ANEXO IV – DADOS GERAIS pág
1.5. MARCADORES MOLECULARES
1.5.8. Enzimas relacionas à Quimiorresistência
Um dos cenários mais desafiadores da prática oncológica consiste no surgimento de
resistência à quimioterapia antineoplásica. Diversos fatores, pré-existentes ou secundários ao
processo neoplásico, parecem contribuir para esse fenômeno. Condições fisiológicas
(suprimento sanguíneo, pH e oxigenação tumoral) e biológicas (heterogeneidade celular e
fenótipo metastático) são implicadas como indutoras de refratariedade à terapêutica
antitumoral. Contudo, o termo quimiorresistência é tradicionalmente empregado em alusão a
mecanismos bioquímicos, onde moléculas específicas são diretamente relacionadas à
Recentemente, algumas enzimas próprias do metabolismo celular normal foram
identificadas como promotoras de resistência a drogas antineoplásicas. Superexpressas nos
tecidos tumorais, ou mesmo em quantidades fisiológicas, essas enzimas parecem desencadear
sistemas de detoxificação, de restabelecimento de vias metabólicas e de reparo ao DNA
capazes de frustrar os mais variados regimes antineoplásicos (Nutt et al., 2000).
A conjugação de moléculas citotóxicas com a glutationa (tripeptídeo formado por
resíduos de glicina, glutamato e cisteína) representa um importante mecanismo de
detoxificação celular (fase II). Os conjugados resultantes mostram-se menos tóxicos e mais
hidrossolúveis, sendo geralmente excretados das células por transporte passivo. Pequenas
moléculas reagem espontaneamente com a glutationa, todavia as maiores necessitam da
interação com enzimas catalizadoras do tipo Glutationa-S-Transferase (GST) (Figura 17).
FIGURA 17 – Modelo esquemático da regulação e do mecanismo de ação da Glutationa-S-Transferase (GST). A ativação de mensageiros intracelulares e de radicais livres como resposta aos agentes citotóxicos e/ou
seus metabólitos desencadeia a expressão de moléculas das famílias Fos e Jun. Estas formam heterodímeros que atuam como fatores de transcrição das proteínas GST (α, µ, π ou τ). As enzimas GST operam adicionando grupos GSH (glutationa) à estrutura dos agentes tóxicos e, assim, determinando sua exclusão da célula. Adaptado de Bergelson et al. (1994).
As GSTs abrangem um grupo de quatro isoenzimas [α (alfa), µ (mu), π (pi) e τ (tau)] divididas de acordo com a especificidade para diferentes substratos. Diversos carcinógenos,
agentes mutagênicos, quimioterápicos (exs.: alquilantes, antibióticos, podofilotoxinas),
metabólitos tóxicos e produtos reativos do oxigênio têm suas taxas de detoxificação celular
acentuadas pela ativação dessas enzimas (Wrensch et al., 2004). Assim, sugere-se que a
expressão diferencial das GSTs em células neoplásicas possa representar um importante
mecanismo de quimiorresistência tumoral (Mattern & Volm, 1992).
A enzima Timidilato Sintase (TS) exerce papel central na construção do DNA através
do fomento à síntese de nucleotídeos Timidina. Drogas que inibem a atividade dessa enzima,
como o 5-fluorouracil, provocam o bloqueio da replicação celular, demonstrando grande
aplicabilidade na terapêutica antineoplásica (Figura 18). Estudos clínicos revelam correlação
inversa entre a expressão de TS e a resposta aos seus agentes inibidores. Cogita-se que o
aumento da TS possa suplantar a ação dessas drogas, assegurando a síntese de nucleotídeos na
célula tumoral e, dessa forma, possibilitando sua proliferação (Peters et al., 2002).
