de outras torcedoras. No caso da torcedora09, a seguir, ela reforça o imaginário machista, pois acredita que as mulheres não querem pertencer à torcida, já que vão até lá apenas para flertarem. Diferentemente das falas da torcedora10, que se pauta na relação de que as mulheres não devem ser julgadas pela ação delas na torcida. Ela recebe aplausos do público, demonstrando a aprovação dele, além disso, podemos inferir uma tentativa de resposta ao depoimento anterior, o da torcedora09. Vejamos:

Além disso, os eixos se diferenciam pelo fato de que a primeira torcedora relaciona essa questão das meninas não se estabilizarem na sua torcida com o modo de pertencer a esse meio, já a segunda torcedora busca denunciar o julgamento e as ações das mulheres nas torcidas como algo errado. A torcedora03, por exemplo, também diz acolher as meninas, demonstrando empatia:

A assembleia é um gênero não estático, já que nem sempre é possível manter a mesma cenografia, assunto que abordaremos mais adiante. Na situação de assembleia, identificamos diferentes vozes perpassadas por outras vozes. A partir da noção de Interdiscurso é possível amarrarmos o Mesmo e o Outro, pois consideramos como base as concepções de heterogeneidade mostrada, aquilo que está acessível pelas unidades linguísticas, e de heterogeneidade constitutiva, o que não deixa marcas tão evidentes na materialidade textual.

Desse modo, para Maingueneau (2008), é necessário pensarmos o Interdiscurso dividido em uma tríade formada por: Universo Discursivo, Campo Discursivo e Espaço Discursivo. De acordo com nosso corpus, definimos o Universo Discursivo como o Universo Esportivo. Esse, por sua vez, é delimitado pelo Campo Discursivo, que é

[...]é que aparece assim uma menina/outra lá... só que ela passa lá pega alguém e vai embora né? (TORCEDORA09, eixo de crítica).

[...] não adianta a gente vir pra cá pagar de/desconstruído e ficar julgando... mano... a menina pegou cinco caras... dez caras... ela vai pegar cinquenta... o corpo é dela ((aplausos))‖ (TORCEDORA10, eixo de denúncia).

[...] lá na Torcida Jovem a gente já fala: ―vamu chegar... vamu trazer pra gente... vamos trazer/fazer ela conhecer a história da torcida‖...‖ (...) então eu faço questão que todas conheçam a história da torcida (TORCEDORA03, eixo de pertencimento).

constituído de formações discursivas, em que acontecem as concorrências, confrontos, alianças etc., das quais encontramos o futebol e os discursos sobre o futebol, que ficam mais evidentes se pensarmos no Espaço Discursivo em que se encontram as mulheres integrantes (ou não) de torcidas organizadas e, mais especificamente, participantes do 1º Encontro de Mulheres de Arquibancada e elas falam sobre outros espaços, como o machismo, o feminismo, o patriarcalismo etc.

Nesse dialogismo, os enunciados possíveis e os enunciados recusados determinam o que pode e o que não pode ser dito. Não sendo necessário marcar o que não se pode dizer, pois isso já está claro no simples fato de dizer. Assim, não é necessário que a torcedora10, por exemplo, direcione sua fala para a torcedora09, até porque estamos tratando do nível discursivo. Sendo assim, percebemos, novamente, os diferentes EUe, compartilhados de algumas aproximações discursivas, mas também se afastam de acordo com as formações discursivas que se entrelaçam no campo do qual eles fazem parte. Considerando isso, não se deve falar em regiões definidas, mas espaços dos quais o Outro e o Mesmo se associam em um processo dialógico, configurando as cenas de enunciação.

As cenas de enunciação são definidas por Maingueneau (2015) como o espaço em que os sujeitos assumem os papeis atribuídos a eles, interagindo com a cena englobante, a cena genérica e a cenografia. A cena englobante é o tipo de discurso em dada prática social: o discurso futebolístico. Já na cena genérica os objetivos da assembleia deveriam ser ―obedecidos‖ pelas torcedoras, pois elas sobem ao palco e falam sobre seus papéis como mulheres de arquibancada, legitimando as formas de torcer desse espaço social. Porém, ainda é necessária a construção da cenografia, pois assim teremos uma encenação singular da enunciação, como propõe Maingueneau (2015).

Entendemos que na cenografia o sujeito legitima –ou não – o processo discursivo, além disso, é nela que acontecem os contatos entre os sujeitos e as validações dos discursos em determinado espaço discursivo. Em nossas análises, como vimos, apesar de a maioria dos discursos serem monologais, alguns apresentam a interação direta com o público, pertencendo às enunciações dialogais. Nesses entrelaçamentos, o fato de essa ser uma interação oral é o que justifica os imprevistos ao longo da interação. Sendo assim, os cenários e os posicionamentos dos enunciadores produzem diferentes sentidos

para a cenografia apresentada em nosso corpus, o que dificulta a manutenção de uma cenografia ―perfeita‖, nos termos de Maingueneau (2015), em que se idealiza uma assembleia na tentativa em manter, no mínimo, uma cenografia coerente.

Os depoimentos aconteceram em uma bancada preparada para as torcedoras fazerem denúncias e contarem sobre suas vivências, assim, elas narram suas histórias e argumentam suas escolhas para convencer o público quanto às imagens de si –que vão sendo construídas e reconstruídas nas interações discursivas. A cada depoimento, os sentidos são reforçados, refutados, rompidos e se aproximam dos objetivos dessas mulheres em defenderem a posição delas como representantes de times e de torcidas. Essas imagens são perpassadas pelos saberes de crença e de conhecimento, em um espaço no qual se reforçam as masculinidades. Porém, elas buscam romper com os imaginários que impõem o papel da mulher em uma sociedade patriarcal e machista, porém, ao mesmo tempo, esses imaginários atravessam suas falas e, por vezes, são reforçados. Isso porque as emoções e as imagens de si – pathos e ethos –, são acionados para elas argumentarem e narrarem suas histórias nas arquibancadas, como veremos adiante.