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7. Espólio funerário 1 Pedra Lascada

7.6. Artefactos e objectos votivos

7.6.2. Enxó de calcário

Provém das Lapas, um artefacto afeiçoado em calcário, em forma cruciforme com apenas dois braços (perpendiculares entre si) (inventário MMTN 256). Este artefacto em calcário de 47,10 mm de comprimento e 70,65 mm de largo apresenta uma espessura de 21,63 mm no eixo horizontal (secção circular) e 26,41 mm no eixo vertical (secção sub- circular).

Algumas hipóteses sobre o seu significado, já foram levantadas por outros investigadores. D. Fernando de Almeida e Veiga Ferreira (1959, p. 502) denominaram- no como sendo uma enxó. Júlio Carreira e Marco Andrade (1996 e 2015, respectivamente) interpretaram o referido artefactos como um báculo, comparando o artefacto das Lapas ao báculo da Lapa da Galinha (Gonçalves et al, 2014). Considero, contudo, que se trata de uma enxó, apesar de apresentar uma morfologia distinta das conhecidas para a área da Estremadura. Possivelmente, poderá tratar-se de uma fase inicial ou pré-forma do que se viria a assemelhar às enxós conhecidas para a gruta de Poço Velho (Gonçalves, 2008) ou Samarra (França e Ferreira, 1958).

Durante a análise da peça, reparei numa pequena incisão na extremidade do eixo horizontal, que se parece repetir na face oposta com o mesmo formato. Esta incisão certamente não foi efectuada em âmbito da escavação do sítio arqueológico, já que a mesma, apresenta a concreção típica do conjunto arqueológico, exumado do hipogeu das Lapas. A incisão apresenta a forma de “L” invertido, e como mencionado, parece repetir- se no mesmo local, na face oposta. Por esta se encontrar bastante concrecionada não é possível afirmar com certeza; contudo, mesmo debaixo da concreção nota-se uma ligeira depressão em “V”, compatível com a existência de uma incisão no calcário. Destaco, ainda, a existência de veios de coloração mais escura, na superfície do artefacto. Sabemos que poderiam ser utilizados, por vezes, materiais perecíveis que não resistiriam até aos nossos dias. Só uma análise especializada à superfície da peça, poderia confirmar esta teoria. Contudo, é uma hipótese possível. Muitas enxós votivas de calcário encontram-se gravadas, algumas delas evidenciando incisivamente o que seria o elo de junção, entre o cabo de madeira e a enxó em pedra polida, ou seja, as cordas. Constituindo uma representação de uma enxó funcional, nada invalida, que, para além das incisões observáveis nas enxós votivas, representativas de cordas, de facto estas não as possuíssem, tornando assim o artefacto mais composto e complexo.

Sem dúvida, que a enxó encabada em calcário proveniente do tholos de S. Martinho de Sintra (Leisner, 1965, Tf 30, nº16) constitui não só um dos mais bonitos exemplares, mas também possivelmente o mais interessante de todos. Para além das comuns incisões junto da extremidade da peça, existentes nos exemplares de Poço Velho (Gonçalves, 2008, p. 434-438), Carenque (Leisner, 1965, p. 59, nº1), Casal do Pardo

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(Leisner, 1965, Tf. 94, nº5) e anta da Estria (Leisner, 1965, Tf. 58, nº1), o artefacto apresenta ainda triângulos com o vértice para cima, preenchidos por linhas incisas cruzadas, remetendo instantaneamente para os motivos gravados presentes nas placas de xisto. Neste sentido, é a única enxó encabada com este tipo de decoração. Contrasta com as peças decoradas, igualmente com a não decorada da Samarra (Leisner, 1965, Tf. 49, nº3), monumento da Praia das Maçãs (Leisner, 1965, Tf. 40, nº11) e em certo aspecto, também, com o artefacto das Lapas. A incisão, mais visível, no exemplar das Lapas, passa facilmente despercebido, não constituindo um elemento marcante na superfície da peça, pelo que se encontra a quase totalidade da mesma, desprovida de qualquer outra decoração, incisa ou não.

Fazendo uma leitura sobre os artefactos votivos de calcário, rapidamente nos apercebemos que as enxós, apesar de existirem em número reduzido, não constituem exemplares raros, apenas menos frequentes. O maior e mais excepcional conjunto até hoje encontrado, continua a pertencer ao tholos de Paimogo (Lourinhã), onde de um universo de onze artefactos calcários considerados raros e até mesmo únicos (como a «insígnia de chefia» e o peitoral), seis estão ali presentes (Gonçalves, 2003, p. 202). Também a gruta de Correio-Mor, em Loures, forneceu um conjunto pouco comum, pelo menos no que se relaciona com a forma como foi identificado (Cardoso et al, 1995). O conjunto de artefactos ideotécnicos calcários formava um eixo maior (mais de 70 cm) e um menor (com cerca de 40 cm), delimitados pelas peças localizadas nos seus extremos. Os artefactos restringiam-se a uma área da cavidade, tendo sido interpretados como elementos pertencentes a um altar, situação que aliás, se verificou igualmente em Los Millares (Cardoso et al, 1995, p. 100, 112). Sendo este um achado único, pelo menos, que se tenha registo explícito em Portugal, surge na Lapa da Bugalheira (Torres Novas) uma situação que se poderia aproximar da encontrada em Correio-Mor. Contudo, o facto de se tratar de uma escavação antiga e com poucos registos, impossibilita qualquer conclusão que não apenas especulações (Cardoso et al, 1995, p. 111-112).

Também da gruta de Correio-Mor, provém uma réplica de enxó em calcário, que se diferencia das restantes conhecidas, já que se tratam de enxós encabadas, constituindo réplicas funcionais e não apenas réplicas da enxó, enquanto artefacto singular (Cardoso

et al, 2003, p. 248). As formas mais frequentes compreendem ídolos cilindros (decorados

ou não), ídolos fálicos, ídolos de gola e ídolos afuselados (Gonçalves, 2003, p. 171-172). As formas mais raras ou únicas, compreendem um par de sandálias, peso de balança, cabeça de maça, tentáculo de polvo, placas encurvadas, esferas, vasos canelados de pequenas dimensões e lúnulas. Victor S. Gonçalves havia assinalado que “à medida que nos afastamos da Península de Lisboa, a diversidade das formas se reduz significativamente” (Gonçalves, 2003, p. 172).

De facto e apesar de se tratarem de artefactos ideotécnicos, é possível criar dois grupos: os artefactos relacionados com o sagrado e os que se relacionam com o quotidiano e mundo dos vivos. Neste sentido, artefactos como as lúnulas, sandálias, placas perfuradas enxós encabadas, enxós em calcário, copos, vasos e almofarizes, traduzem utilizações quotidianas, ou representações de artefactos com utilizações conhecidas no quotidiano.

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Já artefactos como os ídolos cilindro lisos ou com motivos gravados (olhos, sobrancelhas, cabeleira ou representação sexual), ídolos pinha e ídolos de gola, podem gerar discussões acerca do seu uso. Contudo, a única questão sobre a qual não restam dúvidas, é a atribuição de um significado relacionado com o mundo do sagrado (Gonçalves, 2003, p. 174-175).