A maioria das drogas antineoplásicas interage direta ou indiretamente com o DNA,
podendo atuar em vários sítios dessa molécula. A metilação da posição O6 da guanina,
promovida por agentes alquilantes (ex.: nitrosuréias) e outros compostos genotóxicos, acarreta
interrupções na fita do DNA que, dependendo da quantidade e extensão, ativam mecanismos
apoptóticos. A enzima O6-Metilguanosina-DNA-Metiltransferase (MGMT) consiste numa proteína de 22kDa reparadora do DNA, atuando através da remoção de grupamentos metil da
porção O6 da guanina (Figura 19). A detecção de níveis elevados de MGMT indicaria
tendência à restauração eficiente do DNA e, portanto, insucesso na aplicação dessas
FIGURA 18 – Mecanismo de inibição da Timidilato Sintase pelo 5-Fluorouracil. A enzima TS (timidilato
sintase) cataliza a conversão de dUMP (de deoxyurdine monophosphate) em timidilato (dTMP, de
deoxythymidine monophosphate), tendo o CH2THF [metileno(CH2-)tetrahidrofolato) como doador do
grupamento metil. O dTMP é metabolizado até o nucleotídeo timidina (dTTP, de deoxythymidine triphosphate), fundamental para a síntese e reparo do DNA. O FdUMP (de fluorodeoxyurdine monophosphate), metabólito ativo do 5FU (5-fluorouracil), acopla-se aos sítios ligantes do dUMP no homodímero TS-TS. A formação do
complexo ternário TS- CH2THF-FdUMP inibe a síntese de dTMP e induz a produção de moléculas tóxicas a
partir do FdUMP. O desequilíbrio na formação dos dNTPs (deoxinucleotídeos) e aumento de dUTP (de
deoxyurdine triphosphate) acarreta em danos ao DNA. A extensão das lesões ao DNA causadas pelo dUTP
depende também dos níveis da pirofosfatase dUTPase e da enzima UDG (de uracil-DNA glycosylase). O dTMP pode ser ainda conduzido à síntese de timidina por uma via acessória mediada pela enzima TK (de thymidine
kinase). Adaptado de Longley et al. (2003).
A DNA Topoisomerase II (TopoII) consiste em alvo para muitos quimioterápicos, como os compostos antracíclicos e as podofilotoxinas. Estes agentes estabilizam o complexo
de clivagem formado entre a TopoII e o DNA, resultando no aumento e/ou perpetuação das
rupturas no material genético (Figura 20). Nesse contexto, o estímulo à destruição celular
desencadeado pelas lesões estruturais no DNA mostra-se proporcional ao nível de TopoII,
sugerindo que a redução na quantidade dessa enzima poderia constituir um importante
FIGURA 19 – Representação esquemática do mecanismo de ação da O6-Metilguanosina-DNA- Metiltransferase (MGMT). A MGMT atua removendo grupamentos metil “anormais”, transferindo-os para o
radical sulfidrila da molécula de cisteína presente em seu sítio ativo. A enzima metilada perde a capacidade catalítica, todavia atua como potente indutor para expressão de MGMT e de outras enzimas reparadoras do DNA codificadas pelos genes ada (de alkylation damage). Adaptado de Komine et al. (2003).
FIGURA 20 – Representação do mecanismo de descompactação das fitas de DNA catalisada pela enzima DNA Topoisomerase II (TopoII). (1) Estrutura dimérica da TopoII: A’ – domínio estrutural, B’ – domínio
ATPase; (2) Ligação covalente reversível ao segmento G (DNA fita dupla); (3) Captação do segmento T após alteração conformacional dependente de ATP, seguida da quebra do segmento G; (4) Passagem do segmento T por entre a abertura do segmento G; (5) Reparo da ruptura do segmento G e liberação do segmento T. Adaptado de Alberts et al. (2002).
Esses mecanismos demonstram a necessidade não somente da busca por alvos
terapêuticos mais precisos, como também da identificação do espectro de resistência nas
diversas neoplasias humanas. Espera-se que a conjunção destes fatores permita a construção
de um perfil biomolecular para cada espécime tumoral, proporcionando a predição e o
desenvolvimento de tratamentos individualmente direcionados.